13 Mai 2022
"Os que pedem o retorno de militares talvez não se deram conta, ainda, de que eles já estão com as rédeas nas mãos", escreve Edelberto Behs, jornalista.
Manifestantes bolsonaristas já pediram, em diferentes ocasiões, a volta dos militares ao poder. As gerações a partir dos anos 90 não têm noção do que foi a ditadura cívico-militar instaurada no Brasil em 1964. E as gerações que viveram o período, muitos já esqueceram a realidade de então, que foi grandiosa em slogans como “milagre econômico” ou “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Os que pedem o retorno de militares talvez não se deram conta, ainda, de que eles já estão com as rédeas nas mãos.
O brasileiro tem memória curta, memória histórica, então, nem se fala. Esqueceram que o governo cívico-militar de 1964 foi um fracasso sob o ponto de vista administrativo da nação. Ou, melhor, foi um sucesso para as classes abastadas, um descalabro para os da base da pirâmide social. O todo poderoso ministro da Fazenda do “Brasil grande”, Antônio Delfim Netto, argumentava que era preciso fazer o bolo crescer para então dividi-lo. Acontece que o bolo cresceu para os de cima e nunca foi fatiado para sobrar aos de baixo.
No final de 1984, último ano do governo do presidente João Batista Figueiredo, e sob a batuta do ministro da Fazenda Ernani Galvêas, a inflação no Brasil era de 223%, a maior taxa da história do país, e a dívida externa bateu na casa dos 100 bilhões de dólares, valor que transportado para o câmbio de dezembro de 2020 alcança 247,4 bilhões de dólares. Em 1983, supermercados chegavam a alterar os preços dos produtos duas vezes ao dia!
Ou seja, um retrato claro de um governo cívico-militar que aplicou um golpe de Estado para “salvar” o Brasil do comunismo, da corrupção e da má administração. Comunistas no Brasil nunca tiveram força para virar a mesa, mas servem até hoje como uma ameaça à democracia; a corrupção também correu solta no regime de exceção e os números mostram o fracasso administrativo, econômico, de um governo que se posicionava como poder moderador do país. Um repeteco que a população brasileira, menos aguerrida, assiste hoje no panorama político, social e econômico!
Esquecemos, a geração mais vivida, que a gasolina galgou preços astronômicos, e que, para conter o consumo, o governo introduziu o depósito compulsório, os postos fechavam aos domingos. A gasolina chegou a subir, de uma vez, 25% e os pedágios sofreram majoração de 50%. Em matéria redigida pela correspondente da BBC no Brasil, Jan Rocha, ela informava, em 13 de janeiro de 1977, que “os aumentos relativo aos preços do petróleo agora estão classificados oficialmente como ‘acidentes’, ou atos de Deus, por ordem do ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen”.
Em visita a Florianópolis, em 2 de dezembro de 1979, o presidente João Batista Figueiredo foi hostilizado por estudantes, e o então ministro das Minas e Energia, Cesar Cals, levou um murro de um motorista de táxi, que gritava: “Toma essa pelo aumento do preço da gasolina!”.
Greves de trabalhadores estouraram em São Paulo que pediam aumento de salário. A capital paulista também foi palco de saques. Em 6 de abril de 1983, Jan Rocha transmitia a Londres, sede da BBC, o clima nas ruas da capital paulista: “fileiras de lojas com vidros estilhaçados e portas de ferro quebradas, destroços espalhados pelas calçadas”. E dizia mais: “Alguns governistas, como o líder Nelson Marchezan, concordam que ‘a agitação havia sido provocada’”.
Ainda, segundo matéria da correspondete: “Era consenso geral que, enquanto a fome e o desespero de desempregados e suas famílias estivessem levando a uma tensão insuportável, o que havia começado como um protesto legítimo tinha sido infiltrado por ‘provocadores’ interessado em causar pânico. A pergunta que todos fizeram é: ‘Quem são eles?’”
“Eles” poderiam ter sido inclusive agentes da linha dura do Exército, que não aceitavam a abertura política, “lenta e gradual”, iniciada pelo presidente Ernesto Geisel e concluída por Figueiredo. Hoje, não seria de admirar que defensores da “volta” dos militares ao poder os inocentassem de tais atos terroristas.
Como já está completamente esquecido o caso da bomba que explodiu no colo de militares que estavam dentro de um carro Puma, no Riocentro, acompanhando espetáculo musical, na noite de 30 de abril de 1981, por conta do Dia do Trabalhador. A bomba matou o sargento Guilherme Pereira do Rosário e feriu o capitão Wilson Luís Chaves Machado.
Em setembro de 1983, Jan Rocha contabilizou mais de 300 saques em todo o Brasil – 50 em São Paulo, mais de 80 no Rio e pelo menos 200 no Nordeste. Em dezembro de 1985, artigo da revista dos funcionários dos Correios receitava aos carteiros uma sopa de folhas e sucos de cascas de frutas para esticar ao máximo os seus baixos salários.
A advogada de presos políticos Rosa Maria Cardoso, que integrou a Comissão Nacional da Verdade, levantou, em pesquisa, que 57% dos mortos pela ditadura militar eram trabalhadores. As violações aos direitos civis e políticos mais básicos ocorridos na ditadura militar, constatou, estavam relacionadas ao arrocho salarial, com a superexploração nacional e o terror de Estado como fator de estímulo à acumulação dos donos dos meios de produção.
Compare a gerência administrativa dos militares na época com o que ocorre, hoje, com o governo Bolsonaro! Na segunda-feira, 10 de maio, o óleo diesel sofreu um aumento de 8,98%, passando o litro a custar 4,9 reais. Com a majoração do combustível segue a onda de aumento de produtos alimentícios! Bolsonaro promove motociatas e o povo faminto corre atrás de caminhões do lixo!
A Petrobras anunciou um lucro recorde de 106,6 bilhões de reais em 2021, 1.400% a mais do registrado em 2020. Desse total, a União, acionista majoritário, receberá 24,6 bilhões de reais e o BNDES outros 6,8 bilhões, que tem 7,9% das ações emitidas pela empresa. O restante vai para acionistas estrangeiros, que estão adorando essa “competência”. Enquanto isso, o porto-alegrense paga, em média, 105 reais pelo botijão de gás de 13kg, e muitas famílias, Brasil afora, desistiram do fogão a gás e passaram a usar lenha na cozinha.
Bolsonaro chegou a chamar os resultados da Petrobras neste primeiro semestre de “estupro”, mas diz que não consegue fazer nada, a não ser jogar para a torcida trocando o presidente da empresa, para oferecer ao brasileiro um gás mais barato!
No governo cívico-militar do golpe de 64 muitas dessas ocorrências passaram em branco porque jornais, revistas, rádio e TV nacionais estavam sob censura. Hoje não há censura. Mas Bolsonaro joga mentiras sobre mentiras nas redes sociais, que encontram leitores crentes. No entanto, a administração do governo, hoje, insuflado de militares, é tão arrasadora para os que estão na base da pirâmide social como foi a gerência de antanho.
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Brasileiro esquece fiasco gerencial do regime militar de 64. Artigo de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU