28 Abril 2021
“Os casais católicos do mesmo sexo não deixam de discernir o corpo e o sangue de Cristo presente na Eucaristia. Eles não se apresentam para fazer uma declaração política. Eles certamente não querem receber uma piscadela ou um “passe” para entrar escondidos na Comunhão sob a estranha premissa de que podem não estar (mas provavelmente estão) cometendo “pecados graves e impenitentes” em casa. Eles querem participar de todo o coração da Eucaristia porque seus relacionamentos são tão sagrados e dignos de celebração – e tão carregados e imperfeitos e necessitados de redenção – como os de casais heterossexuais”, escreve Cristina Traina, professora de Teologia na Fordham University, Nova York, pesquisadora de Ética Feminista Católica, em artigo publicado por New Ways Ministry, 27-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Clérigos americanos abriram uma nova temporada de debates sobre quem os pastores devem incluir na Eucaristia, e novamente casais homossexuais são o centro do debate. Dois artigos recentes – um de Samuel Aquila, bispo de Denver, e outro do padre Louis Cameli, de Chicago – foram publicados para defender lados opostos da questão.
Aquila, que tem um longo registro de declarações e políticas ofensivas aos católicos LGBTQ, defende que padres devem ser “guardiões”, deixando para fora todos aqueles que estão “perseverando em pecado grave manifesto” (exemplificando, teoricamente, casais homossexuais, ou autoridades públicas que defendem os canais de atendimento a pessoas com intenção de suicídio) para protegê-los da condenação. Já Cameli rejeitou tanto o rígido “guardião” quanto o laissez-faire “passe-livre”, no qual um padre “de certa idade” e com “uma atitude um pouco mais liberal, inclina-se a ‘apenas dar’ sacramentos para as pessoas por requisição”. Ele defende uma acolhida condicional: somente porque casais homossexuais podem não estar cometendo o “pecado grave manifesto” de ter relações sexuais, eles poderiam ser admitidos à Eucaristia.
Deixando de lado o terrível timing deste artigo – muitos de nós involuntariamente fizeram jejum da Eucaristia por mais de um ano – Cameli tenta fazer parecer que sua proposta é boa. No entanto, ele comete os mesmos erros devastadores que Aquila pastoralmente, com respeito à teologia eucarística mais básica e com respeito aos casais do mesmo sexo.
Visto que ambos são clérigos, talvez seja natural que Aquila e Cameli se foquem na obrigação canônica dos padres, como se a lei canônica fosse idêntica à teologia eucarística ou controlasse o fluxo da graça de Deus no dom dos sacramentos. No entanto, como pastores, eles devem começar se perguntando: como podemos ajudar todos os nossos paroquianos a crescer na graça? Para ter certeza, ambos os autores abordam esta questão eventualmente, mas sua primeira preocupação é sua própria obrigação para com o direito canônico, não seus papéis como símbolos das boas-vindas de Cristo e como canais do Espírito Santo. Eles ponderam o possível escândalo de admitir casais do mesmo sexo à comunhão mais fortemente do que o provável escândalo da inospitalidade, o pecado que destruiu a Sodoma bíblica.
Em segundo lugar, como o próprio Papa Francisco diz, a Eucaristia não é uma festa apenas para convidados com um segurança. É uma festa pública que cura “as doenças” do “mal e dos pecados” e as feridas da “amargura” de que todos nos afligimos, regando-nos com o acolhimento incondicional de quem ama.
“[A Eucaristia] Dá-nos o amor de Jesus, que transformou de um fim a um princípio de um túmulo, e da mesma forma pode transformar nossas vidas... Cada vez que a recebemos, ele nos lembra que somos preciosos, que somos hóspedes que ele convidou ao seu banquete, amigos com quem deseja jantar. E não só porque é generoso, mas porque verdadeiramente nos ama. Ele vê e ama a beleza e a bondade que somos”.
Além de curar nossas feridas e pecados, diz Francisco, a Eucaristia nos fortalece em nossa vocação de crescimento no amor e no serviço a que todos somos chamados.
“A Eucaristia sacia nossa fome de coisas materiais e desperta nosso desejo de servir. Isso nos levanta de nosso estilo de vida confortável e preguiçoso e nos lembra que não somos apenas bocas para alimentar, mas também suas mãos, para serem usadas para ajudar a alimentar os outros”.
Na verdade, impedir esses presentes de pessoas que genuinamente têm fome deles é bloquear a circulação do amor de Deus no mundo.
Finalmente, tanto Cameli quanto Aquila acreditam que casais homossexuais sexualmente ativos cometem “pecado grave manifesto”. Mas, Cameli argumenta, parceiros do mesmo sexo podem simplesmente estar compartilhando uma casa como celibatários sexuais, e se assim for, “a menos que haja sinais claros do contrário”, eles têm o “direito” de se aproximar da Eucaristia com “intenções boas e adequadas”.
A solução de Cameli – oferecer Eucaristia a casais homossexuais que genuinamente a desejam e não exibem envolvimento sexual publicamente – ignora completamente as experiências de uma gama de casais. Eles também, e não apenas os casais heterossexuais, se casam para entrar na “pertença mútua livremente escolhida, marcada pela fidelidade, respeito e cuidado” que o Papa Francisco descreve na exortação Amoris Laetitia. Para casais homossexuais e heterossexuais, “a sexualidade está inseparavelmente a serviço desta amizade conjugal, pois visa auxiliar a realização do outro”. E casais do mesmo sexo, assim como casais heterossexuais, tentam, mas às vezes falham em se proteger contra a tendência da cultura mais ampla de adotar uma visão de “usar e descartar” o sexo como “autoafirmação e... satisfação egoísta”.
Os casais católicos do mesmo sexo não deixam de discernir o corpo e o sangue de Cristo presente na Eucaristia. Eles não se apresentam para fazer uma declaração política. Eles certamente não querem receber uma piscadela ou um “passe” para entrar escondidos na Comunhão sob a estranha premissa de que podem não estar (mas provavelmente estão) cometendo “pecados graves e impenitentes” em casa. Eles querem participar de todo o coração da Eucaristia porque seus relacionamentos são tão sagrados e dignos de celebração – e tão carregados e imperfeitos e necessitados de redenção – como os de casais heterossexuais. O foco não deve ser em dar “passes”, portaria ou “direitos”, mas acolher de todo o coração à mesa onde todos os pecadores e santos recebem o dom gratuito da graça de Deus e têm o poder de fazer a obra de Deus no mundo.
Percebo que tanto Aquila quanto Cameli desejam genuinamente ser bons pastores. Talvez por temerem que eles próprios sejam excluídos da infinita misericórdia e graça da Eucaristia se acolherem no sacramento casais homossexuais, não podem acreditar que esta misericórdia e graça se estende a todos. Eles se preocupam em fechar o portão em vez de abri-lo. Infelizmente, a perda deles é nossa.
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Eucaristia: banquete fechado ou celebração pública? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU