02 Setembro 2021
"As igrejas precisam de evangelho, da palavra de Deus. Em primeiro lugar, para si mesmas. A obsessão imediatamente missionária ("como levar as boas novas aos distantes neste tempo?") trai a ilusão de possuir, ou pelo menos conhecer, o que se gostaria de anunciar. Não é assim. A irrelevância das Igrejas na sociedade europeia não depende primordialmente do fato de serem minoria, mas das modalidades esmaecidas como elas vivem a própria fé. Querem "incidir" na sociedade, ou até mesmo ser "proféticos", enquanto a vida corre paralela às palavras da fé, ou seja, impermeável à Palavra de Deus", escreve Fulvio Ferrario, teólogo italiano e decano da Faculdade de Teologia Valdense, em Roma, em artigo publicado por Confronti, 01-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quem viveu, entre os dois milênios, o processo de unificação europeia e a correspondente tentativa das Igrejas de identificar seu papel nele, recordarão alguns objetivos centrais sobre os quais, nesta fase delicada da história política, mas também espiritual, do nosso continente, vale a pena refletir.
Vamos começar com a visão, essencialmente associada à figura de João Paulo II, de uma Europa "do Atlântico aos Urais": à primeira vista grandiosa, na realidade completamente ilusória. Aqui vamos deixar de lado os aspectos políticos. Do ponto de vista ideológico, a hipótese do papa polonês vislumbrava uma santa aliança católico-ortodoxa, com o objetivo de tornar um determinado cristianismo, também no terceiro milênio, o Grande Código da cultura do continente.
Esse sonho parecia estimulado pelo sucesso de algumas Igrejas cristãs em resistir ao socialismo de estado (de fato, a Polônia) ou pela força, em sua forma efetiva, de outras que haviam emergido da hibernação (a ortodoxia russa).
De fato, a “Europa real” foi construída precisamente numa perspectiva anti-russa, associando rapidamente diferentes histórias, com os resultados que vemos.
Em parte entrelaçada com a anterior, mas muito mais moderada em suas ambições, era a ideologia, também predominantemente católica, das "raízes cristãs da Europa".
Ela levava a sério o ataque secularista à centralidade das Igrejas e da própria mensagem cristã e tentava responder enfatizando uma matriz cultural sem a qual, dizia-se, é difícil imaginar algo como uma "cultura europeia".
A batalha para inserir as "raízes" na Constituição da União foi perdida, mas mesmo que os fatos tivessem sido diferentes, pouco teria mudado em termos de substância.
A metáfora das raízes, de fato, tem seus limites. Somente os tolos ou os laicistas fanáticos (figuras nem sempre distintas, aliás) podem negar que o Cristianismo tenha contribuído decisivamente para fazer da Europa o que é. Mas, enquanto a árvore não pode viver sem as raízes, a Europa emancipou-se completamente da sua herança cristã.
Basta olhar para o debate sobre a imigração: os motivos de uma gestão responsável (não de uma emergência, mas de uma tendência de longo prazo), que seria a versão secular da solidariedade cristã, não encontram audiência nem entre as pessoas das comunidades, que pensam mais ou menos como a opinião pública.
A Europa que entrega as pessoas desesperadas da Terra a Erdogan ou aos bandidos da Líbia perdeu não só as suas raízes cristãs, mas também as folhas e os frutos.
Até as Igrejas Evangélicas tinham um slogan: "Dar uma alma à Europa". Mais ou menos, melhor as raízes. Quem deveria ter dado uma alma à Europa? As próprias igrejas, é óbvio. Não ouso pensar na opinião de Lutero sobre similar programa.
Usando as metáforas que evocamos, deveríamos dizer que a primeira urgência diz respeito à descoberta das raízes cristãs das Igrejas; e que são as igrejas, em primeiro lugar, que precisam de uma alma. Mas, justamente, não sei se essas imagens são úteis.
Acredito que seja mais fácil usar a terminologia clássica: as igrejas precisam de evangelho, da palavra de Deus. Em primeiro lugar, para si mesmas. A obsessão imediatamente missionária ("como levar as boas novas aos distantes neste tempo?") trai a ilusão de possuir, ou pelo menos conhecer, o que se gostaria de anunciar. Não é assim.
A irrelevância das Igrejas na sociedade europeia não depende primordialmente do fato de serem minoria, mas das modalidades esmaecidas como elas vivem a própria fé. Querem "incidir" na sociedade, ou até mesmo ser "proféticos", enquanto a vida corre paralela às palavras da fé, ou seja, impermeável à Palavra de Deus.
Alguns meses atrás, enquanto os fiéis islâmicos celebravam o Ramadã, um pequeno grupo de cristãs e cristãos distribuía um café da manhã dominical para os desabrigados na área do Esquilino, em Roma. Muitos recusavam a comida e a bebida por causa do jejum. O impacto do Islã nas sociedades europeias, alguns podem argumentar, nasce daqui. O mesmo poderia ser dito, ao contrário, da irrelevância do Cristianismo.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
Na próxima segunda-feira, 12/07/2021, às 14h, o Prof. Dr. Francesco Cosentino, da Pontifícia Universidade Gregoriana, ministrará a conferência intitulada "O declínio do cristianismo: possibilidade de um novo começo para a fé cristã?", que será transmitida na página do IHU, no canal do IHU no YouTube e também nas redes sociais
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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Igreja e Europa. Artigo de Fulvio Ferrario - Instituto Humanitas Unisinos - IHU