13 Outubro 2021
Que mundo nos espera depois do Covid. Porque outro vírus, não biológico, será ainda mais perigoso. “O crime das desigualdades”. A utopia de uma sociedade igualitária. A ditadura dos algoritmos e dos Big Data. A próxima guerra fria digital. E porque a história não se repete.
Sapiens: Os Pilares da Civilização
Silêncio, fala Yuval Noah Harari. Israelense, de 45 anos sem smartphone, um dos maiores intelectuais, historiadores e divulgadores contemporâneos, retorna amanhã às livrarias com o segundo volume (Os pilares da civilização) da graphic novel de seu best-seller Sapiens (ed.Bompiani), fabulosa Viagem na história - e no futuro - da humanidade.
A entrevista com Yuval Noah Harari é de Antonello Guerrera, publicada por La Repubblica, 12-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Por que também a versão em graphic novel, Harari?
Muitos não leem livros clássicos ou não estão acostumados com a linguagem acadêmica. Portanto, nós, estudiosos e cientistas, temos que fazer um esforço. Temos uma grande responsabilidade, ainda mais durante uma pandemia ou na luta contra as alterações climáticas. Caso contrário, se deixa espaço para as conspirações e as fake news.
Qual é a maior lição do Coronavirus?
A necessidade de uma cooperação global. Infelizmente não atingimos o objetivo.
No sentido de que as vacinas quase sempre vão apenas para os países ricos?
Isso certamente. Mas há pior: dois anos após a pandemia, ainda não temos um plano e uma liderança global para superar esta crise e enfrentar as dificuldades econômicas que surgiram. A OMS é um organismo esvaziado e influenciado pela política. Que objetivos poderemos alcançar em questões tão colossais e ainda mais complicadas como o meio ambiente ou a inteligência artificial?.
Mas a ciência foi extraordinária: vacinas contra o Covid em menos de um ano.
Isso me deixa muito otimista: poderia realmente ser a última grande pandemia. Mas a política ainda não aprendeu a agir prontamente e em nível global: vocês lembram de Donald Trump, quando suspendeu os fundos para a OMS em plena pandemia?.
Há um grande debate sobre os passaportes de vacinação e as restrições anti Covid. Você, que escreveu livros futuristas até o transumanismo como "Homo Deus", o que pensa a respeito?
Durante uma emergência, medidas de ‘vigilância’ são necessárias e eu sou a favor. O problema é que, a longo prazo, podem ser o cavalo de Troia para o controle capilar da sociedade. Portanto, é crucial que sejam medidas temporárias e que, acima de tudo, sejam bidirecionais, ou seja, que até mesmo estados, governos e gigantes da web sejam mais transparentes. O que infelizmente não está acontecendo. Se a vigilância for unilateral, a longo prazo corre-se o risco de se tornar um país autocrático ou totalitário como a China.
Você está preocupado com a democracia?
Devemos sempre estar. Porque se as ditaduras são ervas daninhas que podem crescer em qualquer lugar, a democracia é uma flor que deve ser preservada, precisa de tempo e de condições favoráveis. Não surge do nada, como o Afeganistão nos mostrou. A democracia se baseia na aceitação do outro, de quem pensa diferente. Infelizmente, vejo que em vários países, incluindo os EUA, o ódio entre facções está crescendo cada vez mais, também porque é fomentado por políticos que apostam em erodir a democracia. Nesse ritmo, onde ninguém tem mais respeito pelo outro, dois cenários são possíveis: uma guerra civil ou um governo fortemente autoritário.
Quanto você teme o poder dos algoritmos online, que nos mostram apenas as coisas de que gostamos, obscurecendo o restante?
É perturbador. Infelizmente, os algoritmos são baseados em um modelo de negócio: manter você colado à plataforma o máximo possível para ganhar mais dinheiro, estimulando emoções e "engajamento". Portanto, online, conspirações e teorias ‘no vax’ funcionam melhor do que os fatos.
Como se sai disso?
Precisamos bombardear as pessoas com os fatos, por exemplo sobre as vacinas, mas não de forma repetitiva, mas de forma emocional e empática.
As desigualdades são protagonistas do último capítulo de sua obra: “Um dos piores crimes da humanidade”.
Infelizmente, desde a revolução da agricultura, uma sociedade justa e igualitária tem se mostrado impossível na história, veja também as utopias do século XX. O maior problema hoje é a concentração de poder nas gigantes da web e principalmente nos Big data.
Ou seja, é incomensurável a quantidade de dados pessoais que fornecemos todos os dias online, muitas vezes sem saber.
Exatamente. Um roubo, diria Shoshana Zuboff. Se antes as desigualdades estavam na posse de terra, hoje elas estão nos big data, o bem mais precioso da nossa época. É extremamente arriscado que essa enorme quantidade de dados esteja nas mãos de gigantes como Facebook, Google, Alibaba, etc. Se não forem interrompidos imediatamente, as disparidades serão cada vez mais extremas. Poderia se desencadear um novo colonialismo digital.
E como podemos mudar as coisas?
Os governos podem e devem limitar os poderes dessas multinacionais. Em 20 anos, todas as nossas informações, dos cidadãos comuns a juízes e jornalistas, poderiam acabar em Pequim ou em Washington. Seria catastrófico.
Assistimos cada vez mais a apagões das redes digitais e informáticas. O quanto é frágil este nosso novo mundo?
O perigo de um vírus digital é mais grave do que o de outro orgânico-biológico. Porque agora tudo está online, ainda mais depois da pandemia. Um apagão de alguns dias é suficiente para desencadear o caos. Não estamos preparados, estamos em perigo. Caminhamos para uma guerra fria digital, entre EUA, China e outros países.
Muito longe dos novos “loucos anos 20” como alguns almejam, como depois da pandemia do início do século passado ...
Nunca acreditei que a história se repita. Porque muito depende de decisões individuais e circunstâncias particulares. Depois desta pandemia, poderemos culpar os estrangeiros e difundir conspirações. Ou, desenvolver um profundo senso de coletividade, cooperação e confiança na ciência. São dois futuros diferentes, mas ambos possíveis. Outro exemplo: quando estourou uma grande pandemia como a AIDS, a comunidade homossexual foi abandonada à própria sorte pelos governos: ‘Deixem os gays morrerem’. Em vez disso, eles se uniram na emergência. Eles se ajudaram cada vez mais. E a comunidade saiu muito mais forte. Porque, como sempre, people have the power.
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Assim os Big Data alimentam as desigualdades. Entrevista com Yuval Noah Harari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU