08 Janeiro 2016
“É a ISIS que traz benefícios às tensões entre a Arábia Saudita e o Irã, provocadas pelos sauditas para protestar contra a política de abertura americana no Teerã. Para Riad a questão é ainda mais grave porque o crescimento do radicalismo sunita está desestabilizando o país. A última onda de execução é um exemplo: 43 dos 47 condenados são membros jihadistas sunitas. A monarquia incluiu entre alguns xiitas o sheik Nimr al Nimr como precaução contra as críticas dos conservadores interno”, comenta Gilles Kepel, historiador e sociólogo do Islã radical, sobre os avanços da crise no Oriente Médio, em entrevista concedida à Lorenzo Cremonesi para o Corriere della Sera, 05-01-2016. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Eis a entrevista.
Como lê a ruptura entre Riad e Teerã?
Uma batalha saudita à estratégia americana que reintegrou o Irã na política internacional, dando a este um papel chave na luta contra a Isis. O fechamento da embaixada em Teerã tornará a batalha do Califado ainda mais complicada. Riad corre o risco de ser penalizado por um efeito bumerangue. Os sauditas são ameaçados pelo radicalismo sunita sobre o próprio território, um perigo muito maior para a estabilidade da casa real do que a presença de uma minoria xiita marginalizada.
Porque os sauditas procedem com as execuções?
A monarquia vive uma fase de extrema precariedade. A queda do custo do petróleo tem consequências muito graves para a estabilidade da casa real. A sua posição internacional vacila, no seu interior crescem fortes contestações sociais e políticas. Não se pode esquecer que entre 2003 e 2009, a Al Qaeda executou diversos atentados. Entre os objetivos estava também o atual vice primeiro ministro e príncipe Mohammad Bem Nayef al Saud. Hoje a Isis tomou o lugar da Al Qaeda: os seus seguidores cresceram em proporção a quebra do petróleo. As execuções respondem a exigências de ordem interior.
Não é uma batalha ao Irã?
Acho que não. Por outro lado, a casa real está preocupada com grandes problemas. A ideologia radical salafita permanece na base da sua crença, tem as mesmas raízes daquela que é referência à Al Qaeda e ao Califado. Com a diferença que os Al Saud querem controlar os sunitas de todo o mundo, porém, querem manter boas relações com o Ocidente para comercializar petróleo. Do contrário, a Isis é contra os ocidentais, prega a guerra radical e acusa os sauditas de corromper os princípios sagrados dos Salafitas.
Porque então matar al Nimr e provocar uma nova crise no interior do islamismo?
Pode parecer estranho Al Nimr não era um extremista, não pregara a violência, não foi capturado com armas em punho. Porém, havia ofendido Mohammad Nayef al Saud quando, na morte do pai, declarou que este havia caído ao inferno, devorado por vermes. Não se deve descartar a hipótese que o príncipe, por pertencer a nova geração de sauditas educados no exterior, quis se vingar. Em cada caso, o palácio real não podia matar 43 sunitas sem criar inimizade com os conservadores. Tinha que misturá-los a personagens destacados da oposição xiita.
Consequências?
A grande coalisão tecida pacientemente pela ONU é enfraquecida, onde os xiitas e sunitas deveriam se unir e criar a linha de frente contra a Isis.
Como o Irã pode reagir?
Em Teerã também não faltam dilemas. Caso se inicie uma reação violenta, estará em crise a regulamentação pacífica do tratado nuclear com o mundo ocidental. Se a resposta for muito suave, os moderados ligados ao presidente Rouhani serão acusados de fraqueza pelos mais rígidos e pelo clero radical.
Os Estados Unidos podem pacificar novamente as duas frentes?
O Ocidente pode fazer muito pouco ou praticamente nada. Os Estados Unidos, aliados dos sauditas, não foram consultados antes da ruptura diplomática com Teerã. Mais grave, está em andamento uma queda de braço econômica. Riad abaixa o preço do petróleo para boicotar a nova produção americana e retoma o controle do mercado, mas arrisca ao extremo, os seus acessões estão em queda livre. É um tema delicado, que envenena as relações entre Riad e Washington.
E a Europa?
Somos muito mais do que impotentes. A política externa europeia é fragmentada, de pouco peso. As nossas dependências energéticas do Golfo nos penalizam. E os países que, como a França, vendem armas aos sauditas, estão condicionados ao interesse econômico ao ponto de permanecer em silêncio.
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“ISIS é o verdadeiro vencedor deste conflito”. Entrevista com Gilles Kepel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU