23 Agosto 2021
Gilles Kepel sorri tranquilo sobre aqueles que nos últimos dias se empenharam sobre o suposto novo curso dos fanáticos de Alá. "Os talibãs são sempre os mesmos", sentencia o veterano dos islamólogos à margem do MEM Summer Summit em Lugano. A ordem estadunidense morre e o novo não pode nascer, ele explica, citando seu último livro, "O Retorno do Profeta. Porque o destino do Ocidente é decidido no Oriente Médio [em tradução livre]": cabe à Europa impugnar a crise, ou vai prevalecer a China.
A entrevista é de Francesca Paci, publicada por La Stampa, 22-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A situação em Cabul está piorando. O que você espera amanhã?
Os jovens que tomaram Cabul foram educados nas madrassas paquistanesas pelos talibãs paquistaneses, eles são filhos de refugiados talibãs. O absurdo estadunidense a que testemunhamos lembra Saigon, mas também a fuga do Exército Vermelho do Afeganistão em 15 de fevereiro de 1989 e a subsequente queda da URSS. E muda muito para os equilíbrios regionais. Erdogan glorificou a vitória talibã porque a afirmação do Islã político impulsiona sua ambição como califa dos sunitas. É claro que, mesmo sendo sunita, os talibãs não têm boas relações com a Arábia Saudita, mas são inimigo do Irã.
Além disso, embora sejam nacionalistas de base tribal mais que jihadistas internacionalistas, eles poderiam decidir dar refúgio ao Isis como fizeram no passado com Osama bin Laden. No entanto, é o cenário que mudou: estamos no jihadismo de atmosfera e para realizar um atentado não é mais necessária a rede da Al Qaeda ou do Isis, basta ter empresários furiosos que apontam online os inimigos do Islã. Nesse contexto, a vitória do talibã é a vitória da jihad contra os EUA.
A Turquia arregaça as mangas, o Irã fica em silêncio. Como se posiciona Cabul frente o resto da umma?
Teerã não pode criticar a queda dos EUA, mas os vencedores são os seus inimigos por excelência. Quanto aos outros países muçulmanos, a maioria deles faz negócios com a China, com aceitação dos uigures. O dado que vale para todos, porém, é que o Ocidente não causa mais medo, obedecer a Washington é supérfluo porque o que se obtinha até agora dos EUA se obtém agora da China. Se Moscou decidisse desafiar os Bálticos, os EUA responderiam? A queda de Cabul causou um terremoto na geopolítica e as consequências pesam sobre a OTAN: quem protege a Europa se dentro da OTAN a Turquia flerta com os talibãs? É preciso construir uma defesa europeia comum, aplicando o dinheiro que a Alemanha e a Itália relutam em disponibilizar. Protegidos apenas pelo guarda-chuva estadunidense, se o guarda-chuva se fecha estamos mortos.
A resistência está realmente revidando ou é uma ilusão ocidental?
Não me convence. Deixando de lado os Estados Unidos, o Afeganistão dos talibãs é o país com mais aviões Black Hawk. Tudo foi deixado para ele. Eles podem não saber pilotá-los, mas outros, como a China, enviarão os pilotos. Pequim, que recebeu os líderes dos talibãs há duas semanas, é um parceiro atraente: impulsiona a Rota da Seda para Cabul, não se preocupa com os direitos, contrabalança o Ocidente. Uma situação péssima para Biden. Mas péssima também para Teerã: a república islâmica está cheia de refugiados afegãos, xiitas e não xiitas, uma bomba-relógio.
Lidar com os talibãs ou se limitar ao diálogo logístico?
A política deveria abster-se das declarações aleatórias e ter uma visão de longo prazo. O Ocidente está vinculado aos direitos humanos e os esforços agora estão concentrados em salvar intérpretes, mediadores, consertadores. Mas o olhar curto sofre de falta de ar. Os curdos já aprenderam que são amigos enquanto nos servirem. Com isso, porém, nenhuma batalha pode ser ganha para os corações e mentes dos muçulmanos: na melhor das hipóteses, o Ocidente pode contar com mercenários que, mediante pagamento, se reposicionam.
Os atentados retornarão?
A Al Qaeda não é mais o que era, al Zawairi pode estar escondido no Afeganistão, mas isso importa pouco. Dar asilo ao terrorismo internacional do ISIS pode ser uma opção, mas por enquanto aos talibãs não serve. Para atingir o Ocidente é mais interessante aliar-se à China.
Que credibilidade o Ocidente tem quando desafia os talibãs e se alia à Arábia Saudita?
Riad é um caso diferente. Nos últimos 5 anos, apesar de tudo, a sociedade saudita mudou, as mulheres trabalham, dirigem, a modernização dos valores mudou a relação com a religião.
Kamel Daoud escreveu que a Arábia Saudita é um Isis que deu certo, mas hoje o país é diferente de quando há trinta anos inundava de doutrina wahhabita as madrassas paquistanesas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"O Ocidente não causa mais medo; agora é necessário construir uma defesa comum europeia". Entrevista com Gilles Kepel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU