29 Abril 2021
Vários anos atrás, Rodrigo Pedroso começou a notar um padrão incomum nas aldeias indígenas que ele visitava na floresta amazônica: ao lado de pequenas capelas católicas, muitas vezes abandonadas, havia igrejas evangélicas mais novas, muitas vezes maiores.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada em National Catholic Reporter, 28-04-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A observação levou Pedroso, um jornalista brasileiro, a examinar o que poderia estar levando as pessoas nas comunidades indígenas a essencialmente trocarem de fé cristã. Esse se tornou o foco de um projeto que ele relatou no outono de 2019 para o Fundo de Jornalismo da Floresta Amazônica do Pulitzer Center on Crisis Reporting, intitulado “River Missionaries: The Catholic Counteroffensive in the Amazon” [Missionários do rio: a contraofensiva católica na Amazônia, disponível em inglês aqui].
Seu projeto foi publicado enquanto o Vaticano explorava os desafios que a Igreja enfrenta na região, em um Sínodo especial sobre a Amazônia em Roma.
Pedroso compartilhou sua experiência relatando o projeto no dia 26 de abril como parte de um webinar sobre a dinâmica missionária na Amazônia, organizado pelo Centro Berkley para a Religião, a Paz e os Assuntos Mundiais da Georgetown University, junto com o Pulitzer Center.
A conversa também incluiu Niyanta Spelman, fundadora e CEO da organização sem fins lucrativos de conservação Rainforest Partnership, e o Rev. Fletcher Harper, diretor executivo da GreenFaith.
Fletcher, um ministro episcopal que moderou a conversa, disse que o trabalho missionário na Amazônia é “uma colisão de diferentes cosmovisões e de diferentes mundos”.
“E uma colisão que tem um grande significado para as pessoas envolvidas na linha de frente, mas também para o planeta inteiro”, disse ele.
Pedroso, que também trabalha para a CNN, descreveu essa colisão por meio da história de uma irmã católica chamada Marta, que tem cerca de 30 anos. Natural do México, ela lhe falou das dificuldades do trabalho missionário na Amazônia peruana: uma nova cultura com novos alimentos, um clima mais quente e úmido, e, às vezes, deslocamentos de barco de 10 horas de duração entre as aldeias.
Acima de tudo, ela teve que lidar com a sensação de que os povos indígenas “não acreditavam em Deus como eu”, disse Pedroso.
Antes do webinar, ele soube que ela estava de volta ao México, tendo solicitado uma transferência quando a pandemia do coronavírus eclodiu e depois que ela se sentiu “presa em uma rotina diária”, e que o trabalho não estava ocorrendo como ela esperava. “E ela realmente parecia mais feliz e relaxada”, disse ele.
Para Pedroso, a sua reportagem mostrou as dificuldades que os grupos religiosos enfrentam ao entrar em um ambiente desconhecido e os desafios pessoais que um missionário pode encontrar ao trabalhar com pessoas que se apegam firmemente a crenças diferentes.
“E os missionários muitas vezes se chocam com isso”, disse ele. “Eles têm que se adaptar, têm que se moldar e têm que encontrar novas formas de realmente fazer o seu trabalho. Porque, se eles não forem flexíveis, eles se dobrarão e quebrarão.”
Desafios como os enfrentados por Marta fizeram parte das discussões antes e durante o Sínodo da Amazônia, realizado no Vaticano em outubro de 2019. O documento final desse encontro, junto com a reflexão do Papa Francisco sobre os seus trabalhos, a exortação “Querida Amazônia”, destacou a importância que Francisco dá ao ministério naquilo que ele chama de “periferias”. A Bacia Amazônica, que abrange nove nações e representa um dos ecossistemas mais cruciais do planeta, é um desses lugares.
Foto: CIDSE - together for global justice | Flickr CC
Os participantes do Sínodo falaram sobre o avanço das igrejas evangélicas em uma região onde as paróquias católicas são tão grandes que os padres às vezes visitam as comunidades apenas uma ou duas vezes por ano, quando o fazem. Os Padres sinodais em seu documento propuseram a ordenação de homens casados e a abertura do diaconato às mulheres para ajudar a resolver esse problema, embora Francisco não tenha abordado esses temas na “Querida Amazônia”.
“Uma Igreja de rostos amazônicos”, escreveu Francisco, “requer a presença estável de responsáveis leigos, maduros e dotados de autoridade, que conheçam as línguas, as culturas, a experiência espiritual e o modo de viver em comunidade de cada lugar, ao mesmo tempo que deixem espaço à multiplicidade dos dons que o Espírito Santo semeia em todos” [n. 94].
Spelman, cuja organização Rainforest Partnership, com sede em Austin, Texas, trabalha com comunidades locais na floresta amazônica ocidental e em outras partes da América Central e do Sul, disse que a abertura é essencial ao trabalhar com grupos indígenas.
Para pessoas com motivação religiosa, disse ela, isso significa estar ciente de como elas abordam o seu ministério: “Vamos impor os nossos pontos de vista de uma forma muito colonial e antiga que ocorreu durante milênios, ou vamos dizer: ‘Aqui está o que sabemos e quem somos, e aqui está o que vocês estão fazendo, vocês que vivem na floresta em harmonia com a floresta’?”.
A Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) tem liderado os esforços para fortalecer os laços entre os grupos indígenas e a Igreja Católica da região. Entre as centenas de sessões de escuta antes do Sínodo, algumas foram especificamente com os povos indígenas, e os bispos e as organizações eclesiais se posicionaram ao lado das comunidades indígenas contra o desmatamento e as indústrias extrativas do bioma.
Spelman disse que é importante que os missionários e as organizações não governamentais vão para a floresta com humildade, para convidar ao invés de impor, e com disponibilidade para aprender tanto quanto para transmitir.
As pessoas de fora, por exemplo, podem aprender o modo como algumas comunidades indígenas têm lidado com a Covid-19 usando a medicina tradicional, disse ela. De acordo com as Nações Unidas, os povos indígenas em todo o mundo são o lar de 80% da biodiversidade mundial.
“O que as nossas comunidades da floresta sabem que podem nos ensinar hoje e que pode mudar a trajetória do nosso futuro compartilhado neste planeta? Eu acho que eles têm muito a nos ensinar, se estivermos simplesmente dispostos a ouvir e a respeitar”, disse ela.
Spelman acrescentou que um aspecto importante a ser entendido sobre as comunidades indígenas é que, para muitas delas, a floresta não é apenas o seu lar, mas também faz parte de quem eles são.
“Quando você vai à igreja ou a qualquer outra casa de culto, as pessoas falam que sentem essa conexão com Deus, com esse poder superior. Quando você está na floresta, você sente essa conexão”, disse ela.
Pedroso pode falar sobre isso pessoalmente. Ele foi criado como católico em São Paulo, a maior cidade do Brasil, onde a poluição provoca cheiros “horríveis” em torno das suas rodovias e contaminou os seus principais rios, o Tietê e Pinheiros.
“E ninguém questiona isso. É apenas uma parte normal do ambiente viver com dois rios mortos no nosso quintal, porque esse é o preço a ser pago”, disse ele, antes de acrescentar: “Estamos começando a perceber que não é bom conviver com isso”.
Depois de viver na Amazônia entre as comunidades indígenas, a percepção de Pedroso sobre o mundo mudou quando ele começou a reconhecer como “tudo está interligado”, desde as folhas e os ramos até os seres humanos e uma gota d’água.
“Se você não sabe como é realmente importante respeitar uma árvore ou um rio ou apenas um pequeno ser em seu quintal, você não pode respeitar coisas maiores”, disse ele.
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Webinar explora “colisão” entre cosmovisões quando missionários vão para a Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU