18 Fevereiro 2021
A onda de suspeitas de abuso também pairou sobre ele. Trata-se do pe. Werenfried van Straaten, mais conhecido pelas gerações pré e pós-conciliares como "Padrelardo". Ele foi definido como o maior arrecadador do século XX por sua capacidade de arrecadar fundos para comunidades cristãs em dificuldade, por meio de sua fundação Aiuto alla Chiesa che sofre (Ajuda à Igreja que Sofre - ACS).
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada por Settimana News, 15-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nascido na Holanda (Mijdrecht) em 1913 e falecido em 2003 em Bad Soden, não muito longe da sede de sua obra (Königstein, Alemanha), o padre premonstratense foi acusado de abuso sexual em uma carta do visitante e bispo auxiliar de Paderborn, Manfred Grothte, dirigida à Congregação do Clero após uma visita à fundação em 2010.
Sete anos após sua morte, o bispo denuncia, além de uma tentativa de violência sexual, excessos no estilo de vida, erros na gestão do pessoal e simpatias pelas ideias fascistas. A carta foi publicada pelo Die Zeit em seu suplemento "Christ & Welt" de 10 de fevereiro de 2021.
É preciso dizer desde já que a Fundação não é uma Congregação, que seu fundador não tem o papel de referência espiritual com a profundidade de um carisma e que a instituição caritativa assumiu uma forma jurídica própria. Em uma declaração “compromete-se a prestar esclarecimentos sobre a matéria de forma transparente e exaustiva”.
A acusação de violência sexual teria ocorrido em 1973, mas foi denunciada em 2010. Considerada credível, a vítima foi imediatamente contatada com um acordo de indenização de 16.000 euros. As autoridades eclesiais romanas e alemãs foram informadas. Nenhum processo civil foi iniciado porque o padre premonstratense já havia falecido e pelo pedido de sigilo da vítima. Nos arquivos da fundação e naqueles eclesiais romanos não há vestígios de outras denúncias. A tarefa do visitante não era investigar o fundador, mas verificar os processos decisórios da Ópera em vista do reconhecimento pontifício.
O ACS, já presente em muitas dioceses, recebeu seu primeiro parecer favorável em nível romano em 1964. Vinte anos depois, em 1984, foi reconhecida como associação pública universal de direito pontifício e em 2011 tornou-se Fundação de direito pontifício. Para se ter uma ideia da sua atividade, pode-se recordar que em 2019 angariou mais de 111 milhões de euros para projetos de ajuda em 140 países. O seu empenho dirige-se às comunidades cristãs em dificuldade (construção de igrejas, formação de padres, publicação de Bíblias e livros litúrgicos, etc.).
Pode contar com 16 secretarias nacionais e com um parque de benfeitores de centenas de milhares de pessoas. Também é conhecida pela publicação de um importante Relatório bienal sobre perseguições e pelos diversos meios de comunicação utilizados para manter relações com benfeitores e beneficiários.
Tudo isso não diminui o choque de credibilidade que a denúncia produziu. Van Straaten foi o fundador, o animador e o ponto de referência da Ópera até sua morte. O abuso é considerado credível e a compensação não encerrou novas investigações. Na declaração, a ACS admitiu que nos 55 anos de gestão da obra ocorreram diversos conflitos e desentendimentos com os trabalhadores. Inclusive o pai da vítima, que recebeu reembolso pela forma como foi afastado (sem relação com a denúncia da filha).
Enquanto a acusação de falta de moderação no estilo de vida não é confiável, pois teria sido expressa por apenas uma pessoa durante a visita. Não haveria confirmação nem mesmo na afirmação de simpatia pela extrema direita. O resultado da investigação do visitante em 2010 foi o processo de modernização e renovação da governança da obra (constituição jurídica, revisão dos estatutos, instrumentos de controlo, incluindo a atenção à prevenção e proteção contra abusos).
O arrependimento pelas pesadas acusações e o distanciamento do comportamento atribuído a Padrelardo são muito claros. Nem a ACS nem a congregação Premonstratense iniciaram um processo canônico de reconhecimento de santidade para o pe. van Straaten.
Recebeu o apelido em 1947 de uma dona de casa flamenga, quando, no pós-guerra, começou a arrecadar fundos e bens na Bélgica e na Holanda para os 14 milhões de alemães forçados a emigrar para o Ocidente com as novas fronteiras do pós-guerra. O dinheiro era escasso e ele pediu um pedaço de banha (lardo, em italiano) que toda família de camponeses possuía. Uma ação que iniciou um movimento de reaproximação entre os povos e também uma retomada pastoral.
Em 1949, ele forneceu aos padres alemães meios de transporte para contatar seus fiéis. Em 1950, inventou as capelas móveis (caminhões equipados) com uma despensa adjacente para os pobres. No ano seguinte, alimentou fundos para a reconstrução de igrejas. Uma segunda temporada começou na década de 1960 com o desenvolvimento da ajuda às igrejas do outro lado da Cortina, sob os regimes comunistas, tornando-se seu paladino também no Ocidente. Todos os grandes protagonistas dessa história o reconheceram: de Beran a Mindszenty, de Slipy a Todea, de Wyszynski a João Paulo II.
A gama de interesses da Ópera se estende à América Latina e a outras áreas do mundo. Após o colapso dos regimes, abre-se uma terceira temporada que vê a ACS aberta ao apoio de todas as igrejas cristãs e à defesa da liberdade religiosa.
O horizonte tendencialmente conservador e que identifica de forma eclesial o fundador também se manteve na obra, a despeito de todas as transformações mencionadas e das novas atenções. Existem alguns sinais disso na história da obra.
Na disputa eclesial dos anos pós-conciliares a respeito da teologia da libertação e, de maneira mais geral, as orientações socialistas de alguns países latino-americanos, a ACS, então liderada por pe. Roger Vekemans também foi acusada de ser apoiada pelos serviços secretos estadunidenses (Washington Star de 23 de julho de 1975) para conter e limitar a influência da teologia da libertação. Sobre o assunto, houve uma carta de protesto assinada por 140 pessoas e dirigida a Mons. Pironio, então presidente do CELAM. A acusação de pró-fascismo poderia ter aqui suas raízes.
Um segundo sinal foram as duras críticas de Van Straaten à Ostpolitik do Vaticano, tanto assim que o Card. Laszlo Lekai, então primaz da Hungria, acusou Padrelardo de “querer influenciar as pessoas e ter dinheiro. Só para ter dinheiro”.
Um terceiro sinal foi a polêmica de Van Straaten em favor do mosteiro carmelita nas imediações do campo de concentração de Auschwitz, fortemente contestado pelas comunidades judaicas.
Do lado positivo, deve ser lembrado que ele também se opôs à deriva cismática dos lefebvrianos, embora compartilhando muitas sensibilidades, correndo o risco de perder uma fatia de benfeitores.
Apesar da sombra dificilmente removível e francamente censurável que agora surgiu na opinião pública, o personagem deve ser lembrado pela generosidade de seu empenho caritativo. Em 55 anos de atividade, arrecadou mais de 4,5 bilhões de euros de 700.000 doadores. Se hoje o ACS pode apoiar cerca de 5.000 projetos de ajuda em 140 países, não é sem vínculos com a sua vida e o seu empenho.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Padrelardo: sombra e generosidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU