25 Setembro 2021
"Perceber as convergências e as divergências, evitando a névoa sincrética ou o duelo fundamentalista, é um programa não só religioso de 'comunhão nas diferenças' (para usar a fórmula do Papa Francisco), mas também de diálogo intercultural".
A opinião é de Gianfranco Ravasi, cardeal italiano e prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 19-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Giuseppe Lorizio, Fulvio Ferrario, Germano Marani
Le parole della fede
San Paolo, 223 páginas.
Não é raro o caso em que sou questionado por leitores ou por ouvintes sobre uma questão que não é apenas religiosa, mas que também tem implicações culturais, tanto que a pergunta é frequentemente feita por não crentes. O tema, por si só, é simples: é possível ter um texto que ofereça orientações sobre a teologia cristã, sem se deparar com uma linguagem tão sofisticada a ponto de ser autorreferencial e possivelmente sem se encerrar no leito de uma confissão, mesmo que majoritária na Itália, como a católica?
Muitas vezes, são aqui resenhados textos de exegese, de moral, de teologia sistemática, de história eclesial que, porém, efetivamente respiram o ar da academia. Por outro lado, também não se gostaria de cair no terreno mole de uma certa bibliografia que beira o devocional, nem é suficiente o gênero, embora legítimo, da simples catequética.
A interrogação que nos fizemos parece querer ser respondida por uma coletânea de título simbólico, que não é totalmente claro para o leitor comum: stáchys, isto é, “espiga”, um vocábulo grego que aparece apenas cinco vezes no Novo Testamento. Os discípulos de Jesus arrancam as espigas mastigando os seus grãos, despertando o desprezo dos fariseus, porque aquele dia era um sábado, e, portanto, o ato era classificado como uma violação do repouso sabático (Marcos 2,23-24).
Além disso, em uma de suas parábolas, Jesus, sempre pronto para recorrer à vida cotidiana para as suas metáforas, evocava “as folhas, depois a espiga, depois os grãos que enchem a espiga” (4,28). É curioso notar, entre outras coisas, que Stáchys [Estáquis] é também o nome próprio de um cristão de Roma “muito caro” a Paulo, que o saúda no fim da sua Carta aos Romanos (16,9).
A escolha do símbolo é assim explicada pelos três editores dessa coletânea de teologia interconfessional: “A espiga se refere à comunhão das diferenças (...) pois se apresenta como um recipiente de sementes diferentes chamadas a formar o mesmo pão”. Na prática, seria o emblema do diálogo ecumênico entre católicos, protestantes e ortodoxos em torno dos temas centrais da teologia: da história compartilhada (mas também dividida) à Bíblia e à Tradição, da eclesiologia à mariologia com a Mãe de Deus à qual as Igrejas cristãs se dirigem com olhares diferentes, da escatologia, ou seja, o destino último da humanidade e do ser, à liturgia, especialmente eucarística, da moral com um foco na sexual até o anúncio evangélico na atual infosfera.
Ora, esse arco programático futuro é aberto por um glossário que seleciona 52 “palavras da fé”, segundo um alfabeto que parte do “ano litúrgico” para chegar ao “bispo”, passando por verbetes aparentemente candentes em nível teológico, como “leigo, presbítero, papa, matrimônio, graça-justificação, sacramento” e assim por diante.
Muitas vezes, de fato, sobre esses sujeitos, consumaram-se batalhas não apenas nas salas de aula acadêmicas, mas também nas praças da política e da sociedade. As análises dos vários verbetes revelam que as diversidades nem sempre devem gerar hostilidade, e as separações confessionais podem não ser divisões agressivas ou controvérsias alimentadas por polêmica.
Como o importante teólogo presbítero católico Giuseppe Lorizio (ao qual se associa idealmente também um renomado pastor e professor valdense, Fulvio Ferrario) escreve justamente na sua premissa, “interconfessional não é sinônimo de aconfessional, mas indica antes a pluralidade de formas confessantes por meio das quais o cristianismo se apresenta no hoje da história”.
Precisamente esse estatuto metodológico, que é integrado pela voz de um estudioso de teologia oriental ortodoxa, o jesuíta Germano Marani, permitirá que se percorra esse dicionário essencial (cada verbete nunca ultrapassa as três/quatro páginas), como se fosse uma introdução à teologia tanto para o cristão que deseja conhecer com rigor e clareza “as razões da esperança que está nele” (1Pedro 3,15), quanto para o agnóstico que pode descobrir a matriz ideal da sua própria cultura ocidental impregnada de cristianismo.
Na abertura, cita-se a convicção de Walter Benjamin segundo a qual “a linguagem absolutamente não está a serviço da comunicação mundana, mas a serviço da revelação do Ser”. Pois bem, em um tempo em que a bulimia informático-digital está banalizando, esgotando e até esvaziando o valor das palavras, retornar aos termos que amarram em si mesmas essência e existência, transcendência e história torna-se uma operação não tão apologética contra um mundo secularizado, mas sim uma redescoberta das fontes autênticas.
Perceber as convergências e as divergências, evitando a névoa sincrética ou o duelo fundamentalista, é, então, um programa não só religioso de “comunhão nas diferenças” (para usar a fórmula do Papa Francisco), mas também de diálogo intercultural.
E, diante das degenerações que o cristianismo também registrou na sua história e das quais deve se corrigir, sempre vale o apelo evangélico do stárietz ortodoxo Zossima nos "Irmãos Karamazov": “Não tenham medo dos pecados das pessoas, amem as pessoas”.
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O cristianismo anunciado por 52 verbetes. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU