09 Agosto 2021
Sem ações imediatas para reduzir emissões, mundo deve descumprir meta de limitar aquecimento global a 1,5 °C já na próxima década, diz painel da ONU. Nível do mar deve subir drasticamente, e Amazônia pode virar savana.
A reportagem é de Ajit Niranjan (AFP, Reuters), publicada por Deustche Welle, 09-08-2021.
A poluição por carbono alcançou níveis tão extremos que uma meta fundamental na luta para deter as mudanças climáticas – limitar o aquecimento global a 1,5 °C até o final do século – será descumprida dentro dos próximos 15 anos a não ser que ações imediatas, rápidas e de grande escala sejam tomadas para reduzir emissões de efeito estufa.
Essa é uma das principais conclusões de um relatório histórico aprovado por representantes de 195 países e publicado nesta segunda-feira (09/08) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
A análise, que vem em meio a temperaturas e chuvas recordes que abalaram tanto países ricos quanto pobres, baseia-se em mais de 14 mil estudos para avaliar a ciência das mudanças climáticas induzidas pelo homem.
Ao queimar combustíveis fósseis e liberar gases que aquecem a Terra como uma estufa, a humanidade fez a temperatura média do planeta subir 1,1 °C nos últimos cerca de 150 anos. Mundo afora, isso fez com que ondas de calor e chuvas torrenciais ficassem mais intensas e mais frequentes. Em muitas regiões, as secas estão mais intensas e duram mais tempo. Desde o último grande relatório do IPCC, de 2014, cientistas também ganharam mais certeza de que as mudanças climáticas tornaram incêndios, enchentes e tempestades mais fortes.
Há uma solução simples para evitar que as condições climáticas piorem: parar de queimar combustíveis fósseis – mas governos, empresas e indivíduos estão falhando em fazê-lo com rapidez suficiente, aponta o IPCC.
"Quando olho para os resultados que encontramos sobre os extremos climáticos, diria que estamos em uma crise climática", disse Sonia Seneviratne, cientista do Instituto de Ciência Atmosférica e Climática o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, e coautora do relatório. "Nós realmente temos um problema muito grande."
Em 2015, líderes mundiais se comprometeram no âmbito do Acordo de Paris a limitar o aquecimento global até o final do século a bem abaixo de 2 °C – idealmente 1,5 °C – em um esforço global para evitar catástrofes. Mas, em vez disso, estão seguindo políticas que colocam o planeta a caminho de um aquecimento de 3 °C, de acordo com o grupo de pesquisa Climate Action Tracker, sediado na Alemanha.
Enquanto a meta de 1,5 °C deverá ser quebrada já na próxima década, as temperaturas poderiam ser reduzidas novamente até o final do século sob o cenário mais ambicioso apresentado no relatório para reduzir a poluição. Além de descarbonizar rapidamente a economia global, seria necessário remover enormes quantidades de CO2 da atmosfera. Mas a tecnologia para fazer isso é cara, e há poucas evidências que sugerem que poderia funcionar na escala necessária.
"É muito mais fácil evitar as emissões agora do que ultrapassar nosso orçamento de carbono e ter que retirar muitas emissões da atmosfera novamente", disse Malte Meinshausen, cientista do Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto Climático e coautor do relatório.
Em todo o mundo, as chuvas extremas serão 7% mais intensas para cada grau Celsius de aquecimento global. Mais ciclones tropicais serão classificados nas categorias mais altas, 4 e 5. As chuvas de monções asiáticas cairão com mais intensidade e em períodos diferentes.
"Com cada incremento adicional de aquecimento global, as mudanças nos extremos [climáticos] continuam a se tornar maiores", escreveram os autores do relatório do IPCC.
Fortes chuvas que costumavam ocorrer uma vez por década já se tornaram 30% mais prováveis. Mas com mais 3 °C de aquecimento, elas ocorrerão duas ou mesmo três vezes por década, e farão cair um terço a mais de água. Secas que costumavam ocorrer uma vez a cada dez anos deixarão o solo infértil quatro vezes por década. Ondas de calor – que já são 2,8 vezes mais prováveis e 1 °C mais quentes do que antes da Revolução Industrial – serão 9,4 vezes mais prováveis e ficarão 5 °C mais quentes.
"O relatório expõe claramente a evidência da urgência da ação", disse Veronika Eyring, cientista de sistemas terrestres do Centro Aeroespacial Alemão e coautora do documento.
Algumas das mudanças climáticas estimularão um aquecimento ainda maior. Os sumidouros naturais de carbono no oceano e em terra tornam-se menos eficazes à medida que o planeta se aquece. Temperaturas mais altas degelarão ainda mais o chamado permafrost (solo permanentemente congelado) – liberando grandes quantidades de metano na atmosfera – e derreterão neve e camadas de gelo que refletem o calor para fora do planeta. É provável que o Ártico fique praticamente sem gelo marinho no mês de setembro pelo menos uma vez antes de 2050.
Cientistas dizem que o derretimento do permafrost não é suficiente para levar a uma aceleração dramática e que se retroalimenta das mudanças climáticas, mas isso tornaria a luta para estabilizar o clima mais difícil. Níveis mais altos de poluição atmosférica significam processos de retroalimentação (feedback loops) mais fortes e que se tornam mais difíceis de prever.
Também já tiveram início alguns processos que devem ser irreversíveis "por séculos ou milênios", mesmo que emissões sejam dramaticamente reduzidas. Entre elas estão o degelo do Ártico e aumento do nível do mar, que, segundo as previsões, deve ser de mais de meio metro neste século, o que já começou a tornar as inundações costeiras mais intensas e mais prováveis, mas continuará a fazê-lo no futuro.
Cientistas dizem que as incertezas na forma como as camadas de gelo respondem ao aquecimento global significam que extremos muito piores – 2 metros de aumento do nível do mar até 2100 e 5 metros até 2150 em um cenário de emissões "muito altas" – não podem ser descartados.
Outro possível impacto catastrófico das mudanças climáticas que não pode ser descartado é a transformação da Floresta Amazônica em savana, aponta o IPCC.
Cada esforço de proteção climática ajuda, afirma Douglas Maraun, cientista do Centro Wegener para o Clima e Mudanças Globais na Áustria e coautor do relatório. "Cada grau – ou décimo de grau – de aquecimento que é evitado reduz o risco de eventos extremos".
As maiores fontes de emissões de gases de efeito estufa que impulsionam as mudanças climáticas são carvão, petróleo e gás. Mas um resumo de 43 páginas do relatório elaborado para decisores políticos, um documento preparado primeiro pelos cientistas e depois aprovado linha por linha pelos representantes dos governos, não contém as palavras "combustíveis fósseis".
Os autores do relatório do IPCC não estão autorizados a comentar a reunião de aprovação do texto em si, que é confidencial, mas "no material que os cientistas escreveram, absolutamente, os combustíveis fósseis são mencionados", disse o cientista climático Meinshausen. Mas "mesmo perdendo algumas palavras, é uma conquista notável ter no final um acordo com todos os governos. Nenhum governo do mundo pode agora dizer que não acredita no que o IPCC escreveu."
"A ciência não foi enfraquecida no processo", acrescentou Friederike Otto, cientista climática da Universidade de Oxford e coautora do relatório.
O relatório do IPCC é a primeira de três partes e foi divulgado antes da cúpula climática COP26, a ser realizada no Reino Unido em novembro. Líderes mundiais discutirão soluções para parar de queimar carvão até 2030 e cumprir uma promessa feita pelos países ricos de pagar aos mais pobres 100 bilhões de dólares por ano para se adaptarem às mudanças climáticas até 2020. Algo que até agora eles não fizeram.
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Mudanças climáticas têm impactos irreversíveis, alerta IPCC - Instituto Humanitas Unisinos - IHU