13 Mai 2021
"O crente compartilha uma capacidade de visão, uma expectativa de futuro, uma sensibilidade coletiva que o pouco crente parece desmentir devido a um realismo factual, dos condicionamentos objetivos, de um ímpeto que não é mais progressivo. Em suma, de uma esperança curta, talvez melancólica", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 21-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Il senso della vita.
Conversazioni tra un religioso e un pococredente
O diálogo entre Mons. Vincenzo Paglia e Luigi Manconi, confiado ao livro O sentido da vida (em tradução livre, Einaudi, 2021) tem como subtítulo não totalmente correto “Conversas entre um religioso e alguém pouco crente”. Na realidade, no texto, o diálogo é entre um "pequeno crente e um pouco crente".
A operação editorial certamente não é nova, mas sempre constitui um desafio. Acredito que a referência seja a intuição do card. Martini da "cátedra dos não crentes", uma espécie de duplo magistério que atrai o crente para uma linguagem e temas de particular urgência e dá ao não crente (ou pouco crente) a oportunidade de lidar com a inteligência da fé eclesial. Percorrendo as páginas se tem a percepção de um diálogo que tem muitas mãos e muitas sugestões por trás dele. Uma dezena de agradecimentos finais são seu sinal. Existem passagens em que os "pontos" parecem aplainar e alimentar o desenvolvimento dialógico.
São muitas as referências à reflexão recente, tanto jornalística como ensaística: de Magris a Mazzarella, de Zichitella a Zagrebelsky, de Sabbadini a Ferrajoli. Sem esquecer os clássicos: Bloch, Jaspers, Weil, Jonas etc. A referência mais insistente é ao Papa Francisco e suas últimas encíclicas, Laudato Sì' e Fratelli tutti. Um lugar à parte, especialmente nas palavras de Manconi, é para Alex Langher. Respira-se o ar de um novo humanismo. Mesmo em uma resposta não desprovida de dialética de Manconi ao chamamento feito por Paglia para o drama do humanismo ateu de Henri de Lubac: “Nem por aposa podemos ir ao fundo da questão grandiosa do ateísmo, que aliás não é minha concepção. No entanto, ao quebrar uma lança em sua defesa, contesto o significado daquela declaração de De Lubac; o humanismo não fracassou porque é ateu, mas fracassou porque não realizou seu fundamento constitutivo. Ou seja, o respeito incondicional pelo humano”.
Mas a impressão mais intrigante é a reversão da perspectiva que no passado recente contrapunha a ideologia do progresso (compartilhada pelos leigos e pela esquerda ateísta) ao culto da tradição, das "virtudes centristas" e um tanto a-históricas da sensibilidade católica. No nosso caso, o crente compartilha uma capacidade de visão, uma expectativa de futuro, uma sensibilidade coletiva que o pouco crente parece desmentir devido a um realismo factual, dos condicionamentos objetivos, de um ímpeto que não é mais progressivo. Em suma, de uma esperança curta, talvez melancólica.
Manconi: “Percebo nas tuas palavras um tom, um sentimento, que tenho dificuldade em compartilhar. É o sentimento de esperança, de esperança cristã [...]. Ou seja, a minha esperança é curta, além de pragmática e muito concreta”. Paglia: “E uma primeira estrela polar a seguir é a superação das inúmeras forças divisórias, imaginando o amanhã como um 'nós' que inclua a todos sem deixar ninguém para trás”. “Na realidade, refletindo sobre isso, o verdadeiro bem-estar é aquele que nasce do amor mútuo, do ser amados, isto é, amados e capazes de amar, recebedores de misericórdia (como gosta de dizer o Papa Francisco) e misericordiosos”. “É urgente e indispensável que em todos cresça a consciência de pertencer a uma mesma família humana. Só assim poderemos enfrentar o amanhã de maneira eficaz. Uma só família humana na mesma casa em comum”. Uma sensibilidade diferente que perpassa todas as questões abordadas nos sete capítulos do volume: o sentido da vida em tempos de Covid, fraternidade e liberdade, a casa comum, gerar-fazer amor-envelhecer, acompanhamento e dor, cidadania universal, vida além da vida.
O nível de diálogo racional e ponderado às vezes chega a um acordo por caminhos interrompidos e respostas cortadas. Se Mons. Paglia tem a coragem de contradizer a decisão de Mons. Fisichella e do card. Ruini em 2006 sobre a proibição da missa fúnebre de Piergiorgio Welby ("Eu teria estado no altar para celebrar o funeral de Welby, como a família havia pedido. Eu sempre o celebro. Estou convencido de que o suicídio é sempre uma questão de amor não atendido"), tem dificuldade em responder à proibição de abençoar casais homossexuais na nota da Congregação para a Doutrina da Fé (15 de março de 2021) ("É antes um texto que reafirma a posição tradicional: mas sobre essas questões é necessário continuar a refletir").
Por parte de Manconi, soa pouco convincente a possível crítica aos escritos do Papa Francisco "de uma espécie de politicismo globalista, embora necessitemos de palavras e conceitos que transcendam tudo isso". Esta posição se repete com os padres de rua, embora em um contexto de cordialidade e amizade ("aparecem mais sociólogos e militantes do que ministros de Deus"). A afirmação sobre “as hierarquias eclesiásticas e sua irredutível vocação conservadora” também parece um pouco óbvia demais.
Um diálogo nem sempre fácil e direto como esta passagem: “Paglia. A afirmação ‘a vida é uma dádiva’ é clara e irrepreensível. Acrescentaria que deve ser completada pela outra, ou seja, que é “também uma tarefa”, confiada à responsabilidade de cada um. Recebemos a vida como um dom, mas não ... Manconi ... para fazer o que quisermos com ela. E eu acho que é exatamente assim: para fazer o que quisermos com ela. Paglia e aqui está, na minha opinião, o erro ou, em todo caso, a distância entre nós. Enquanto sobre o fato que a disponibilidade é do próprio indivíduo, concordo. Manconi. Como se verá, esta diferença de interpretação sobre uma frase proverbial como ‘a vida é um dom’ condiciona de maneira muito significativa algumas de nossas avaliações sobre aquela questão crucial que representa o fim da vida”.
O diálogo atravessa muitos temas de imediata atualidade que serão retomados no debate público. Como: ecologia e centralidade do humano; pacifismo e ingerência humanitária; aborto, patenteabilidade do vivente, maternidade substituta; amor e geração, crise demográfica; pandemia e escolhas éticas do médico; drogas e redução de danos; imigrantes como recurso; fechamento da prisão etc. Limito-me a citar as referências à transcendência, ao prazer, aos idosos e à ressurreição.
A abertura para a transcendência não pode ser confinada à consciência pessoal e irrefletida. Paglia: a tendência de substituir Deus por si mesmo ‘deve ser contrastada propondo um novo humanismo que não esteja fechado à transcendência. Eu me pergunto, aliás, te pergunto: a inteligência que está na moda hoje está realmente disposta a assumir a responsabilidade de entregar os filhos que vêm ao mundo ao nada de sua origem e de seu destino? Muitos intelectuais, inclusive aqueles não crentes, mostram-se na realidade capazes da necessária autocrítica para uma desconstrução da transcendência do mistério de Deus; que esvaziou o céu da nossa esperança, tornando a terra do nosso descontentamento menos habitável”.
A discussão sobre o tema prazer e desejo é bastante extensa. Manconi ao seu interlocutor: você fala de amor, mas não nomeia o prazer. “O prazer não só é independente da finalidade da geração, mas também de qualquer planejamento e de qualquer perspectiva teleológica; como mera expressão dos sentidos, expansão das faculdades vitais, uma manifestação da criatividade erótica. Enfim, aquela experiência humana que se reflete nas formas da pura vitalidade, do conhecimento através do contato e do tato, do encontro entre os corpos. E a euforia do desejo e da psique. Eu diria que o prazer é um fim em si mesmo”. “Uma regra se aplica: se é verdade que nem todo desejo, em si só, deve ser reconhecido como direito, é igualmente verdade que - se não for prejudicial a outros direitos - não pode ser injustificadamente negado e, consequentemente, proibido”. Paglia: “Hoje existe uma relação mais serena entre a Igreja e o prazer ... (Mas) é redutivo e perigoso redimensionar a sexualidade ao prazer sem acréscimo ... a dimensão do prazer pede ela mesma para ser ligada à rica e complexa dimensão do amor que comporta também estabilidade”. “Parece-me que o defeito deste amor/paixão é que cada um ama o amor mais do que o outro. Não é o desejo que cria o problema, mas um desejo voltado sobre si mesmo, que perde assim a beleza da relação até com o drama que comporta”.
Uma distância notável entre os interlocutores surge novamente sobre os idosos.
Para Paglia estamos diante de uma remodulação decisiva das idades da vida, com uma população idosa ativa, que não tem um papel social, e com uma velhice que não tem acompanhamento. Manconi expressa o receio de que "confiar-se como você parece fazer a uma diversa qualidade e organização da vida familiar, que inclua e compreenda idosos, seja literalmente impossível". “Estou pensando no desenvolvimento da medicina geriátrica, em contato com os seus destinatários e, portanto, difundida no território, e estou pensando na necessidade inevitável de multiplicação de lugares nas RSA” (Residências de saúde assistidas). Paglia lembra que a descoberta da infância no século XIX exigiu um novo pensamento e uma nova organização, inventando os orfanatos e superando-os. “Você defende que as vagas nas RSA devem ser multiplicadas. Sou totalmente contra isso. A institucionalização do idoso hoje seria fruto de uma preguiça cultural [...]. Certamente você se lembra da vitória, no final da década de 70 do século passado, representada pelo fechamento dos manicômios por iniciativa de Franco Basaglia. De minha parte, o mesmo deve acontecer com os idosos”.
Sobre as "coisas últimas", sobre a morte e sobre o que acontece depois, Manconi admite: "Nós - toda a tribo dos ateus, agnósticos, incrédulos, céticos, perplexos, descrentes, blasfemadores, até os pouco crentes - vivemos tudo isso obscuramente como um déficit. Pouco há a dizer: nos falta aquela nova e ulterior vida”. E nos faltam os seus ritos. Para Paglia, a ressurreição é o cumprimento esperado por todos. O crente a espera por causa da ressurreição de Jesus. A "carne" e seu destino são centrais para o cristianismo. “Se todos nós - crentes e leigos - pudéssemos nos concentrar mais e seriamente no vínculo que nos une - desde a beleza de nossa vinda à luz e para cada idade da vida até o cansaço de nosso último adeus - no desafio do sentido da vida e do contrassenso da morte, acho que toda a nossa civilização seria diferente”.
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Manconi-Paglia: magistério e convergências paralelas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU