12 Mai 2021
“Oxalá, o governo nacional e os líderes da greve iniciem logo uma negociação que favoreça os interesses de todos os colombianos. Os jovens nas ruas e diversos setores do povo colombiano estão fazendo barulho, como você lhes convidou a fazer. Outros, deslegitimam o direito constitucional ao protesto, recorrendo ao assassinato e ao vandalismo”, escreve Dumar Espinosa, em carta publicada por Religión Digital, 09-05-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Hoje, domingo, 09 de maio de 2021, me arrumei para acompanhar aqui da Colômbia o Ângelus Dominical, no qual se esperava sem dúvida sua mensagem clara e contundente a respeito da situação que meu país atravessa. A televisão começou a mostrar os peregrinos, que aos poucos são mais numerosos na Praça São Pedro conforme a progressiva superação da pandemia de covid-19 na Itália. Bandeiras da Colômbia levantadas ao contrários se uniam como uma grande faixa que o comentarista da RAI não soube interpretar. Por trás do vermelho, azul e amarelo, poucas bandeiras também da Colômbia, eram levantadas no sentido correto, mas distante das outras. Logo, pensei, “isso reflete que está se vivendo no meu país”. Todo pedimos sua ajuda, ainda que nem todos no mesmo sentido. Enquanto alguns reclamam, majoritariamente, uma negociação que permita mudanças estruturais, outros defendem o status quo e esperam a pronta pacificação. Que difícil sua situação, Santo Padre, ser chamado como juiz, uma autoridade reconhecida por todos, acima das partes.
Então, você apareceu na sacada da biblioteca vaticana comentando o Evangelho do VI Domingo de Páscoa (Jo 15, 9-17), “amor como Jesus ama significa colocar-se a serviço, a serviço dos irmãos, tal como fez Ele ao lavar os pés dos discípulos. Significa também sair de si mesmo, desprender-se das próprias seguranças humanas, das comodidades mundanas, para se abrir aos demais, especialmente aqueles que mais necessitam”.
Depois veio o Regina Coeli e o elenco dos conflitos no mundo que mostram o exemplo inverso ao que você explicava sobre o verdadeiro amor, Jerusalém, Cabul e, finalmente, Colômbia. Sua palavras foram: “Além disso, desejo expressar minha preocupação pelas tensões e os violentos enfrentamentos na Colômbia, que provocaram mortos e feridos. São muitos os colombianos que estão aqui: oremos por vossa pátria”.
E continuou a saudação mencionando o novo bem-aventurado “Rosário Ângelo Livatino, mártir da justiça e da fé”. Antes de se despedir, cumprimentou as pessoas com fibromialgia. Também uma saudação especial às mães por seu dia: “E não podem faltar as mães! Neste domingo, em muitos países, é celebrado o dia das mães. Saudamos todas as mães do mundo, mesmo aquelas que já se foram. Uma salva de palmas para as mães!”. Finalmente, como sempre faz, você pediu a todos que continuassem orando por você.
Após a recitação de Regina Coeli, confesso minha primeira reação ao discurso dela: “Que decepção! Esperei 12 dias para ouvir de Sua Santidade o apelo à negociação entre o governo nacional e os líderes da greve”. Felizmente, ele se referiu, ao menos, à crise atual que a Colômbia atravessa, mas com apenas duas falas que duraram 15 segundos de transmissão televisiva.
Com o passar do dia, continuei refletindo sobre suas palavras e também me lembrei da passagem de Atos 1, 11, após a ascensão do Senhor: “Galileus, o que vocês estão fazendo aí olhando para o céu? Este que vos foi levado, este mesmo Jesus, virá tal como o viste subir ao céu”. E pensei, que não podemos esperar a solução dos nossos problemas de fora olhando para o céu ou em sua janela. A solução não pode ser Deus ex machina.
Percebi então que suas palavras sobre a Colômbia foram precisas e prudentes: sua “preocupação com as tensões e violentos confrontos na Colômbia, que causaram mortes e feridos”. É reconfortante saber que você acompanha os acontecimentos nesta parte do mundo, pesando a veracidade ou parcialidade das fontes; também que, por seu convite, muitos continuarão a orar pelo país de todos os cantos do mundo.
Santidade, ao ouvir a sua reflexão desta manhã, concentrei-me na saudação que daria aos colombianos. Pensando bem, sua explicação do Evangelho do domingo pode ser o início da solução para o atual conflito colombiano e para os demais conflitos do mundo, a exemplo de Jesus: “colocar-se a serviço dos irmãos; abrir mão da própria segurança humana, dos confortos mundanos, para abrir-se aos outros, especialmente aos mais necessitados; diga não a outros 'amores' que o mundo nos propõe: amor ao dinheiro, amor ao sucesso, vaidade, poder... Esses caminhos nos levam a ser cada vez mais egoístas, narcisistas, arrogantes”. Também o exemplo que ele propôs ao mundo dos bem-aventurados: Rosário Ângelo Livatino que em “seu serviço à comunidade como justa juíza nunca se deixou corromper, se esforçou por julgar não para condenar, mas para redimir”. Seu trabalho sempre o colocou “sob a tutela de Deus”. Todas as recomendações, que se postas em prática na Colômbia e no mundo, ajudariam a melhor administrar os conflitos e praticar a verdadeira política.
Recordei também que há quase 4 anos o senhor, Papa Francisco, visitou o nosso país e falou a toda a população sem distinção de credo, raça, sexo ou estrato social. Suas mensagens claras e contundentes foram aplaudidas pela maioria de nós. Você ficará um tanto desapontado ao ver que duas das nações visitadas em 2017, Mianmar e Colômbia, estão agora em uma crise política e social. No entanto, a semente espalhada por essas terras está dando frutos na construção de nações mais solidárias, apesar das trevas dos dias de hoje. Talvez agora estejamos entendendo seus ensinamentos da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium de 2013:
“Para avançar nessa construção de um povo em paz, justiça e fraternidade, existem quatro princípios relacionados às tensões bipolares típicas de toda realidade social. Eles nascem dos grandes postulados da Doutrina Social da Igreja, que constituem ‘o primeiro e fundamental parâmetro de referência para a interpretação e avaliação dos fenômenos sociais’” (EG 221). Deixe-me lembrar apenas dois:
O tempo é superior ao espaço, “este princípio permite trabalhar a longo prazo, sem se preocupar com resultados imediatos. Ajuda a suportar com paciência as situações difíceis e adversas, ou as mudanças de planos impostas pelo dinamismo da realidade. É um convite a assumir a tensão entre plenitude e limite, priorizando o tempo. Um dos pecados que às vezes se percebem na atividade sociopolítica consiste em privilegiar os espaços de poder em vez dos tempos dos processos” (EG 222).
A unidade prevalece sobre o conflito: “O conflito não pode ser ignorado ou ocultado. Tem que ser assumido. Mas, se ficarmos presos nele, perderemos perspectivas, os horizontes serão limitados e a própria realidade será fragmentada. Quando paramos na conjuntura conflitiva, perdemos o sentido da profunda unidade da realidade” (EG 226). Diante do conflito, alguns apenas olham para ele e seguem em frente como se nada tivesse acontecido, lavam as mãos para poder continuar com suas vidas. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem horizontes, projetam nas instituições as próprias confusões e insatisfações e assim a unidade se torna impossível. Porém, há uma terceira maneira, a mais adequada, de se situar ante o conflito. É aceitar sofrer o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no enlace de um novo processo. “‘Felizes os que trabalham pela paz!’ (Mt 5,9)” (EG 227). “O anúncio de paz não é o de uma paz negociada, mas sim a convicção de que a unidade do Espírito harmoniza todas as diversidades. Supera qualquer conflito em uma nova e prometedora síntese. A diversidade é bela quando aceita entrar constantemente em um processo de reconciliação, até selar uma espécie de pacto cultural que faça emergir uma ‘diversidade reconciliada’” (EG 230).
Obrigado Francisco, porque em todo seu magistério está nos presenteando continuamente com as pautas para construir sobre rocha uma sociedade mais humana e solidária. No caso da sociedade colombiana, líderes de todos os setores, podemos encontrar em suas mensagens e escritos os princípios que se fundamentam no Evangelho e que foram assimilados em sua experiência pessoal.
Temos que recordar as mensagens durante sua visita apostólica a nosso país de 06 a 11 de setembro de 2017. Basta recordar uma parte de sua saudação às autoridades, corpo diplomático e alguns representantes da sociedade civil em Bogotá:
“O lema deste país diz: ‘Liberdade e Ordem’. Nestas duas palavras se fecha todo um ensinamento. Os cidadãos devem ser valorizados em sua liberdade e protegidos por uma ordem estável. Não é a lei do mais forte, mas a força da lei, a que é aprovada por todos, quem rege a convivência pacífica. Necessitam-se de leis justas que possam garantir essa harmonia e ajudar a superar os conflitos que desagarraram esta Nação por décadas; leis que não nascem da exigência pragmática de ordenar a sociedade, mas do desejo de resolver as causas estruturais da pobreza que geram exclusão e violência, somente assim se cura de uma doença que se torna frágil e indigna à sociedade e sempre a deixa às portas de novas crises. Não esqueçamos que a desigualdade é a raiz dos males sociais (EG 202).
Peço-lhes que escutem os pobres, os que sofrem. Olhem-nos nos olhos e deixem-se interrogar a todo momento por seus rostos sofridos de dor e suas mãos suplicantes. Neles se aprendem verdadeiras lições de vida e de humanidade, de dignidade. Porque eles sim compreendem as palavras do que morreu na cruz – como diz a letra de vosso hino nacional”.
Oxalá, o governo nacional e os líderes da greve iniciem logo uma negociação que favoreça os interesses de todos os colombianos. Os jovens nas ruas e diversos setores do povo colombiano estão fazendo barulho, como você lhes convidou a fazer. Outros, deslegitimam o direito constitucional ao protesto, recorrendo ao assassinato e ao vandalismo.
Seguiremos orando por você e agradecemos sua preocupação e sua oração pela Colômbia.
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Carta aberta ao Papa Francisco sobre a crise na Colômbia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU