O eros indisciplinado não leva a Deus, mas degrada o ser humano. O eros precisa de disciplina e purificação para dar ao ser humano não o prazer de um momento, mas a degustação do ápice da existência, da bem-aventurança a que tende. O fascínio do amor é que ele promete eternidade, promete algo maior do que o cotidiano. Mas somente o amor purificado e maduro cumpre essa promessa. A castidade é via para o amor purificado e maduro.
A opinião é de Domenico Marrone, teólogo e padre italiano, ex-professor do Instituto Superior de Ciências Religiosas de Trani, em artigo publicado por Settimana News, 19-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Nunca deve faltar à Igreja a coragem de propor a preciosa virtude da castidade, embora esta já esteja em contraste direto com a mentalidade comum. A castidade (antes do matrimônio) deve ser apresentada como autêntica aliada do amor, não como a sua negação.”
Essa é uma afirmação (n. 57) do documento “Itinerários catecumenais para a vida matrimonial. Orientações pastorais para as Igrejas particulares”, publicado – com o prefácio do papa – pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida.
A insistência na castidade não vem da incompreensão dos tempos em que vivemos – como afirma alguns teólogos a la page –, mas da convicção de que se trata de uma opção de vida ainda hoje possível e de uma “condição preciosa para o crescimento genuíno do amor interpessoal” (Amoris laetitiae, n. 206).
Agostinho de Hipona (354-430) foi o primeiro pensador do Ocidente a falar de três libidines inerentes a todo ser humano: libido sentiendi, libido sciendi, libido dominandi. Já segundo Pascal, que foi um fervoroso admirador de Agostinho, existem três libidines: a libido dominandi, a libido possidendi e a libido amandi.
Cada uma dessas libidines pode gerar pulsões idolátricas e egocêntricas que nos alienam e contradizem as nossas relações com nós mesmos, com os outros e com as coisas. De fato, um dos primeiros fronts de luta do cristianismo foi justamente contra os costumes sexuais idolátricos que caracterizavam as vivências do mundo pagão. Encontramos testemunho disso nos textos paulinos e nas numerosas obras dos Padres da Igreja dedicadas à virtude da virgindade.
Portanto, é muito oportuno “domesticar” (educar) essas libidines, porque, segundo o autor de “O Pequeno Príncipe”, “não conhecemos as coisas que não domesticamos”.
A pulsão não “domesticada” cria no ser humano uma introflexão sobre si mesmo e sobre as supostas necessidades e desejos próprios, segundo uma lógica que não é mais a icônica, ou seja, do ser humano que, em virtude do fato de ser feito à imagem e semelhança de Deus, faz-se memória ativa de Deus na terra que ele administra em seu nome, mas antes autorreferencial e caricatural.
De fato, o ser humano não faz outra coisa senão transformar o próprio Deus em uma horrenda caricatura, que deforma o rosto do Deus-amor. Isso também cria um desequilíbrio no próprio ser humano, porque as “paixões-energias”, em si mesmas boas e necessárias, são voltadas para si mesmo, e não para o exterior. É como se nos encontrássemos dentro de uma explosão de defesas imunológicas. E assim nascem os vícios capitais, neste caso, a luxúria.
Estamos cientes de que o ser humano encontra o sentido da sua vida ao amar. O eros é a pulsão fundamental que o habita, é parte da sua fome de amor. No entanto, ele também deve encontrar limites, ou seja, deve ser atravessado pela dinâmica do desejo. O eros deve aceitar a diferença e a distância. A libido amandi consiste sobretudo naquele impulso que nos impele a viver seguindo unicamente aquilo que provoca em nós sensações de prazer.
Essa libido encontra evidentemente uma manifestação privilegiada na esfera erótica, em que a perversão do desejo sexual pode chegar a fazer do parceiro um mero objeto.
Longe de se reduzir a uma necessidade de satisfação imediata, o eros deveria ser atravessado pela dinâmica do desejo: isso significa aceitar o desafio da diferença e da distância, manter-se aberto ao risco do encontro com o outro. A inteligência erótica deve praticar a distância para amar melhor.
A raposa expressa em palavras um desejo de ser educada, quer ser domesticada, trazida para a domus, para dentro da casa da alma do Pequeno Príncipe. A castidade é a domus na qual a libido amandi se “humaniza” e se transfigura em um autêntico dom de si a ser vivido, depois, por toda a vida na vocação matrimonial (dom exclusivo) ou nas diversas vocações de vivendi forma apostólica (dom inclusivo).
O amor precisa de entrega, mas também de autonomia. Se houver distância demais, não há vínculo, mas, se houver proximidade demais, não há mais conexão. Há fusionalidade. A separação é essencial para a saúde do vínculo afetivo, caso contrário nos deparamos com comportamentos compulsivos no exercício desenfreado da própria sexualidade e na utilização do corpo alheio.
O erotismo e a paixão, por outro lado, precisam de distância para permanecerem vitais. O fogo precisa de ar para queimar, e um casal precisa ser formado por duas individualidades distintas e em crescimento pessoal dinâmico para estar vivo. Precisamos de mistério para desejar.
O dominante do eros deve fugir da coisificação do outro e da perversão do desejo, para voltar a ser um dinamismo de encontro e de inserção no mistério de comunhão em que o homem e a mulher expressam o seu amor, até celebrá-lo naquela que João Paulo II ousava chamar de “liturgia dos corpos”. Nesse caminho, é preciso se exercitar na ascese humana, na luta contra a despersonalização da pulsão e a reificação da sexualidade. É aqui que a castidade se revela como uma virtude libertadora e muito generativa para a relação.
Quando a intimidade conhece apenas a linguagem da fisicidade, torna-se árida. “De fato, como muitas vezes ocorre, quando a dimensão sexual-genital se torna o elemento principal, senão o único, que mantém um casal unido, todos os outros aspectos inevitavelmente passam para o segundo plano ou são obscurecidos, e a relação não progride” (n. 57).
Quando existe apenas o espaço físico compartilhado e não o pessoal, não se está amando: está-se apenas em um delírio possessivo que corre o risco de se fixar na “instrumentalização física do outro” (n. 57). A castidade tem “uma dimensão positiva muito importante de liberdade da posse do outro” (n. 57).
Porém, o exercício da castidade exige uma luta. A luta exige aqui a capacidade de disciplinar a pulsão sexual para não chegar a uma absolutização que imponha a sua satisfação imediata.
A luta interior é o caminho pelo qual, no espaço da liberdade e do amor, se aprende a arte da resistência à tentação e a arte da escolha. Ter um coração unificado, um coração puro, sensível e capaz de discernimento, um coração que guarda e gera pensamentos de amor: eis o propósito do combate e da resistência interior, uma arte verdadeiramente apaixonante. É necessária uma grande luta anti-idolátrica para ser livre para servir e amar cada homem, cada mulher, cada criatura; em suma, para chegar a fazer da nossa vida humana uma obra-prima.
A tragédia da idolatria é a tragédia narcisista da autoafirmação. O idólatra não se inclina aos outros, ele os ignora. Busca apenas o seu Deus. Escapa-lhe que ele não é o Criador e que ele não é o Salvador. Escapa-lhe o limite que o conota como criatura. Escapa-lhe que aquilo que dá sentido pleno à vida é o fato de ser para os outros. O eros ávido e fascinante (pela promessa de felicidade) terá cada vez mais que buscar a felicidade do outro, senão com o tempo morre.
O eros indisciplinado não leva a Deus, mas degrada o ser humano. O eros precisa de disciplina e purificação para dar ao ser humano não o prazer de um momento, mas a degustação do ápice da existência, da bem-aventurança a que tende. O fascínio do amor é que ele promete eternidade, promete algo maior do que o cotidiano. Mas somente o amor purificado e maduro cumpre essa promessa. A castidade é via para o amor purificado e maduro.
Para que o eros cumpra a promessa de eternidade, ele deve se abrir à transcendência, feita de ascese, renúncia, cura, purificação e amadurecimento. A transcendência é o instrumento para que o eros se purifique em ágape. Só assim o amor poderá durar no tempo e além do tempo.