13 Abril 2022
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Na loucura da guerra, Cristo volta a ser crucificado.
“Quando se usa violência, nada mais se sabe sobre Deus, que é Pai, nem sobre os outros, que são irmãos. Esquece-se a razão pela qual se está no mundo e chega-se a realizar absurdas crueldades. Vemo-lo na loucura da guerra, onde se torna a crucificar Cristo. Sim, Cristo é pregado na cruz mais uma vez nas mães que choram a morte injusta de maridos e filhos. É crucificado nos refugiados que fogem das bombas com os meninos no braço. É crucificado nos idosos deixados sozinhos a morrer, nos jovens privados de futuro, nos soldados mandados a matar os seus irmãos. Hoje, Cristo está crucificado aí.”
A homilia foi proferida no Domingo de Ramos, 10-04-2022 e publicada pela Sala de Imprensa do Vaticano.
No calvário, confrontam-se duas mentalidades; vemos, no Evangelho, como as palavras de Jesus crucificado se contrapõem às dos seus adversários. Estes vão repetindo, como se fosse um refrão, "salva-te a ti mesmo". Dizem-no os chefes: "Salve-se a si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito" (Lc 23, 35). Proferem-no os soldados: "Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo" (23, 37). E também um dos malfeitores, tendo ouvido tais palavras, repete-as: "Não és tu o Messias? Salva-te a ti mesmo" (23, 39). Salvar-se a si mesmo, olhar por si mesmo, pensar em si mesmo; não nos outros, mas apenas na própria saúde, no próprio sucesso, nos próprios interesses; ter, poder e aparecer. Salva-te a ti mesmo: é o refrão da humanidade, que crucificou o Senhor. Reflitamos nisto.
Mas, à mentalidade do "eu", opõe-se a de Deus; o salva-te a ti mesmo confronta-se com o Salvador que Se oferece a Si mesmo. No Calvário, segundo o Evangelho de hoje, também Jesus toma a palavra três vezes como os seus adversários (cf. 23, 34.43.46). Em nenhum dos casos, porém, reivindica qualquer coisa para Si mesmo; na verdade, nem sequer Se defende ou justifica a Si mesmo. Reza ao Pai e oferece misericórdia ao bom ladrão. Particularmente uma das suas expressões marca a diferença do salva-te a ti mesmo: "Perdoa-lhes, Pai" (23, 34).
Detenhamo-nos nestas palavras. Quando são pronunciadas pelo Senhor? Num momento específico: durante a crucificação, quando sente os cravos a perfurar-Lhe os pulsos e os pés. Tentemos imaginar a dor lancinante que isso provocava. Lá, na dor física mais aguda da Paixão, Cristo pede perdão para quem O está perfurando. Naqueles momentos, apetecer-nos-ia apenas gritar toda a nossa raiva e sofrimento; Jesus, ao contrário, diz: Perdoa-lhes, Pai. Diversamente doutros mártires referidos na Bíblia (cf. 2 Mac 7, 18-19), não repreende os algozes nem ameaça castigos em nome de Deus, mas reza pelos ímpios. Cravado no patíbulo da humilhação, aumenta a intensidade do dom, que se torna “per-dão”.
Irmãos, irmãs! Pensemos que Deus procede assim também conosco: quando Lhe provocamos dor com as nossas ações, Ele sofre e o único desejo que tem é poder perdoar-nos. Para nos darmos conta disto, contemplemos o Crucificado. É das suas chagas, daqueles orifícios de dor causados pelos nossos cravos que brota o perdão. Fixemos Jesus na cruz e pensemos que nunca recebemos palavras melhores: Perdoa-lhes, Pai. Fixemos Jesus na cruz e vejamos que nunca recebemos um olhar mais terno e compassivo. Fixemos Jesus na cruz e convençamo-nos de que nunca recebemos um abraço mais amoroso. Fixemos o Crucificado e digamos: "Obrigado, Jesus! Amas-me e perdoas-me sempre, mesmo quando me custa amar e perdoar a mim mesmo".
Lá, enquanto é crucificado, no momento mais difícil, Jesus vive o seu mandamento mais difícil: o amor aos inimigos. Pensemos em alguém que nos feriu, ofendeu, decepcionou; em alguém que nos irritou, não nos compreendeu ou não foi um bom exemplo. Quanto tempo nos demoramos a pensar em quem nos fez mal! Como também a olhar para nós mesmos e a lamuriar-nos pelas feridas que nos infligiram os outros, a vida ou a história. Hoje Jesus ensina-nos a não perdermos nisso, mas a reagir, a romper o círculo vicioso do mal e dos queixumes, a reagir aos cravos da vida com o amor, aos golpes do ódio com a carícia do perdão.
Mas nós, discípulos de Jesus, seguimos o Mestre ou o nosso instinto rancoroso? É uma pergunta que devemos colocar a nós mesmos: seguimos o Mestre ou o nosso instinto rancoroso? Se queremos verificar a nossa pertença a Cristo, vejamos como nos comportamos com quem nos feriu. O Senhor pede-nos para responder, não como nos apetece a nós nem como fazem todos, mas como Ele procede conosco. Pede-nos para quebrar a corrente do "amo-te se me amares; sou teu amigo se fores meu amigo; ajudo-te se me ajudares". Assim, não! Em vez disso, compaixão e misericórdia para com todos, porque Deus vê um filho em cada um. Não nos divide em bons e maus, em amigos e inimigos. Somos nós que o fazemos, fazendo-O sofrer. Para Ele, todos somos filhos amados, que deseja abraçar e perdoar. Vemos isto também naquele convite para o banquete de núpcias do filho: aquele senhor envia os seus servos à encruzilhada dos caminhos, dizendo-lhes "tragam todos, brancos, pretos, bons e maus, todos, sãos e doentes, todos..." (cf. Mt 22, 9-10). O amor de Jesus é para todos; nisto, não há privilégios. Todos. O privilégio de cada um de nós é ser amado, perdoado.
Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem. O Evangelho sublinha que Jesus "dizia" (23, 34) isso, isto é, não o dissera uma vez por todas no momento da crucificação, mas passou as horas na cruz com estas palavras nos lábios e no coração. Deus não Se cansa de perdoar. Devemos compreender isto… e não só com a mente, mas compreendê-lo com o coração: Deus não Se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de Lhe pedir perdão, mas Ele nunca Se cansa de perdoar. Ele não suporta até certo ponto para depois mudar de ideias, como nós somos tentados a fazer. Jesus – ensina o Evangelho de Lucas – veio ao mundo para nos trazer o perdão dos nossos pecados (cf. Lc 1, 77) e, no fim, deixou-nos esta ordem concreta: pregar a todos, no seu nome, o perdão dos pecados (cf. Lc 24, 47). Irmãos e irmãs, não nos cansemos do perdão de Deus: nós, sacerdotes, de o ministrar; e, cada cristão, de o receber e testemunhar. Não nos cansemos do perdão de Deus.
Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem. Notemos mais uma coisa. Jesus não só implora o perdão, mas diz também o motivo: perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Como é possível? Os seus opositores tinham premeditado a morte d’Ele, organizado a sua captura, os julgamentos e agora estão lá, no Calvário, para assistir ao seu fim... e, todavia, Cristo justifica aqueles violentos, porque não sabem. É assim que Jesus Se comporta conosco: faz-Se nosso advogado. Não Se coloca contra nós, mas por nós contra o nosso pecado. E é interessante o argumento que usa: porque não sabem, ou seja, aquela ignorância do coração que temos todos nós pecadores.
Quando se usa violência, nada mais se sabe sobre Deus, que é Pai, nem sobre os outros, que são irmãos. Esquece-se a razão por que se está no mundo e chega-se a realizar absurdas crueldades. Vemo-lo na loucura da guerra, onde se torna a crucificar Cristo. Sim, Cristo é pregado na cruz mais uma vez nas mães que choram a morte injusta de maridos e filhos. É crucificado nos refugiados que fogem das bombas com os meninos no braço. É crucificado nos idosos deixados sozinhos a morrer, nos jovens privados de futuro, nos soldados mandados a matar os seus irmãos. Hoje, Cristo está crucificado aí.
Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem. Muitos ouvem esta frase incrível; mas apenas um a acolhe. É um malfeitor, crucificado ao lado de Jesus. Podemos pensar que a misericórdia de Cristo suscitou nele uma última esperança e o levou a pronunciar estas palavras: "Jesus, lembra-te de mim" (Lc 23, 42), como se dissesse: "Todos se esqueceram de mim, mas Tu pensas até naqueles que Te crucificam. Então poderia haver também para mim um lugar contigo?" O bom ladrão acolhe Deus, quando a vida dele está prestes a terminar e, assim, a sua vida recomeça; no inferno do mundo, vê abrir-se o Paraíso: "Hoje estarás comigo no Paraíso" (23, 43). Eis o prodígio do perdão de Deus, que transforma o último pedido de um condenado à morte na primeira canonização da história.
Irmãos, irmãs! Nesta semana, abramo-nos à certeza de que Deus pode perdoar todo o pecado. Deus tudo perdoa; pode perdoar todo o afastamento, mudar em dança todo o lamento (cf. Sal 30,12); a certeza de que, com Cristo, há sempre lugar para cada um; a certeza de que, com Jesus, a vida nunca acaba. Nunca é tarde demais; com Deus, sempre se pode voltar a viver. Coragem! Caminhemos para a Páscoa com o seu perdão. Porque Cristo intercede continuamente por nós junto do Pai (cf. Heb 7, 25) e, olhando para o nosso mundo violento, o nosso mundo ferido, não Se cansa de repetir (e em silêncio, no coração, repitamos com Ele): Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem.
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“Quando se usa violência, nada mais se sabe sobre Deus, que é Pai, nem sobre os outros, que são irmãos”, constata o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU