"O Antropoceno será caracterizado pela intrincada relação dos sistemas sócio-econômico-culturais humanos com os sistemas biológicos e terrestres que formam uma complexa rede de redes. Em vez de separar o Homo Sapiens dos problemas que precisam ser resolvidos, precisaremos revisar nossa abordagem e nos tornar Sapiens artífices da coexistência, da sobrevivência e da sustentabilidade", escreve Roberto Cingolani, físico, e que é hoje o responsável pela inovação tecnológica de Leonardo, em artigo publicado por La Repubblica, 16-12-2020. A tradução de Luisa Rabolini.
Existe uma equação, chamada de equação de Drake, que fornece uma estimativa da probabilidade de encontrar vida em outros planetas. É uma fórmula matemática utilizada para estimar o número de civilizações extraterrestres em grau de se comunicar em nossa galáxia, desenvolvida por Frank Drake, em 1960, com base em pesquisas com sinais de rádio vindos do espaço. Independentemente da inevitável controvérsia científica que gerou, correlaciona fatores muito diferentes, incluindo a probabilidade de formação de estrelas, o número médio de planetas para cada estrela, a probabilidade de formação de vida inteligente e "a duração presumida de tal vida inteligente". Visto pelos olhos de alguém que busca civilizações alienígenas, este último parâmetro é muito interessante: o homem existe há cerca de meio milhão de anos, enquanto a Terra tem quatro bilhões e meio de anos. Usando como parâmetro intervalos de tempo típicos de nossa vida, se a Terra tivesse um ano, o homem teria surgido nos últimos 10 segundos. Para quem procura alienígenas, o problema não seria apenas tecnológico, mas também, e acima de tudo, de escolher o momento certo para procurar! Então, vamos supor que um observador extraterrestre tenha ativado seus sistemas de busca no momento certo e está nos observando. O que ele veria?
Se ele nos tivesse observado nos últimos 200.000 anos, teria visto o Homo Sapiens, que representa o mais alto estágio evolutivo da espécie humana. Especificamente, nosso observador poderia ter nos flagrado em uma das quatro fases características do progresso do Sapiens: caçador-coletor neolítico, espécie sedentária dedicada à agricultura e pecuária, Sapiens na revolução industrial e, por fim, Sapiens na era da informação. O mais evidente para o observador seria que o progresso do Sapiens foi no geral harmonioso, com um impacto insignificante em comparação com os ritmos do planeta até cerca de 200 anos atrás.
Só muito recentemente, ao contrário do que aconteceu nos milênios anteriores, a influência dos Sapiens no planeta de repente se tornou enorme. A população humana permaneceu estável em cerca de um bilhão até 1900 e então, em pouco mais de um século, aumentou exponencialmente para os atuais 7,7 bilhões. Este crescimento impressionante do Sapiens gerou uma aceleração formidável do progresso tecnológico e do conhecimento que, por sua vez, aumentou a expectativa de vida, exigiu grandes infraestruturas, criou sistemas industriais e sociais muito grandes e complexos. Tudo isso pressionou o ecossistema, em parte devido ao crescimento da demanda e do consumo, e em parte porque o Sapiens modificou cada vez mais seu habitat de forma massiva para atender suas necessidades crescentes. O que o Sapiens fez em alguns séculos não tem igual na história do planeta: para voltar ao exemplo anterior, se a Terra tivesse um dia todas essas mudanças teriam ocorrido nos últimos milésimos de segundo!
As razões de tudo isso são intrínsecas à natureza do Sapiens, que continua a crescer e a fortalecer-se não se adaptando ao ecossistema, mas modificando-o como mais lhe agrada, com o único propósito de se tornar mais forte. Para isso, o Sapiens selecionou para a sua dieta alimentar cerca de trinta espécies de plantas (trigo, arroz, milho, soja, etc.) entre as centenas de milhares que a natureza oferece, e essas hoje representam 90% da produção agrícola e consomem cerca de 60% da água doce disponível, ocupando todos os espaços agrícolas disponíveis. Da mesma forma, o Sapiens prefere comer 13 espécies de animais (galinhas, gado, porcos, etc.) entre as dezenas de milhares disponíveis. Como resultado, a massa total de animais de criação no planeta hoje é 7 vezes maior que a de todos os outros animais silvestres, e as fazendas de criação são responsáveis pela produção de cerca de 20% dos gases de efeito estufa.
Certamente este não era o projeto original da natureza, que talvez não tivesse previsto uma espécie dominante tão proativa em comparação com todas as que a precederam. Nosso observador concluirá que se a alimentação rica e completa contribuiu para o fortalecimento da espécie Sapiens, ao mesmo tempo gerou danos significativos ao seu ecossistema, correndo o risco de anular seus benefícios.
Isso é o que hoje chamamos de Antropoceno: "a época geológica atual em que o ambiente terrestre, juntamente com suas características físicas, químicas e biológicas, é fortemente condicionado em escala local e global pelos efeitos da ação humana … (Definição do dicionário Treccani)". O observador extraterrestre, a este ponto, entenderá que o Antropoceno é um evento imenso, pois representa a primeira modificação artificial do planeta, ou seja, induzida por um agente capaz de entender e querer (ou seja, Sapiens).
O Antropoceno tem muito a ver com a "duração presumida de vida inteligente" na equação de Drake. As estimativas do colapso dos sistemas estáveis da Terra são da ordem de 30-50 anos e ações urgentes são necessárias, incluindo as mais conhecidas relacionadas ao aquecimento global e seus efeitos na desertificação, aumento dos oceanos e reservas de água doce. Por esta razão, tanto as Nações Unidas com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) quanto a Europa com o Novo Green Deal europeu, construíram roteiros para os desafios fundamentais dos sistemas físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais que caracterizam a humanidade.
A resiliência do Sapiens às mudanças que ele próprio induziu é um desafio monumental de natureza cultural, científica e tecnológica, no qual a colaboração entre humanos e a utilização da inteligência artificial terão um papel importante. Nesta perspectiva, o Antropoceno será caracterizado pela intrincada relação dos sistemas sócio-econômico-culturais humanos com os sistemas biológicos e terrestres que formam uma complexa rede de redes. Em vez de separar o Homo Sapiens dos problemas que precisam ser resolvidos, precisaremos revisar nossa abordagem e nos tornar Sapiens artífices da coexistência, da sobrevivência e da sustentabilidade.
Mas como chegamos ao Antropoceno? O “ritmo do progresso” está associado à presença do Sapiens. Conforme a população de Sapiens começou a crescer, o progresso se acelerou, acompanhando o crescimento da inteligência coletiva da humanidade. Em muito pouco tempo, o progresso se tornou a meta da humanidade e o instrumento para perpetrar a nossa supremacia sobre todas as outras espécies vivas. Mas agora estamos começando a entender que o progresso não é gratuito, que também existe um "custo do progresso".
Devemos, portanto, encontrar um equilíbrio entre custo e benefício do progresso. Teremos sucesso quando nos tornarmos cientes do que significa "encontrar o equilíbrio entre ações conflitantes, mas necessárias". A única maneira é através da cultura, da ciência, da escolaridade, da alfabetização digital e da consciência de que toda ação tem uma consequência, em qualquer campo: nas finanças, na indústria, na ciência, na sociedade. Por isso, nas próximas semanas refletiremos sobre as duas faces do crescimento do Sapiens: o ritmo do progresso e o custo do progresso.
No "Ritmo do progresso" iremos rapidamente repercorrer os anos em que o Sapiens começou a desenvolver as tecnologias: desde o primeiro artefato datado de 16.000 anos atrás até hoje, melhoramos constantemente nossa existência com a tecnologia (o tijolo, a roda, as lentes, etc. ..) criando soluções e oportunidades, mas também, ao mesmo tempo, novos problemas. Por milênios, o equilíbrio entre as vantagens de uma tecnologia e os novos problemas gerados pela própria tecnologia havia sido positivo, porque o ritmo de inovação era lento, uma invenção por milênio, depois uma por século ... etc., mas recentemente a inovação se tornou demasiado rápida e já não conseguimos metabolizá-la e, sobretudo, a nos preparar adequadamente para as mudanças que induz.
Refletiremos sobre coisas que hoje consideramos simples e óbvias, mas que representaram marcos (os game changers) do progresso do Sapiens: o tijolo, os números, a roda, o estudo do corpo humano, o desenvolvimento dos materiais, a medição do tempo, o estudo do céu e das estrelas, a compreensão da pressão dos fluidos e as invenções dos sistemas hidráulicos, os primeiros fármacos, a prensa, a transformação da energia, os motores de combustão interna, os polímeros, a eletricidade, as tecnologias digitais, as tecnologias espaciais.
Todas essas tecnologias prolongaram a vida, melhoraram os transportes, criaram cidades, melhoraram os alimentos e iniciaram a fabricação em massa: são centenas de game changers gerados pela jornada do Sapiens em direção ao conhecimento. No entanto, em um determinado ponto toda essa tecnologia também permitiu guerras mais eficazes, ocupação de solos, mudanças orográficas, antropização massiva, exploração cada vez mais intensa dos recursos, até chegar a hoje: a época em que em julho de cada ano o Sapiens começa a consumir os recursos do ano seguinte, assim como fazemos com a dívida econômica!
Aqui inicia a nossa segunda reflexão, sobre o "Custo do Progresso". Uma reflexão sobre as consequências das nossas ações, acumuladas nestes dezesseis mil anos e nunca lidas juntas, mas apenas separadamente. Perguntas profundas ainda sem resposta: podemos continuar assim?
O Antropoceno é sustentável? Hoje temos o Novo Green Deal Europeu e a Agenda das Nações Unidas para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Mas quem realmente os conhece bem? Como eles mapeiam nossa história?
É preciso entender que o progresso tem gerado problemas de forma progressiva, mas só os percebemos quando se tornaram muito, demais, evidentes. Nesse caso também, refletindo sobre o caminho do Sapiens e conectando de uma forma lógica eventos, escolhas e comportamentos aparentemente não relacionados entre si, emergem as origens ancestrais dos problemas atuais e, sobretudo, sua complexidade: as três dívidas do progresso (econômica, ambiental e cognitiva), as desigualdades econômicas (o índice de desenvolvimento humano, países devedores e credores e dividendos demográficos), a voracidade do Sapiens (a biocapacidade do planeta e a pegada humana), as desigualdades sociais (global gender), os efeitos da antropização (urbanização, megalópoles), as mudanças climáticas e o "orçamento de emissões", a correlação entre a saúde do planeta e a saúde das pessoas, o papel da prevenção (preparação, resiliência, impacto econômico e social dos desastres naturais), o papel global da educação, a perda da biodiversidade, as necessidades energéticas, o mal-estar do ecossistema (ar, água, oceanos e pesca, terra e agricultura).
São reflexões que ampliam as questões colocadas pela física da sustentabilidade para incluir o real significado de "ser humano" no Antropoceno. Em que deve ser baseada a moralidade humana? Qual é o papel da política e dos estados? Existe um modelo socioeconômico sustentável? Que papel a ciência pode desempenhar para responder a essas questões fundamentais? Como a tecnologia pode permitir a solução de problemas? O Homo Sapiens está ao mesmo tempo no centro do problema e da solução, pois a humanidade não encontrará um futuro digno e viável se não se transformar radicalmente.
E, nesse ínterim, o imaginário observador extraterrestre que ativou seus sistemas de busca no momento certo e está nos observando, provavelmente terá feito um intervalo prometendo-se voltar e olhar mais adiante para ver se tivemos sucesso.