Por: Fred Wichrowski | 08 Outubro 2020
A insegurança alimentar voltou a ser um tema de grande preocupação para os brasileiros. O quadro, que estava melhorando a partir de 2004, piorou. Segundo dados do IBGE, em cada dez famílias, quatro sofrem com a situação. Pelo menos 10,3 milhões de pessoas são atingidas gravemente por essa condição.
Apenas no Rio Grande do Norte, 81 mil famílias passam pela situação de insegurança alimentar do tipo grave, o que equivale a 7,6% dos domicílios, em que moram 282 mil pessoas.
Para Brizabel da Rocha, em entrevista concedida à IHU On-Line, a insegurança alimentar é o resultado de um contexto político, econômico e social. Segundo ela, a origem da fome se consolida através de um fenômeno social produzido pelo homem, processo que foi iniciado pela usurpação de terras indígenas, pelos colonizadores. Esse processo deu origem à aristocracia rural.
A situação ganha maiores proporções com a constante sobreposição dos interesses econômicos sobre os direitos sociais. Historicamente, houve períodos de negação do fenômeno da crise alimentar. Durante os anos 1990, a pauta passou a integrar de forma mais ativa a agenda. A partir de 2003, durante o mandato do ex-presidente Lula, políticas sociais focadas no combate à fome ganharam força.
Segundo Brizabel, a fome só passou definitivamente a ser compreendida como uma questão de Segurança Alimentar Nutricional a partir de 1985, momento em que foi elaborada a proposta de Política Nacional de Segurança Alimentar, pelo Ministério da Agricultura.
O avanço de políticas conservadoras de direita pode ser responsável pelo retorno acelerado à extrema pobreza e, por consequência, à fome no Brasil. O grande responsável enaltecido por essas políticas é o capitalismo. Suas ações são capazes de devastar o planeta, com o objetivo de supostamente melhorar o bem-estar humano.
Segundo dados da revista Forbes, espécies de animais estão sendo extintas a uma taxa 1.000 vezes mais rápida que a natural, durante os 65 milhões de anos anteriores, de acordo com as informações da Universidade de Harvard.
Por trás da extinção em massa, está a agricultura comercial. Esta é centralizada na alimentação intensiva de gado. Para os especialistas Christopher Wright e Daniel Nyberg, toda a devastação ocasionada pelo capitalismo e pela agricultura comercial é insustentável e constitui uma ameaça à saúde humana e ambiental.
Em um relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2018, no Brasil, consta que a categoria dos alimentos ultraprocessados é responsável pela incidência de doenças crônicas na população.
Alimentos ultraprocessados
(Foto: EBC)
Ainda segundo o mesmo relatório, os países mais ricos são responsáveis pelo consumo em maior volume destes tipos de alimentos. Além disso, em países de baixa renda, houve um aumento de 50% no consumo desses alimentos, entre os anos 2000 e 2013.
Um fator agravante que poderá favorecer o aumento das vendas desse tipo de alimentos, no futuro, é o preço. Segundo a pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, Ana Paula Bortoletto, a projeção é de que até 2024 os ultraprocessados custem menos que os alimentos in natura.
Recentemente, o Guia Alimentar para a População Brasileira, que é referência mundial e é fundamentado na classificação nova, sofreu uma ofensiva pelo Ministério da Agricultura. A versão original do Guia Alimentar cita o termo ultraprocessado 110 vezes.
Tereza Cristina, ministra da Pecuária, Agricultura e Abastecimento (MAPA), solicitou que o Ministério da Saúde revisasse o Guia Alimentar. Por meio da Nota Técnica nº 42/2020, os servidores do Ministério da Agricultura refutaram argumentos contidos no Guia e que estavam fundamentados na classificação nova.
O combate à fome pode ganhar muito mais força com o emprego da agricultura familiar. Segundo um relatório da FAO, de 2014, sobre o Estado da Alimentação e da Agricultura (SOFA 2014), de 570 milhões de propriedades agrícolas geridas no mundo, no período do relatório, 9 em cada 10 eram gerenciadas por famílias.
Dessa forma, a agricultura familiar constitui potencialmente um agente de mudança para que a segurança alimentar sustentável e a erradicação da fome no futuro possam ser alcançadas.
A partir do relatório, foi constatado que essa modalidade de agricultura era capaz de produzir 80% dos alimentos no mundo, enquanto a fome atingia mais de 800 milhões de pessoas. Além disso, a agricultura familiar detinha 75% de todos os recursos agrícolas mundiais.
Agricultura familiar
(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Paralelamente a isso, a agricultura familiar era também a mais vulnerável à escassez de recursos, relacionada às alterações climáticas. Já a agroecologia, segundo Paulo Petersen, coordenador executivo da AS-PTA e membro do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia - ANA, em uma entrevista concedida à IHU On-Line, tem como um de seus principais objetivos, aproximar a produção e o consumo.
Com a relocalização dos sistemas agroalimentares, que é um dos princípios fundamentais propostos pela agroecologia, é possível melhorar consideravelmente aspectos do abastecimento de alimentos. No entanto, esta modalidade depende de políticas públicas adequadas e estímulos do Estado.
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Crise de insegurança alimentar volta a preocupar o Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU