13 Mai 2021
"Os dois livros têm isto em comum: uma igual confiança na força imaginativa e criativa do direito. Trata-se justamente daquele respiro mais amplo do qual a pandemia finalmente nos mostrou a necessidade, pois não pode existir criação que por sua natureza não se projete para o futuro. Que não peça para abandonar a lógica egoísta do eu e do aqui e agora, em favor de uma lógica inclusiva, altruísta, do nós e do amanhã", escreve Niccolò Nisivoccia, Foi professor da cadeira de Direito da Falência da Universidade de Milão e membro da Comissão de Falências da Câmara dos Advogados de Milão e membro do conselho honorário da Fondazione Centro Nazionale Studi Manzoniani, autor de vários livros, entre os quais, Sulla fragilità e de Variações sobre o vazio (Le Farfalle, 2019 e 2020) e do ensaio La rinascita del debitore (Il Sole 24 Ore, 2020), em artigo publicado por Il Manifesto, 12-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
É hoje uma opinião generalizada e mais ou menos comum que as raízes da pandemia em que estamos imersos também devem ser buscadas em nossos modelos de desenvolvimento: na consciência adquirida, evidentemente, que esses são modelos errados, míopes, bulímicos. Por muito tempo pensamos que poderíamos dominar tudo, nos acostumamos a acreditar que poderíamos desfrutar da terra que habitamos para nosso exclusivo benefício.
Até o direito teria feito a sua parte. Ou melhor: não a teria feito, ou a teria feito mal. Esta é a tese defendida, por exemplo, por Carla Benedetti, que não é jurista mas acerta o alvo ao afirmar, em sua La letteratura ci salverà dall’estinzione (A literatura nos salvará da extinção, em tradução livre, Einaudi), que caberia ao direito tutelar não só os pais, mas também os filhos, pensar não só os viventes, mas também o futuro e, portanto, olhar não só para o hoje, mas também para o amanhã, como gostaríamos que fosse no interesse de outros. De fato, para além de qualquer referência aos temas da ecologia e da sustentabilidade ambiental, é algo muito grave: é a falta de um respiro que o transcenda e o supere em relação à sua pura contingência, seus dispositivos formais, seu elemento técnico. Deste ponto de vista, o discurso diz respeito tanto ao direito como à política: com demasiada frequência, nos últimos anos, ambos foram quase incapazes de exercer qualquer outra função que não a de administrar o existente, estreitando os próprios horizontes de sentido e renunciando assim não apenas a qualquer utopia, mas também a qualquer função transformadora da realidade dada.
Perché una Costituzione della Terra?
Agora, dois livros recém-publicados contêm algumas sementes de um possível resgate. O primeiro é de Luigi Ferrajoli, Perché una Costituzione della Terra? (Por que uma Constituição da Terra?, Giappichelli); o segundo, Il senso della vita (O sentido da vida, Einaudi), de Vincenzo Paglia e Luigi Manconi em diálogo entre si.
O que Ferrajoli propõe é um verdadeiro "salto de civilização no direito, na política e na economia", consistindo em uma "expansão em nível planetário do paradigma do constitucionalismo rígido como foi adotado pelas democracias constitucionais atuais depois da libertação dos nazifascismos".
Sozinhos, observa Ferrajoli, os Estados nacionais nunca poderão enfrentar aquelas violações dos direitos e bens fundamentais, que podem ser definidas como "crimes de sistema", aos quais o mundo atual está continuamente exposto; nem jamais abordarão “os problemas de desigualdade global, fome e sede no mundo e das doenças não tratadas de centenas de milhões de pessoas”. E é por isso que seria necessário projetar um constitucionalismo dos direitos e dos bens fundamentais (começando com uma "fiscalidade mundial" e uma "jurisdição global de constitucionalidade"): porque, caso contrário, "não só as nossas democracias estão em perigo, mas também a paz e a vivibilidade do planeta".
Il senso della vita. Conversazioni tra
un religioso e un pococredente
Por seu lado, Manconi e Paglia refletem sobre muitas coisas, desde aquelas de urgência mais imediata, imersas na vida do dia-a-dia, até aquelas que chamam de "coisas últimas", concernentes precisamente o sentido da vida e a vida após a vida. E quando falam sobre o tema da "cidadania universal", em especial, ambos se declaram grandes defensores da "justiça restaurativa": isto é, aquele modelo de justiça que não se conforma com as sentenças dos tribunais, a verticalidade das decisões, o fechamento de culpas e razões em uma fórmula de condenação ou absolvição. A justiça restaurativa "não se limita a sancionar o dano infligido", lembra Manconi, "mas trabalha para curá-lo", e não fixa autores e vítimas de crimes de uma vez por todas num gesto feito ou sofrido, mas aspira a muito mais: à construção de um novo equilíbrio, na ambição que a justiça também possa se traduzir num encontro - entre dois rostos que se olham, entre duas histórias que pedem reciprocamente para serem contados e acolhidos, escutados.
A ideia de direito que Ferrajoli e Manconi e Paglia pressupõem e promovem, cada um a seu modo, é exatamente aquela de cuja ausência o próprio direito vê derivar as acusações contra ele. Quer dizer, a ideia segundo a qual o direito avilta seus fins quando se limita a seguir o fluxo dos eventos sem imaginar que, por sua vez, pode tentar orientá-lo; exceto que a lei também deveria saber despertar empatia, mover sentimentos. Pois bem, os dois livros têm isto em comum: uma igual confiança na força imaginativa e criativa do direito. Trata-se justamente daquele respiro mais amplo do qual a pandemia finalmente nos mostrou a necessidade, pois não pode existir criação que por sua natureza não se projete para o futuro. Que não peça para abandonar a lógica egoísta do eu e do aqui e agora, em favor de uma lógica inclusiva, altruísta, do nós e do amanhã.
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A pandemia explicita o direito ao futuro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU