29 Mai 2021
"Ao longo dos anos, na realidade, tenho ouvido com maior frequência que o "coração" é suficiente e nenhuma preparação é necessária, vendo assim inúmeros percursos da pastoral juvenil serem descartados em nome de um sentimentalismo que na realidade não acredito que corresponda ao "coração" de que falam o Papa e seu Vigário", escreve Daniele Gianolla, doutor em Paleontologia, leciona Matemática e Ciências na Escola Secundária de Roma, em artigo publicado por Vino Nuovo, 23-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ao longo dos anos tenho visto numerosos percursos de pastoral juvenil “serem descartados” em nome de um sentimentalismo que, na realidade, não creio corresponder ao “coração” do que fala o Papa e o seu Vigário: por que parece sempre que a Igreja, confundindo intelectualismo com inteligência, teme as pessoas competentes?
Com quatro encontros em setembro na catedral romana de San Giovanni in Laterano, o cardeal vigário Angelo De Donatis apresentou à comunidade eclesial as orientações pastorais que foram expostas aos párocos em junho. Cada encontro foi dedicado a um grupo de operadores: primeiro às equipes pastorais recém-criadas, depois aos agentes da pastoral juvenil, depois aos agentes da pastoral da família e, finalmente, aos agentes de assistência aos pobres. Uma organização muito precisa, para responder a um apelo claro da cidade: as comunidades devem se abrir para a escuta do grito que vem do território.
Pessoalmente, participei da reunião em 18 de setembro dedicada aos operadores da pastoral juvenil e professores de religião. Esperava uma espécie de laboratório de ideias e boas práticas, ao invés o encontro foi organizado como uma grande celebração, muito estruturada e certamente importante para abrir o coração à escuta da ação do Espírito, mas com pouco espaço dedicado à nossa escuta, nós operadores. Cerca de dez minutos para trazer à tona algumas ideias excelentes nos subgrupos, mas sem prever que alguém as recolhesse ou verbalizasse.
Seguindo a indicação final do Cardeal Vigário, aprofundei depois os documentos do encontro (produzidos entre maio e setembro) e percebi que eles expressam uma necessidade de mudança radical, que parte dos mesmos fundamentos da relação humana e reestrutura completamente, para os próximos sete anos, o trabalho pastoral realizado até agora nas várias realidades paroquiais. Aqueles de nós que já trabalhavam nessa direção esperavam por uma perspectiva semelhante, porém pelo que foi dito até agora existem inúmeras questões críticas, que correm o risco de serem mais substanciais do que possam parecer e, portanto, tornar vão, mesmo que involuntariamente, aquele trabalho que alguns de nós já levavam à frente há muito tempo.
A escuta. Há um ano o prof. Mario Pollo, em colaboração com a Área de Paz e Mundo da Caritas diocesana, havia lançado um programa de monitoramento capilar dos jovens de Roma. Foi cuidadosamente dividido por idades e envolvia operadores de uma rede de entes (paróquias, escolas e associações) espalhadas por toda a cidade. As entrevistas com os garotos enfocaram questões existenciais, como família, raízes, projetos, relacionamentos, etc. Todos elementos essenciais para o trabalho que a Diocese pretende realizar. Foi um trabalho complexo e preciso, com encontros estimulantes e participativos, pois os garotos responderam com entusiasmo. No entanto, o projeto foi interrompido por falta de maiores informações e, de fato, não teve nenhum aporte nos documentos da conferência. No entanto, a urgência de um "mapeamento do território" a ser lançado em janeiro é claramente expressa pela Diocese. Tenho a sensação de que, como sempre acontece, a mão direita se move ignorando o que a esquerda faz e a tão desejada "comunhão na riqueza das expressões e sensibilidades" foi involuntariamente aplicada ao contrário, deixando de lado aquelas poucas tentativas que já estavam à obra. A necessidade de uma transformação radical não nos faz talvez correr o risco de anular os esforços até agora desenvolvidos (pelos educadores e, pelo que pude ouvir, pelos professores de religião), tanto na escuta do território como na construção de redes entre entidades envolvidas?
A equipe pastoral. Os documentos de junho não especificavam alguns detalhes sobre este novo órgão, de modo que o Cardeal foi mais preciso no encontro de 16 de setembro, explicando aos membros das equipes recém-formadas que “trata-se de uma figura pastoral muito específica, distinta do Conselho Pastoral" Este último, de fato, tendo em teoria a estrutura de órgão democrático, reúne (embora com as suas limitações) os representantes dos grupos paroquiais e participa nas decisões do pároco. Pelo que se entende, a equipe tem um número menor de pessoas (de preferência doze, "é o pequeno grupo do qual tudo começou"), mas na verdade pode envolver até poucos leigos ("três-cinco") juntos com os padres, anima o caminho da paróquia e é composta por pessoas escolhidas diretamente pelo pároco. Sim, cria uma interface com o Conselho pastoral, mas não tem que prestar conta a ele por seu próprio trabalho, porque o seu verdadeiro interlocutor direto é, por um lado, a Cúria diocesana e, pelo outro, os operadores. Com essas premissas, parece-me que se possa involuntariamente correr o risco de que, por trás de uma aparente repartição de responsabilidades, paradoxalmente se perpetue um esquema de gestão centralista e clerical, muito pouco "sinodal". Por que esse cargo não foi entregue diretamente aos membros do Conselho Pastoral? Não era mais simples reformular a estrutura deste último, redefinindo seu papel e corrigindo seus limites? Ou, por que uma espécie de eleição da comunidade ou indicação dos membros da equipe não foi levada em consideração? Por que não foram indicados critérios para a escolha por parte do pároco que não a tornem fruto de uma certa discrição e não de um verdadeiro discernimento pessoal e comunitário?
O desequilíbrio. Na realidade, uma indicação genérica está presente no documento: as pessoas escolhidas, "dotadas de uma certa capacidade de discernimento, sabem preservar o sentido do caminho". Na sua carta aos párocos, o Cardeal esclarece que “não devem ser procuradas entre os que se mostraram prudentes, comedidos e circunstanciais, mas, pelo contrário, pessoas fora da linha, pessoas que o Espírito Santo tornou apaixonadas pelo desequilíbrio". Este último conceito lembra as palavras do Papa Francisco, quando em maio nos convidava a desconfiar do acomodamento e a aceitar o desequilíbrio como condição de vida. Se a imagem do Evangelho como "doutrina desequilibrada" e do Espírito que "chuta a mesa" é muito significativa do ponto de vista espiritual e existencial, torna-se difícil utilizá-la como critério de discernimento, especialmente para aqueles encarregados de zelar pelo sentido de um caminho "comunitário" e de serem "articulações" entre os agentes pastorais. Não se pensou que precisamente tal critério para a nomeação da equipa, decididamente líquido, poderia levar inadvertidamente um sacerdote a escolher os seus colaboradores “como sempre fez”? E, de fato, por que ele faria de forma diferente se nunca o fez?
A competência. Segundo as indicações do Cardeal, além disso, na equipe “não precisamos de profissionais competentes e qualificados, mas sim de cristãos aparentemente como todos, mas na realidade capazes de sonhar, de contagiar os outros com os seus sonhos, ávidos de experimentar coisas novas”. No fundo, recorda o Papa, estamos habituados a habitar a cidade “com as ideias, com os planos pastorais, com as soluções pré-estabelecidas”, enquanto devemos começar a habitá-la “com o coração”. O documento faz questão de sublinhar que “não somos uma eficiente máquina organizativa”, ainda que francamente muitos dos operadores que aguardavam esta nova perspectiva pensem que o risco que pode correr a diocese de Roma não seja principalmente essa. A vida de nossas paróquias está realmente tão empenhada em organizar "planos pastorais" a ponto de negligenciar as pessoas? Ao longo dos anos, na realidade, tenho ouvido com maior frequência que o "coração" é suficiente e nenhuma preparação é necessária, vendo assim inúmeros percursos da pastoral juvenil serem descartados em nome de um sentimentalismo que na realidade não acredito que corresponda ao "coração" de que falam o Papa e seu Vigário.
Por que parece sempre que a Igreja, confundindo intelectualismo com inteligência, teme as pessoas competentes? Temos certeza de que esta é a forma mais eficaz de realizar um projeto tão ambicioso e articulado como o que emerge das diretrizes? Durante a reunião, perguntamos a nós mesmos como podemos fortalecer nossa atitude de escuta, mas não nos detemos na necessidade de identificar instrumentos para fazer isso. De fato, não se pode ouvir só porque se tem a atitude certa, a real vontade de fazê-lo. Principalmente em um território complexo como a Diocese de Roma, onde se entrelaçam línguas, culturas e estruturas sociais muito variegadas. Em vez disso, é necessário também ser operadores formados e competentes para adquirir instrumentos de discernimento e de compreensão, se realmente queremos ouvir os jovens e acompanhá-los no seu caminho de liberdade. Do contrário, corre-se o risco muito concreto de se encontrar, paradoxalmente, naquele "leopardismo" contra o qual o próprio Papa Francisco nos adverte: "querer mudar tudo para que nada mude".
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Educadores de jovens: “desequilibrados” e “incompetentes”? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU