04 Março 2022
Relatório divulgado nesta segunda-feira alerta para a desigualdade dos impactos da crise climática ao redor do mundo. Abdicação de liderança é criminosa, diz secretário da ONU.
A reportagem é de Cristiane Prizibisczki, publicada por ((o)) eco 28-02-2022.
A mudança no clima causada pelas atividades humanas já levou a amplos impactos e perdas diversas para a natureza, para a economia e para a população mundial. Atualmente, entre 3,3 bilhões e 3,6 bilhões de pessoas – quase metade da população do planeta – vivem em contextos altamente vulneráveis, com impactos sentidos de forma muito desigual entre países e regiões.
De 2010 a 2020, a mortalidade causada por enchentes, secas e tempestades, por exemplo, foi 15 vezes maior em regiões que já apresentavam vulnerabilidade socioambiental, em comparação com as menos vulneráveis.
Estas são algumas das conclusões da segunda parte do 6º relatório científico do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado na manhã desta segunda-feira (28).
Chamado de “Mudanças Climáticas 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades”, o documento descreve as consequências da crise no clima na saúde, segurança alimentar, escassez de água, deslocamentos populacionais e destruição de ecossistemas.
“Eu vi muitos relatórios científicos no meu tempo, mas nada como este. O relatório do IPPC divulgado hoje é um atlas do sofrimento humano e uma acusação condenatória de liderança climática fracassada”, disse o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, durante o lançamento do documento. “Os fatos são inegáveis. A abdicação de liderança é criminosa”
O documento do Grupo II do IPCC compila vários dos impactos que as mudanças climáticas já trazem ao mundo, como perdas e danos à natureza e às pessoas.
Metade das espécies estudadas já migrou na direção dos polos ou para altitudes mais elevadas para escapar do calor. Centenas de perdas locais de espécies foram causadas pelos aumentos na magnitude dos extremos de calor, e as primeiras extinções de espécies causadas pela crise do clima já foram documentadas.
As mudanças climáticas fazem mal a saúde, física e mental, ressalta o documento. No mundo todo, a mortalidade e a morbidade por extremos de calor aumentaram, bem como a ocorrência de doenças, como é o caso da dengue, devido à expansão dos habitats e velocidades de reprodução dos transmissores.
A mudança no clima também retardou os ganhos de produtividade da agricultura mundial nos últimos 50 anos, trazendo insegurança alimentar a milhões de pessoas, sendo os maiores impactos observados na África, na América Latina, na Ásia, nos pequenos países insulares e no Ártico.
“A grande mensagem do Grupo 2 do IPCC neste relatório é que a mudança climática é um brutal agravador de desigualdades e um perpetuador de pobreza. A justiça climática precisa entrar na ordem do dia”, afirma Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima. A organização preparou um resumo em português dos principais pontos do documento divulgado nesta segunda.
No relatório anterior do IPCC, divulgado em agosto, os cientistas alertaram que o cenário de 1,5°C de aquecimento já é inevitável.
O documento divulgado hoje mostra que, com esse aquecimento de 1,5°C, de 3% a 4% das espécies analisadas provavelmente terão risco muito alto de extinção. No cenário de aquecimento de 2°C, esse risco salta para 18%, no cenário de 3°C, para 29% e, num cenário de aquecimento de 4°C, a extinção chegará a 39% das espécies analisadas.
Com 2°C de aumento na temperatura, a água de degelo usada para irrigação deve diminuir 20%, e a massa global das geleiras de montanha deve cair em cerca de 18%, reduzindo a quantidade de água para agricultura, geração de energia e abastecimento humano.
Os danos causados por enchentes podem ser até 4 vezes maiores em um cenário de aumento de temperatura de 3°C e, nas cidades costeiras, cerca de 1 bilhão de pessoas estão sob risco de desastres climáticos litorâneos, mostra o IPCC.
O documento também ressalta que os impactos das mudanças no clima estão ficando cada vez mais complexos e difíceis de administrar. Múltiplos fatores interagem entre si e com fatores não-climáticos, criando situações de efeito-cascata.
A Amazônia foi um dos casos citados no IPCC para ilustrar essa complexidade. No bioma, as mudanças no clima se somam ao desmatamento e às queimadas, produzindo perdas severas e irreversíveis aos serviços ecossistêmicos e à biodiversidade.
O documento do Grupo II do IPCC também considerou os cenários em que a temperatura excede 1,5°C – acordado em Paris em 2015 –, mas retorna, depois de algum tempo.
Mesmo assim, o novo sumário destaca que esta situação resultaria em “impactos severos e frequentemente irreversíveis” em ecossistemas, abastecimento de água, segurança alimentar e energia.
O documento também alerta para medidas de adaptação equivocadas, como a construção de hidrelétricas em regiões sujeitas a secas. Povos indígenas e moradores de periferia são especialmente vulneráveis a medidas “maladaptativas”, diz o relatório.
“A mensagem não poderia ser mais clara. Mas o sistema econômico e nossos governantes vão continuar a olhar somente seus interesses econômicos e políticos de curtíssimo prazo. Enquanto isso, a destruição do planeta continua”, disse o pesquisador da USP Paulo Artaxo, ao comentar nas redes a publicação do relatório. Artaxo é membro da equipe brasileira no IPCC.
Em seus 32 anos de existência, o IPCC já publicou cinco grandes Relatórios de Avaliação: em 1990, 1995, 2001, 2007 e entre 2013/2014, além de uma série de relatórios especiais e outros documentos.
Como os Relatórios de Avaliação finais do IPCC são documentos muito grandes, de milhares de páginas, antes que a versão final do documento seja divulgada, um Sumário Executivo para Tomadores de Decisões – SPM (Summary for Policymakers) – é publicado.
Em 2021 começou a ser publicado o conteúdo do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, que conta com a contribuição de três grupos de trabalho.
Em agosto passado, o Grupo I, que trata das causas das mudanças no clima, publicou seu Sumário Executivo.
O documento divulgado nesta segunda-feira é o Sumário Executivo do Grupo de Trabalho II. Nele, são avaliados os impactos das mudanças do clima na natureza e para as pessoas ao redor do globo, os futuros impactos em diferentes níveis de aquecimento e os riscos que ecossistemas e pessoas sofrerão em cada um desses cenários.
O relatório também oferece opções para que o mundo possa se adaptar a essas mudanças, de forma a aumentar a resiliência de ecossistemas e das pessoas, para enfrentar a fome, pobreza e desigualdade.
O documento do Grupo de Trabalho II apresenta vários novos componentes. Um deles é uma seção especial dedicada aos impactos e opções para atuar por tipo de região – áreas urbanas ou regiões litorâneas – ou por tipo de bioma – terras áridas, desertos, florestas tropicais, regiões montanhosas ou hotspots de biodiversidade, por exemplo.
O relatório do Grupo II foi feito por 270 autores de 67 países, e contou com a contribuição de outros 675 autores. Entre outubro de 2021 e meados de fevereiro de 2022, o documento passou pela revisão de especialistas e governos de 195 países, tendo recebido mais de 62 mil comentários.
As contribuições do Grupo III – soluções para enfrentar as mudanças climáticas – estão previstas para serem publicadas no começo de abril.
No total, o 6º Relatório do IPCC conta com a contribuição de 800 autores e revisores, sendo 21 brasileiros. Sua publicação final está prevista para o segundo semestre de 2022.
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Quase metade da humanidade já está vulnerável aos impactos das mudanças climáticas, diz IPCC - Instituto Humanitas Unisinos - IHU