31 Março 2021
"Minha geração viu as grandes ideologias desmoronarem nos últimos vinte anos e agora enfrenta a vida política com grande desencanto e individualismo. Porém, se em nossas realidades eclesiais não se reabrirem os espaços de autêntico debate político, aos poucos irá desvanecendo a nossa consciência social, último baluarte contra aquela que Políbio considerava a pior forma de governo, a oclocracia (a dominação das massas)", escreve Daniele Gianolla, doutor em Paleontologia, leciona Matemática e Ciências na Escola Secundária de Roma, em artigo publicado por Vino Nuovo, 27-03-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Se em nossas realidades eclesiais não se reabrirem os espaços de autêntico debate político, aos poucos irá desvanecendo a nossa consciência social, último baluarte contra o domínio sobre as massas das grandes potências econômicas.
"Quem diz 'Não sou racista, mas ...' é um racista, mas não sabe!" Assim, o cantor Willie Peyote aponta o dedo contra a hipocrisia daqueles que aparentemente se distanciam da arena política, mas entram, por assim dizer, de carrinho, com opiniões que expressam um conflito ainda mais violento. No passado se falava de "maioria silenciosa", agora é a via de acesso para o populismo: na base está uma alegada rejeição inofensiva do compromisso político, que nos contextos onde a democracia é mais fraca leva à desestruturação da consciência social, a única barreira contra os governos autoritários.
Durante décadas, na Itália, os pontos de encontro mais importantes, entre os quais as paróquias, cultivaram essa barreira, desenvolvendo-se também como laboratórios políticos: para planejar ações no território, dar voz às minorias, ajudar os mais fracos ou envolver os cidadãos nos debates sobre os seus interesses. Em alguns casos, constituíram verdadeiros "espinhos no flanco" para os poderes mais organizados, lícitos ou ilícitos: basta pensar no inestimável trabalho que realizaram junto às suas comunidades sacerdotes incômodos, como Pino Puglisi, Andrea Gallo ou Roberto Malgesini, que em alguns casos pagaram com a vida seu ativismo.
"Não me importa saber quem é Deus!" dizia o padre mártir Peppe Diana: "Importa-me saber de que lado ele está." Palavras fortemente politizadas, contestadas por tantos outros católicos, mas que conseguiram motivar e encorajar centenas de boas pessoas, para as quais levar uma vida serena e honesta era por si só uma luta contra o crime organizado.
No entanto, a Igreja institucional sempre olhou com desconfiança para a atividade política do povo cristão: com a anexação de Roma ao Reino da Itália, foi Pio IX quem disse que non expedit, não convém aos cristãos se engajarem na vida civil de um estado secular; um século depois foi icônica a reprovação de João Paulo II ao padre nicaraguense Ernesto Cardenal Martínez por ter se envolvido na política. Por sua vez, numa das suas frases mais famosas, o sacerdote brasileiro Hélder Pessoa Câmara observou que “quando dou comida para um pobre, todos me chamam de santo. Mas quando pergunto por que os pobres não têm comida, todos me chamam de comunista”.
Ainda assim, os valores que inspiraram o primeiro partido declaradamente cristão, o Partido Popular com o qual Luigi Sturzo finalmente rompeu o non expedit em 1919, tinham um caráter fortemente social: da integridade da família ao voto feminino, da liberdade da organização sindical ao imposto progressivo, até ao desarmamento universal. Em suma, posições claras, que levaram muitos católicos italianos, vinte anos depois, a participar do movimento de resistência contra a invasão nazista e de libertação do regime fascista, além de participar ativamente da reconstrução do país. Nada a ver com os convites ao abstencionismo que assistimos na primeira década deste milênio, mas mais próximos das declarações do Papa Francisco a favor dos esquecidos do mundo: como o surpreendente agradecimento aos curdos no final da viagem ao Iraque, que permitiu ao sacerdote e jornalista Filippo Di Giacomo, que comentava o evento na Itália, fazer uma referência velada a favor de Eddi Marcucci, um combatente contra o ISIS junto com as mulheres soldados do Curdistão, mas condenado na Itália por terrorismo.
Favorecer o distanciamento das pessoas do debate público enfraqueceu-as, transformando o que poderiam ter sido comunidades conscientes em massas acríticas. A luta contra o relativismo ético e a favor de valores não negociáveis, preconizada por uma certa parte da Igreja institucional, enfraqueceu o confronto no nível local, fomentando a desconfiança em relação ao ativismo político. Em países onde o conflito social é mais acentuado, isso tornou o povo cada vez mais ignorante e manipulável, privando-o de decisões importantes.
É um pouco como o que aconteceu em El Salvador, onde as recentes eleições premiaram o partido populista do presidente Nayib Bukele de tal forma que sozinho obteve maioria qualificada no Parlamento. O “presidente millennial”, como é apelidado, deve o seu sucesso não tanto à clareza das decisões políticas, quanto à eficácia da sua comunicação social. Nos próximos triênio o parlamento salvadorenho tomará decisões importantes praticamente sem oposição (desde a eleição de altos cargos até reformas constitucionais). Para expressar preocupação sobre o futuro do país (em muitos aspectos já um satélite dos EUA) não são apenas os partidos tradicionais, mas grande parte das forças sociais, que nos últimos trinta anos trabalharam em condições proibitivas para defender os direitos humanos, promover a participação dos grupos mais fracos nas decisões políticas e dar cumprimento à obra iniciada por Santo Oscar Romero, “voz de los sin voz”. Todo este trabalho assenta-se num equilíbrio frágil, que corre o risco de se perder definitivamente sob a pressão das grandes potências econômicas.
Minha geração viu as grandes ideologias desmoronarem nos últimos vinte anos e agora enfrenta a vida política com grande desencanto e individualismo. Porém, se em nossas realidades eclesiais não se reabrirem os espaços de autêntico debate político, aos poucos irá desvanecendo a nossa consciência social, último baluarte contra aquela que Políbio considerava a pior forma de governo, a oclocracia (a dominação das massas). Ao me tornar adulto, percebi que assumir a responsabilidade pelas próprias escolhas (aceitando o risco de poder errar) é o único caminho que pode levar a um diálogo de paz. Aqueles que se afastam, acreditando que estão se isentando de um desagradável conflito, estão apenas se posicionando do lado dos mais fortes, mas sem se dar conta.
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A consciência social, baluarte da democracia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU