19 Novembro 2021
Em 2009 voltou perplexo de Copenhague, em 2015 achou decepcionante o resultado da cúpula de Paris, da COP26 de Glasgow nem mesmo participou. “Eu não queria ficar deprimido demais”, declara com certa ironia Joan Martínez Alier, economista, professor da Universidade Autônoma de Barcelona, um dos maiores especialistas na relação entre economia e mudança climática. Autor de ensaios fundamentais, em primeiro lugar O ecologismo dos pobres (publicado no Brasil pela Contexto), o estudioso espanhol está hoje em Roma para receber um dos prêmios Balzan, que lhe foi concedido no ano passado por sua contribuição na busca de respostas das ciências sociais e humanas aos desafios ambientais.
A entrevista com Joan Martinez Alier é de Alessandro Zaccuri, publicada por Avvenire, 18-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como costuma acontecer, parte substancial do valor obtido com o prêmio será investido em um novo projeto de pesquisa, que no caso de Martínez Alier objetivará o papel desempenhado pelos movimentos populares no combate às injustiças ambientais. “As populações indígenas - explica - representam 5% dos habitantes do planeta, mas estão envolvidos em 40% dos conflitos ecológicos. Eles não lutam para proteger um direito ou para obter alguma forma de reconhecimento. A luta deles é pela sobrevivência, nem mais nem menos”.
Por quais motivos?
Do Ártico à Amazônia, os povos indígenas vivem nas áreas mais interessadas na extração de recursos. Quando se manifestam, são motivados por uma emergência local, mas na realidade os fenômenos que denunciam estão sempre destinados a ter consequências globais, principalmente no que diz respeito às mudanças climáticas.
Porém, alguns ainda não estão convencidos dessa correlação ...
Aqui não estamos no âmbito das opiniões, mas dos fatos: concretos e mensuráveis. O número decisivo é o relativo à concentração de dióxido de carbono, para o qual dispomos de uma série histórica que começa em meados do século passado. A chamada curva de Keeling mostra de forma indiscutível que durante esse período a concentração de dióxido de carbono na atmosfera terrestre aumentou em trezentas partes por milhão. São números conhecidos e verificados. Não há dúvida de que esse aumento tem influência decisiva no aumento das temperaturas. Da mesma forma, é do conhecimento geral que só existe uma maneira de evitar o pior.
E qual seria?
Abaixar drasticamente a curva de Keeling. Infelizmente, isso é impossível, pelo menos nas condições atuais. No papel, os objetivos de Glasgow se aproximam das necessidades reais (estamos falando de uma redução de emissões igual a 45% até 2030, o ideal seria 50%), mas para obter tal resultado, seriam necessárias políticas muito mais visionárias do que as atuais.
Quais são os países com maiores responsabilidades?
Jogar tudo na conta da Índia ou de Bangladesh é muito fácil. Na Europa, por exemplo, a taxa de emissões por pessoa é igual a dez toneladas por ano, número que nos Estados Unidos chega a dobrar. Na Índia, por outro lado, estamos abaixo de quatro toneladas per capita por ano. Se todos os países do mundo estivessem em tais níveis, não haveria efeito estufa nenhum. A verdadeira responsabilidade recai sobre as grandes potências industriais: Europa, Estados Unidos, China. Sem esquecer que a própria Índia poderia adotar políticas de desenvolvimento agressivas, com repercussões enormes.
O desequilíbrio é mais econômico do que ecológico?
O problema é a desigualdade entre o Norte do mundo, que condena o Sul ao papel de devedor econômico, e o Sul, que não consegue chamar o Norte às suas responsabilidades no campo ambiental. Na ausência dessa admissão por parte dos países industrializados, o raciocínio fica retido num plano de abstração. Em outras palavras, não se conclui nada.
Qual a sua opinião sobre a encíclica Laudato si'?
Surpreendeu-me de uma forma muito positiva, principalmente em alguns parágrafos, como o 51, abertamente inspirados nos protestos populares na América Latina. Trata-se de uma ótima novidade, que gera certo otimismo. Com toda a franqueza, acredito que, mais cedo ou mais tarde, também a questão demográfica terá de ser enfrentada com igual coragem. Na minha opinião, seria necessário garantir que a população mundial se estabilizasse em nove bilhões de pessoas.
O que mais lhe dá esperança?
O movimento dos jovens, que tem sua representante mais famosa em Greta Thunberg. Mas no mundo existem muitos outros ativistas, que muitas vezes atuam em contextos muito difíceis. Estou pensando em Disha Ravi, a jovem indiana de 20 anos presa em fevereiro passado sob a acusação de conspiração com as potências estrangeiras. A prova, segundo as autoridades, seria um cartaz completamente inocente que a garota exibia durante uma manifestação pelo clima.
Em seus escritos, o termo “economia entrópica” é recorrente: você pode nos explicar o que significa?
Fala-se sobre isso há pelo menos meio século, com base em um ensaio de Nicholas Georgescu-Roegen, que foi o primeiro a encontrar uma maneira de aplicar esse princípio da física à economia. Petróleo, carvão e lenha têm algo em comum: só podem ser queimados uma vez. Enquanto for baseada em recursos não renováveis, a economia nunca poderá ser verdadeiramente circular. De certo ponto de vista, é a vingança da realidade física, concreta, sobre a metafísica ruim de uma finança interessada apenas nos preços, nos lucros e no mercado. Se não nos apressarmos em mudar de curso, essa miopia nos custará muito caro. Pelas estimativas do ejatlas.org, o atlas da justiça ambiental no qual trabalho com minha equipe há uma década, em breve teremos que lidar com nada menos que quatro mil conflitos desse tipo. Nós realmente achamos que podemos nos permitir isso?
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“Os pobres vão salvar o planeta”. Entrevista com Joan Martinez Alier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU