13 Julho 2022
"A dignidade originária de cada homem e mulher pode aceder à vida casta em Cristo não só por vias institucionais. Por essa razão, a castidade pré-matrimonial não deve ser identificada com à continência. Uma variável institucional na forma de conceber o matrimônio, recuperando lógicas naturais e civis sem pretender absorvê-las no plano eclesial, também modifica o juízo sobre o que é realmente dom e abertura e sobre o que é egoísmo e fechamento", escreve o teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, em artigo publicado por Come Se Non, 12-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Grillo conclui recordando "aquela fundamental aquisição proposta por Charles Taylor quando lembra que o individualismo não é apenas o nome de um vício, mas também de uma grande virtude, graças à qual se passa da sociedade da honra à sociedade da dignidade".
Num artigo de Aristide Fumagalli, publicado no domingo 10 de julho no Avvenire, intitulado La castità, bavaglio dell’amore o aiuto spirituale oltre l’egoismo? [A castidade, a mordaça do amor ou ajuda espiritual para além do egoísmo?] o moralista retorna ao tema da castidade pré-matrimonial, em torno da qual se desenvolveu um certo debate nas últimas semanas, após a publicação dos Itinerários catecumenais para a vida matrimonial.
No início de seu texto, Fumagalli esclarece muito bem o mal-entendido com o qual se confunde muito frequentemente a virtude da castidade com o voto de castidade. A primeira diz respeito a todos os batizados, enquanto o segundo diz respeito à vida das ordens religiosas e, em certa medida, também dos ministros ordenados (com exceção dos diáconos permanentes casados).
Além dessa importante distinção, Fumagalli enfatiza efetivamente que o ensinamento da Igreja sobre o amor de Cristo em relação à sexualidade pode certamente ser aprovado ou contestado, mas deve ser entendido em sua verdade. E nesse plano o maior erro é justamente identificar a castidade com a continência, acabando por ler a castidade apenas como uma série de proibições. A castidade, ao contrário, deve ser apresentada como aliada do amor, não como sua negação.
À análise proposta por Fumagalli gostaria de acrescentar um elemento que escapa em grande parte à perspectiva moral, mas que é decisivo para compreender o desenvolvimento histórico das formas de vida casta, que procedem não apenas de evidências de natureza moral, mas também de arranjos institucionais que fazem a mediação entre a vida natural, a vida civil e a vida de fé. Consideremos uma série de casos muito interessantes:
a) a polução noturna. Uma longa tradição teológica colocou o problema das infrações da continência dos religiosos que ocorrem nos casos de ejaculação durante o sono. Até que ponto essas "ações desordenadas" podem ser atribuídas à culpa do sujeito ou simplesmente descendem da "abundantia seminis" que a natureza, enquanto tal, assegura a todos os homens? Aqui fica evidente que as lógicas do inconsciente não se deixam controlar totalmente por uma disposição institucional e que a demonização da masturbação consciente se reflete em um poder natural que não pode ser totalmente dominado. A tal ponto que o controle parece muito mais egoísta e autorreferencial do que a aceitação de uma dimensão natural insuperável inclusive no monge ou no frei.
b) estados de vida e instituições. Como vimos no início, a vida casta que concerne a cada batizado assumiu diferentes formas históricas que interpretam de maneira distinta o fato de ser homens e mulheres sexuados em Cristo. A vida monástica e a vida religiosa assumiram o voto de castidade como regra das comunidades masculina e feminina. O desenvolvimento para o ministério ordenado é diferente, que elaborou a vida celibatária de forma não unívoca e com grandes diferenças. Um padre pode ser concebido como aquele que vive a continência monástica no celibato, mas também como um homem casado que vive a castidade conjugal.
Todos os batizados que não abraçam nem a vida religiosa, nem o ministério ordenado, nem o matrimônio são chamados à virtude da castidade que muitas vezes permanece indeterminada e reduzida a uma simples lógica negativa. Muitas vezes não se reflete suficientemente no fato de que aqueles que estão prestes a se casar se enquadram precisamente nessa categoria.
c) castidade pré-matrimonial. Essa expressão requer uma compreensão clara de natureza histórica, pois no sentido com que o usamos hoje depende de dois fatos históricos decisivos que mudaram a história do casamento e a história da castidade.
O primeiro fato é o famoso decreto de Tametsi, com o qual o Concílio de Trento em 1563 assume toda competência sobre o casamento, deslocando o consenso para o centro do rito do sacramento e superando assim aqueles casamentos clandestinos que também não quer negar em sua validade. A partir daquela data é possível falar de relações pré-matrimoniais, porque a Igreja assumiu plena competência jurídica também sobre o contrato. Até então, ao contrário, os casamentos clandestinos, que também podiam ser chamados de casamentos naturais, concebiam relações sexuais entre sujeitos livres que eram reconhecidos como casamentos legítimos. A primeira coisa que notamos, portanto, é que por 1500 anos não se podia falar tecnicamente de relações pré-matrimoniais, porque a Igreja se limitava a abençoar um contrato de matrimônio que a natureza e a cultura já haviam realizado.
Mas há um segundo ponto que deve ser reconhecido, a saber, a transformação do sujeito batizado feminino e a entrada da mulher no espaço público. O sistema criado pelo Concílio de Trento interpreta quase apenas a castidade feminina, não a castidade masculina: no matrimônio apenas um anel é abençoado, aquele que o homem põe na mulher. Na bênção é a noiva que é abençoada, para que seja fecunda e fiel. O novo Rito de 1969 concebe a troca de alianças e a bênção dos cônjuges. Isso muda também a maneira de pensar a castidade conjugal, que encontra na expressão sexual não apenas o instrumento da geração, mas a experiência mais radical de comunhão entre os cônjuges.
d) amor, egoísmo e individualismo. O fim da solução tridentina, que previa que a Igreja reivindicasse toda competência sobre o casamento, e a nova subjetividade feminina no mundo, na Igreja e na família, muda a interpretação da castidade, saindo da identificação do institucional com comunhão e de individual com egoísta. Muito facilmente somos vítimas da ideia tridentina de que é a autoridade da Igreja que estabelece a legitimidade do casamento. Como é evidente, não se trata de dizer coisas novas, mas de retomar coisas antigas sob uma nova perspectiva.
A dignidade originária de cada homem e mulher pode aceder à vida casta em Cristo não só por vias institucionais. Por essa razão, a castidade pré-matrimonial não deve ser identificada com à continência. Uma variável institucional na forma de conceber o matrimônio, recuperando lógicas naturais e civis sem pretender absorvê-las no plano eclesial, também modifica o juízo sobre o que é realmente dom e abertura e sobre o que é egoísmo e fechamento. Não gostaria que ao discutir essas delicadas questões se esquecesse aquela fundamental aquisição proposta por Charles Taylor quando lembra que o individualismo não é apenas o nome de um vício, mas também de uma grande virtude, graças à qual se passa da sociedade da honra à sociedade da dignidade.
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Castidade, moral e instituições. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU