03 Novembro 2021
Dizem que os eventos futuros lançam a sua própria sombra, e, enquanto as nuvens de chuva outonal se aproximam das colinas cinzentas ao redor de Glasgow e do cinturão central da Escócia, parece haver tanta sombra quanto luz na maior cidade da Escócia. A abertura da COP-26, a “conferência anual das partes” das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, se aproxima.
A reportagem é de America, 29-10-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os católicos da Escócia ficaram consternados ao saber que o Papa Francisco não participará da COP-26, mesmo quando uma delegação de alto escalão liderada pelo cardeal Pietro Parolin se reunirá com muitos líderes e ativistas mundiais para esta última e crucial conferência sobre mudanças climáticas (uma pequena e surpreendente compensação de última hora: o Papa Francisco apresentou o “Pensamento do Dia”, uma faixa popular no programa nacional de notícias matinais da Rádio 4 da BBC, no dia 29 de outubro).
Passar pelo epicentro do local da conferência traz uma sensação repentina de que finalmente é algo real. A “Zona Azul” no elegante Campus de Exposições Escocês da cidade, às margens do rio Clyde, é proibida para as pessoas comuns e causa interrupções no tráfego em toda a cidade. A presença da polícia e das forças de segurança não é avassaladora, mas todos sabem que elas estão por aí, preparando o local para a presença de até 100 lideranças mundiais, incluindo o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que se reunirá a um dos maiores e potencialmente mais abrangentes eventos já realizados na Escócia.
Uma característica notável das últimas semanas foi a energia e a amplitude do envolvimento por parte de grupos religiosos, com destaque para as peregrinações muitas vezes longas a Glasgow para a conferência. Pernoitando nas casas das pessoas ou no chão duro dos salões das igrejas, milhares de ecoperegrinos convergirão para a cidade no último dia de outubro, quando a COP-26 terá início oficialmente. Liturgias, encontros e serviços religiosos já estão sendo realizados.
A grande igreja jesuíta de Santo Aloísio, no centro de Glasgow, sediará a missa dos delegados da COP-26 no meio da conferência. Os celebrantes incluirão todos os sete bispos católicos da Escócia. E muitas igrejas e pessoas de diferentes religiões e grupos comunitários da cidade participarão de uma grande passeata no dia 6 de novembro.
Estamos aprendendo nestes dias que a redenção da qual nós, cristãos, gostamos de falar se aplica a toda a criação, não apenas à alma individual, de alguma forma desconectada do bem-estar comum. Nenhum dos peregrinos e manifestantes sabe se conseguirá chegar perto o suficiente dos líderes e delegados para transmitir essa mensagem, mas haverá muitas manifestações e passeatas que tentarão. As pessoas de fé em Glasgow, muitas delas estimuladas pelo documento de ensino social do Papa Francisco Laudato si’, sabem que podem agir como catalisadoras da mudança.
O local ribeirinho da conferência fica em um trecho de terreno outrora industrial onde o Finnieston Crane projeta uma longa sombra, uma gigante lembrança do passado de construção naval e industrial de Clyde. Esse guindaste cantilever de 53 metros e 175 toneladas já foi usado para içar enormes locomotivas a vapor das fundições e fábricas da cidade para os navios com destino a todos os continentes. Mais a jusante, ainda há três outros guindastes, preservados desde os dias do passado industrial de Glasgow.
A dragagem e o alargamento de rios, ainda no século XVII, criaram as condições para o crescimento da indústria pesada da cidade, sua forte política operária e sua tradição de ativismo sindical. O trabalho e a habilidade dos trabalhadores tornaram Glasgow e Clydeside sinônimo da indústria pesada e da qualidade da engenharia em todo o mundo.
Agora estamos conseguindo ver o que essas gerações de construtores navais e engenheiros nunca puderam ver, que a sua memória seria preservada não apenas por esses guindastes majestosos, mas também pelos efeitos de longo prazo sobre o clima daquilo que eles começaram naqueles dias, um problema a ser discutido com alguma urgência em uma reunião de líderes mundiais em um dos seus próprios locais de trabalho.
Poucos dias antes do lançamento oficial da conferência, a cidade enfrenta uma série de dificuldades. Uma greve dos maquinistas, que teria desordenado os planos de transportar até 30.000 visitantes, foi evitada no último momento.
Mas nem todo problema é causado por Glasgow. Não é a administração da cidade nem o governo escocês que estão promovendo esse evento – oficialmente, é uma conferência da ONU promovida pelo Reino Unido e pela Itália. Há semanas vazam notícias de que funcionários do governo do Reino Unido, organizando um evento a mais de 640 quilômetros de distância em Londres, não estão à altura da tarefa.
Há uma preocupação maior com os riscos da Covid-19. Já atrasada em um ano por causa da pandemia, a COP-26 ameaça aumentar o número de casos em Glasgow. O governo escocês admite que um pico de Covid-19 é quase certo, especialmente preocupante para os serviços de saúde com a aproximação do inverno.
O governo expressou otimismo de que medidas atenuantes suficientes serão implementadas e que a capacidade médica de Glasgow não será sobrecarregada por qualquer pico. Os escoceses têm sido exemplares no uso de máscaras nos transportes públicos e em espaços fechados, como lojas e bares. Um aplicativo de teste e rastreamento, após os primeiros problemas iniciais, funciona bem.
Uma importante declaração por parte de uma coalizão de líderes religiosos levantou esperanças para além de Glasgow – o maior desinvestimento já feito por grupos religiosos, incluindo a Conferência dos Bispos da Escócia, da indústria de combustíveis fósseis. A Comissão Nacional de Justiça e Paz da Igreja escocesa disse que o movimento ousado “encoraja os católicos em todos os lugares a tomarem medidas para proteger o ambiente para as gerações futuras”.
A mídia local avaliou favoravelmente o movimento de desinvestimento dos bispos católicos, parte de um compromisso global que inclui 4,2 bilhões de dólares de fundos administrados e 72 instituições religiosas. A oração agora é para que a enormidade do que está em jogo supere as dúvidas persistentes sobre a necessidade de ação, sem falar do aborrecimento local com a interrupção do tráfego por algumas semanas.
Como um grupo ambiental local tem afirmado, o que a COP-21 de Paris prometeu, Glasgow deve cumprir. O ativista Patrick Dunne, de Edimburgo, e sua equipe no 1.5 Degrees Live! organizou uma leitura contínua do recente e devastador relatório “Code Red” do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas no pátio do Parlamento escocês. Ele disse à America que a COP-26 “deve oferecer reduções reais e significativas das emissões, e não apenas uma contabilidade inteligente”.
Dunne argumenta que, para além das reduções dos gases de efeito estufa, o que também está em jogo na Escócia é “um marco de justiça para a comunidade global e um caminho de mudança para o nosso sistema econômico”, que se provou “tão prejudicial aos ecossistemas e genocida aos povos indígenas em todo o mundo”.
Ativistas como Dunne aceitam a força de um argumento semelhante apresentado pelo Papa Francisco por meio de sua ênfase constante na “ecologia integral”, no sentido de que a forma como tratamos nossa “casa comum” espelha e reflete o modo como tratamos uns aos outros, conforme confrontamos aquilo que o papa frequentemente tem descrito como uma “cultura do descarte”.
A partir desse ponto de vista, a emergência climática parece tanto social quanto ambiental, uma questão de justiça. Dunne observou a necessidade urgente de a COP-26 pôr fim à “atual exploração das pessoas e do planeta para obter lucro”.
Em apenas mais alguns dias, tudo começa. O rio Clyde e Glasgow – a maior cidade da Escócia, antiga, corajosa, amigável e turbulenta – sabem que eles captam a atenção e as esperanças do mundo também. As vozes da fé lá são proeminentes e profundamente engajadas; sente-se neste momento que todos, quer sejam inspirados explicitamente pela fé ou apenas por uma profunda preocupação com o nosso planeta e as nossas gerações futuras, rezam pelo sucesso.
Deus responderá às muitas orações levantadas pela COP-26 em inúmeros locais de culto em todo o mundo neste fim de semana? As lideranças do planeta aceitarão o que devem fazer?
Dom Bill Nolan, bispo da Diocese de Galloway no sudoeste da Escócia e presidente da Comissão de Justiça e Paz dos bispos da Escócia, disse em uma das várias reuniões preparatórias que o Deus da justiça e da paz pelos mais pobres estará presente nessas conversas. Dom Nolan expressou a esperança de muitos, pedindo-nos que acreditássemos que “Deus estará com todos na COP-26 que dizem algo ou fazem algo que não destrói, mas melhora a criação”.
O mundo inteiro, especialmente nos lugares mais pobres que já estão sentindo os efeitos da emergência climática, desejará fazer eco à esperança de que a COP-26, que finalmente começa em Glasgow, no rio Clyde, terminará em luz, e não em sombras.
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Deus responderá às nossas orações sobre as mudanças climáticas? Católicos em Glasgow aguardam encontro climático urgente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU