09 Abril 2021
“Os livros de Hans Küng falam com eficácia única a nosso tempo e são compreendidos por muitos milhares de leitores em todo o mundo. São livros, na verdade, teologicamente atuais, que resistem à prova do tempo com extraordinário frescor”, escreve Andrés Torres Queiruga, em artigo publicado por Religión Digital, 07-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Hans Küng foi ao Senhor depois de uma longa e fecunda vida, que o permitiu atravessar um dos períodos mais movimentados, conflituosos e, em definitivo, fecundos da teologia em sua história milenar. Teve que romper muitos moldes; evangelicamente diríamos muitos odres velhos, para verter a fé em palavras e conceitos que possam entregar seu significado na cultura atual.
Estou convencido de algo que está começando a acontecer em uma medida cujo alcance não se percebe a simples visão: que muitas das coisas que disse e bastante dos moldes que rompeu não tardarão em se ver como normais. E com isso quero dizer que se perceberá que com palavras novas está expondo a fé de sempre; mas a pele dos velhos odres, ainda que forte resseca, impede de ver o vinho novo que Küng se esforçou em oferecer à sede de uma expressão significativa e inteligível para as verdades da fé.
Cada vez aparece com mais clareza que grande parte dos conflitos com a (velha) autoridade das distintas comissões defensoras da fé, consiste em um problema de interpretação. Em um pano de fundo vivo, no fundo de experiências religiosas radicais, Küng expressava com uma linguagem diferente, a partir de um novo paradigma cultural (conceito que enfatizou com prazer e eficácia), as mesmas verdades que se expressavam e seguem a ser expressas na linguagem, da filosofia escolástica e imagens patrísticas. Expressava e defendia a “fé de sempre” em uma “nova teologia”, que, lida desde a teologia anterior, parecia estar sendo negada.
É por isso que ocorre o curioso fenômeno que, em geral, é melhor compreendido de fora, na intempérie religiosa, do que de dentro do mundo tradicional(ista). Na verdade, seu trabalho alcançou uma espécie de quadratura do círculo: transformar livros carregados de uma teologia muito séria e documentada em best-sellers entre os leitores atuais.
Não atinge, a meu ver, a criatividade torrencial de um Karl Rahner, com quem mantinha diferenças nem sempre justas, mas detecta com intuição acurada onde estão os verdadeiros problemas para atualizar a teologia, e os expressa com clareza, sem desvios ou reservas. Às vezes, ele não se preocupava em elaborar com detalhes as categorias teológicas ou as figuras e metáforas às quais recorre. Mas foi sempre sugestivo e, em todo caso, aponta o problema e abre a porta pela qual a teologia é chamada a entrar, se quiser ser inteligível e ter validade para o futuro.
Certamente não poderia ser de outra forma, pois basta um olhar sobre o andamento de sua obra para compreendê-lo. Em ondas sucessivas, dedica extensas e bem fundamentadas monografias a todos os grandes problemas que povoam o horizonte teológico. O ecumenismo intra-cristão, a partir de sua tese de doutorado sobre Karl Barth. As obras que culminam em “A Igreja”. A ampla revisão da mudança cultural onde o Cristianismo atual precisava se registrar, com sua obra “A Encarnação”, em diálogo com Hegel.
O panorama geral, com um ar ainda atual, oferecido em “Ser Cristão” e “Deus existe?” Abertura às outras religiões, não só frente a questões de princípio, mas também dedicando-lhes monografias que constituam autênticas informações enciclopédicas, cheias de clara empatia. E a grande frente da ética universal, onde está em jogo o futuro da humanidade. E, como se não quisesse deixar nenhum assunto sem expô-lo ao sol de um cristianismo atualizado, estão as obras menores sobre a morte, o fim, a mulher e até a música.
A recepção de seus livros não é acidental: eles respiram questões atuais e sinceridade ao reconhecer a necessidade de enfrentá-las. Não esconde para onde pensa que vai à solução e expõe-no sem rodeios, embora nem sempre se dê ao trabalho de avançar até ao fim na fundação ou de apontar com bastante cuidado os apoios profundos da continuidade. Mas é óbvio que nenhum teólogo pode cobrir tudo, e talvez esses limites sejam a condição de possibilidade de sua enorme contribuição e, como dizem no jargão especializado, representem a medida certa de seu carisma.
Em todo caso, seus livros falam com eficácia única a nosso tempo e são compreendidos por muitos milhares de leitores em todo o mundo. São livros, na verdade, teologicamente atuais, que resistem à prova do tempo com extraordinário frescor.
Tome, por exemplo, “Ser cristão” em suas mãos, escrito em 1974, quase cinquenta anos atrás, e verá que continua a falar de hoje. Existem os problemas que ainda são nossos, ele os expõe sem rodeios e os confronta com uma sinceridade corajosa, às vezes um tanto desafiadora e às vezes possivelmente um ponto precipitado. Mas em sua leitura se respira teologia viva, capaz de alimentar uma compreensão crítica para a fé em nossa cultura.
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“Hans Küng morreu, mas sua teologia segue viva e pede futuro”. Artigo de Andrés Torres Queiruga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU