Hoje, cinco dias antes da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, COP26, em Glasgow, e quatro dias antes da Cúpula do G20, em Roma, 72 instituições religiosas de seis continentes, com mais de 4,2 bilhões de dólares de ativos combinados sob gestão, anunciam seu desinvestimento em combustíveis fósseis no maior anuncio de desinvestimento conjunto realizado por organizações religiosas.
A reportagem é publicada por Movimento Laudato Si', 26-10-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O anúncio de desinvestimento global procede de instituições religiosas da Austrália, Irlanda, Itália, Quênia, Nepal, Peru, Ucrânia, Reino Unido, Estados Unidos e Zâmbia.
Entre as instituições participantes encontram-se a Conferência Episcopal da Escócia; a Direção Central de Finanças da Igreja Metodista do Reino Unido; a Igreja Presbiteriana de Gales; a Igreja Presbiteriana da Irlanda; as universidades católicas dos EUA e do Reino Unido; as Irmãs da Caridade da Austrália; duas dioceses da Igreja da Inglaterra; 19 igrejas da Igreja Católica Grega da Ucrânia; e o movimento religioso budista Soka Gakkai International – Reino Unido.
O anúncio é produzido depois do recente chamado do Papa Francisco e de outros líderes religiosos aos governos mundiais para que abordem a “crise ecológica sem precedentes” antes da COP26, e depois dos chamados de uma aliança internacional de ativistas comunitários multi-religiosos que pediram o fim imediato do financiamento dos combustíveis fósseis. O anúncio de hoje mostra que cada vez mais instituições católicas estão respondendo à recente recomendação do Vaticano de desinvestir nas empresas de combustíveis fósseis e investir em soluções climáticas.
O movimento de desinvestimento em combustíveis fósseis cresceu exponencialmente nos últimos anos. Segundo um novo relatório publicado hoje, mais de 1.485 instituições com ativos combinados de mais de 39 bilhões de dólares fizeram algum tipo de compromisso de desinvestimento, desde um ponto de partida de 50 milhões de dólares em 2014. As instituições religiosas estiveram à frente do movimento global de desinvestimento, representando mais de 35% do total de compromissos. Rio de Janeiro, Glasgow, Paris, Seattle e Auckland também anunciam hoje seus compromissos de desinvestimento, unindo-se ao Fórum C40 Divest/Invest e apoiando o avanço do desinvestimento em seus fundos municipais e de pensões.
Mais recentemente, a Fundação Ford, criada pela riqueza gerada pelo motor de combustão interna, uniu-se a Harvard, a universidade mais rica do mundo, ao anunciar que não somente desinvestirá em combustíveis fósseis, mas que investirá em soluções climáticas. Harvard desprendeu-se quase por completo da adoção de 42 bilhões de dólares em combustíveis fósseis e descartará qualquer investimento futuro em carvão, petróleo e gás. A Universidade São Tomás de Minnesota, uma universidade católica com 800 milhões de dólares de ativos administrados, se uniu ao anúncio de hoje e somou sua voz ao movimento global de desinvestimento.
A Agência Internacional de Energia (AIE) declarou em seu roteiro “Net Zero”, para 2050, que não pode ter novos desenvolvimentos de carvão, petróleo e gás se o mundo quer limitar o aquecimento global abaixo de 1,5 °C e evitar impactos climáticos catastróficos. Enquanto os líderes mundiais se preparam para se reunir na COP26, o governo do Reino Unido se vê submetido a uma pressão cada vez maior pelos planos do campo de petróleo de Cambo, na costa da Escócia, apoiado pela Shell, a gigante petrolífera, que liberaria emissões equivalentes à contaminação anual por carbono de 18 centrais elétricas de carvão.
No mês passado, mais de 20 bispos anglicanos do sul da África, incluindo o arcebispo da Cidade do Cabo, os três bispos de Moçambique e o bispo da Namíbia, pediram a suspensão imediata da exploração de petróleo e gás na África. Eles afirmaram que “uma nova era de colonialismo econômico por empresas de combustíveis fósseis está em andamento” e que “os habitats naturais da África estão sendo destruídos em um ritmo alarmante pela extração de petróleo e gás”.
Nos dias 17 e 18 de outubro, grupos denominacionais de diferentes religiões participaram do Faiths 4 Climate Justice, com mais de 500 manifestações em 41 países ao redor do mundo. Entre eles, mais de 130 foram realizados na Austrália, que ficou em último lugar no ranking de ação climática no Relatório de Desenvolvimento Sustentável da ONU em julho. Em Nova York, jovens ativistas judeus e rabinos bloquearam a entrada da sede mundial da BlackRock, a maior administradora de ativos do mundo, exigindo que a BlackRock alienasse todos os seus fundos de combustíveis fósseis e desmatamento.
A lista completa das 72 instituições que estão desinvestindo de combustíveis fósseis e as declarações de seus líderes podem ser encontradas aqui.
O bispo Bill Nolan, de Galloway, e bispo principal para o Meio Ambiente da Conferência Episcopal Escocesa, disse: “O mundo está cheio de vozes denunciando a crise ambiental que enfrentamos. Os bispos escoceses acrescentaram sua voz em sua carta pastoral publicada em Pentecostes este ano. Não obstantes, falar não é suficiente, é preciso agir. Como tal, os bispos se comprometeram a tomar medidas práticas para alcançar a neutralidade de carbono e se desfazer de empresas de combustíveis fósseis. Argumentaram que essas empresas ainda são necessárias enquanto fazemos a transição para alternativas mais verdes. Há alguma verdade nisso. Mas os bispos decidiram que o desinvestimento mostraria que o status quo não é aceitável e, além disso, dados os danos que a produção e o consumo de combustíveis fósseis estão causando ao meio ambiente e às populações dos países de baixa renda, não é correto se beneficiar do investimento nessas empresas. O desinvestimento é um sinal de que a justiça exige que nos afastemos dos combustíveis fósseis”.
O arcebispo Bernard Longley, de Birmingham, disse: “Nosso compromisso de desinvestimento em combustíveis fósseis é uma resposta ao clamor da terra e dos pobres e nos traz um passo mais perto de poder aliviá-lo. Unimo-nos a muitas outras organizações religiosas que estão tomando a decisão ética de 'evitar apoiar empresas que prejudiquem a ecologia humana ou social... ou a ecologia ambiental', como nos pede o Papa Francisco no manual do Vaticano 'Para o cuidado de nossa casa comum'. Ver tantas pessoas unidas neste objetivo me dá grande esperança para o futuro”.
David Palmer, diretor-executivo do Conselho Central de Finanças da Igreja Metodista, disse: “O ritmo de mudança no setor de petróleo e gás tem sido inadequado e está bem abaixo das metas estabelecidas na COP21 em Paris. Esperamos que a COP26 atualize essas metas e esperamos nos juntar a outros grupos religiosos em Glasgow no próximo mês para pedir uma ação imediata para lidar com a emergência climática”.
O reverendo Evan Morgan, moderador da Igreja Presbiteriana de Gales, disse: “Nossa Assembleia Geral este ano aprovou uma resolução para desinvestir em combustíveis fósseis como parte de nossa nova política verde como uma denominação. Estamos conscientes que o tempo está se esgotando e, para proteger o planeta e cumprir nosso papel de guardiões da criação de Deus, a Igreja, entre outras organizações, deve agir. O tempo das palavras, por mais bem-intencionadas que sejam, acabou e é hora de agirmos e sermos pró-ativos em nossa resposta aos desafios da crise climática”.
O reverendo David Bruce, moderador da Igreja Presbiteriana da Irlanda, disse: “Em sua Assembleia Geral em 5 de outubro de 2021, a Igreja Presbiteriana da Irlanda instruiu seus administradores a empregar uma nova estratégia em relação aos negócios. Que produzem combustíveis fósseis ou que obtêm parte do seu faturamento com o uso. Especificamente, isso significará desinvestir aquelas empresas que obtêm mais de 10% do seu faturamento com a extração de petróleo e gás e se comprometer com outras empresas que são grandes usuárias de combustíveis fósseis. Acreditamos que nossas políticas de investimento devem ser baseadas no entendimento bíblico da criação, que nos leva a nos comprometer com o mundo de Deus e com os nossos próximos”.
O reverendo Hugh Nelson, bispo de St. Germans, na Diocese de Truro, da Igreja da Inglaterra, disse: “Temos o orgulho de dizer que não mais investimos em empresas cujo principal negócio envolva a extração, produção ou refino de carvão, gás e petróleo. Sabemos que ainda há um longo caminho a percorrer e vamos olhar de perto todos os nossos investimentos para tentar desinvestir em qualquer caso que encontrarmos um vínculo indireto com a extração, mas estamos satisfeitos por ter dado este primeiro grande passo”.
O arcebispo Kieran O'Reilly, de Cashel e Emly, disse: “Chegamos a um momento crítico na história da humanidade. Como sacerdote que trabalhou em terras de missão, vi a grande necessidade de agir com justiça e equidade para com nossas Irmãs e Irmãos em outras partes do nosso mundo – o desinvestimento é uma forma de agir com justiça e equidade”.
Robert Harrap, diretor-geral da Soka Gakkai International UK, declarou: “Como organização budista baseada em uma filosofia de respeito pela dignidade da vida e a não dualidade do indivíduo e do meio ambiente, é importante para nós investirmos com sabedoria. Sustentável e responsável. Nossos fideicomissários decidiram se desfazer dos combustíveis fósseis porque é uma forma fundamental de proteger nosso precioso planeta e aqueles que estão em maior risco com a crise climática”.
O padre Karl J. Kiser, provincial dos Jesuítas do Meio-Oeste dos EUA, disse: “Estamos comprometidos com os objetivos da Laudato Si' do Santo Padre e com o 'caminho para a ecologia integral' que prevê a encíclica. Os dons confiados a nós para avançarmos a nossa missão apostólica alinha e promove a meta de um amanhã mais justo e sustentável. Movidos pela fé, o nosso cuidado pela criação reflete a imensa gratidão devida ao Criador; inspira-nos com uma maior simplicidade de vida, um compromisso comum com os outros de bem vontade e um aprofundamento da consciência do grito dos pobres e da terra, nos lembra a reflexão do Papa Bento XVI sobre o versículo de Gênesis 1,28, que diz 'Submetam a Terra'. Bento disse: 'Isso não significa escravizá-la! Explorá-la! Faça com ela o que quiserem! Não, o que significa é: reconheça isso como um presente de Deus. Guarde-a e cuide dela, como os filhos cuidam do que herdaram do pai. Cuidá-la para que se torne um verdadeiro jardim para Deus e para que o seu significado se cumpra, para que para ele Deus seja tudo em todos'”.
O bispo Luke Pato, da Namíbia, disse: “Somos os guardiões da terra para as gerações vindouras. A Namíbia é o país mais árido ao sul do Saara e nossas águas subterrâneas são a herança que deixamos para nossos filhos e netos. Não podemos correr o risco de que as atividades de perfuração contaminem as preciosas fontes de água, abusem dos direitos indígenas e ameacem o patrimônio do Delta do Okavango”.
Vanessa Nakate, a jovem ugandesa ativista de justiça climática, declarou: “A Terra está de luto por causa das atividades humanas contra ela. O sofrimento afeta as pessoas e o planeta. Quando a natureza é destruída, nós destruímos a nós mesmos. Todos temos a responsabilidade com a criação, de protegê-la e conservá-la para as gerações presentes e futuras”.
Tomás Insua, diretor-executivo do Movimento Laudato Si', disse: “Pessoas de fé estão se desinvestindo em grande escala do carvão sujo, do petróleo e do gás, exigindo que o G20 em Roma finalmente conclua que não há futuro para o financiamento dos combustíveis fósseis. Como disse o Papa Francisco: 'basta da sede de lucro que impulsiona a indústria de combustíveis fósseis a destruir nossa casa comum'”.
James Buchanan, gerente da campanha Bright Now da Operação Noé, disse: “Enquanto o Reino Unido se prepara para sediar a COP26, estamos muito satisfeitos que 37 instituições religiosas do Reino Unido decidiram se desfazer de empresas de combustíveis fósseis e unir forças. Para este anúncio recorde de desinvestimento global. Ligamos aos governos do Reino Unido e do mundo para que acabem com os subsídios aos combustíveis fósseis e parem imediatamente com a nova exploração de petróleo e gás, incluindo o campo de Cambo”.
A Dra. Rachel Mash, coordenadora de Meio Ambiente dos Anglicanos Verdes, afirmou: “Diante da devastação ambiental, poluição de preciosas fontes de água e abuso dos direitos à terra causados por empresas de combustíveis fósseis, é fácil que aqueles que estão na linha de frente das mudanças climáticas sintam-se oprimidos pelo poder dessas empresas. Quando ouvimos que as comunidades religiosas estão retirando seu dinheiro dessas empresas, renasce a esperança de que não estamos sozinhos”.
O reverendo Fletcher Harper, CEO da GreenFaith, afirmou: “Em meio a uma emergência climática, o desinvestimento em combustíveis fósseis é um imperativo moral. Cada vez mais grupos religiosos – muçulmanos, hindus, budistas e judeus, bem como cristãos – devem seguir adicionando seus nomes à lista crescente de compromissos de desinvestimento, e eles também devem liderar o caminho, investindo na garantia de acesso à energia limpa para absolutamente todos, especialmente as 800 milhões de pessoas que carecem de eletricidade”.
Laura Morosini, diretora de programa do Movimento Laudato Si' na França, disse: “Na segunda-feira, 18 de outubro, nos levantamos e jejuamos antes da turnê da TotalEnergies em Paris com o padre Lang e outros líderes religiosos para fazer a TotalEnergies deter o desastroso projeto EacopTilenga. Pedimos claramente a TotalEnergies que mereça seu novo nome: TotalEnergies abandonando seu novo projeto fóssil e não apenas diminuindo-o lentamente”.
Russel Testa, Animador de Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Frades Franciscanos – Província do Santo Nome, disse: “Acabamos de aprovar uma política de desinvestimento em nossa província como parte de nosso esforço para viver mais plenamente a mensagem do Evangelho apresentada no Laudato Si'. No próximo ano, vamos eliminar os investimentos que temos e, a partir do próximo ano, vamos estudar o mercado para investir na indústria das energias renováveis. A política foi recomendada pela Comissão de Investimentos da Direção de Finanças e aprovada pelo Conselho Provincial”.
A irmã Anne McCarthy, membro do conselho de diretores dos Ministérios Emaús, disse: “O movimento de desinvestimento em combustíveis fósseis alinha-se com a missão dos Ministérios Emaús: defender a dignidade de cada ser humano. Só podemos defender a dignidade de todos quando defendemos a dignidade da terra onde vivemos. Participar desse movimento é uma forma eficaz de incorporar nossos valores e influenciar a sociedade”.
O padre Lalit Tudu, diretor da Caritas Nepal, disse: “Esta decisão é correta para a nossa organização mostrar sua solidariedade na luta contra o aquecimento global”.