15 Dezembro 2020
O Vaticano revelou seu presépio oficial na Praça São Pedro na tarde de sexta-feira, surpreendendo muito com sua representação de um astronauta e outra figura vestindo um capacete do Darth Vader vindo adorar o Menino Jesus.
A reportagem é de Colleen Dulle, publicada por America, 12-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O presépio foi criado entre 1965 e 1975 como parte de uma Coleção de 54 estátuas criadas por alunos e professores do Instituto de Arte “F.A. Grue” em Castelli, uma cidade na região de Abbruzo, na Itália, que era conhecida por suas cerâmicas já no século VIII a.C. De acordo com um comunicado do Vaticano à imprensa, o presépio é uma ode à arte contemporânea e à história cultural de Abruzzo. Desde 2012, o cenário tem destacado artistas e materiais de uma parte diferente da Itália: nos últimos anos, incluiu um presépio de terracota e um feito de areia.
Figuras culturais contemporâneas, como o astronauta incluído neste ano, são comuns, expostas na Praça São Pedro a cada ano desde 1982. Essa não é a primeira vez que uma chama a atenção: em 2017, o cenário incluiu a figura de um homem nu representando a nudez como um trabalho de misericórdia. Por causa de figura de terracota esculpida com músculos e acabamento vidrado, alguns a compararam com o boneco Ken.
A historiadora da arte Elizabeth Lev viveu em Roma por mais de 20 anos. Ela disse que há uma tradição na Itália de correr para ver um novo trabalho de arte e dar a opinião sobre, como aconteceu no twitter, no sábado. Lev tuítou uma foto de um astronauta e o personagem “Darth Vader” com a legenda, “Então o presépio do Vaticano foi revelado... 2020 pode piorar...”.
So the Vatican presepe has been unveiled....turns out 2020 could get worse... pic.twitter.com/xI2NMNn81r
— Elizabeth Lev (@lizlevrome) December 11, 2020
Lev não foi capaz de identificar se o astronauta e o personagem “Darth Vader” deveriam representar os pastores ou dois dos Três Reis. “Estamos todos sentados aqui juntos perguntando qual é qual”, disse ela em uma entrevista à América.
Para Lev, a motivação central por trás do presépio do Vaticano é comunicar que Cristo veio para todas as pessoas. Essa é a lógica por trás do destaque de diversos artistas e materiais e é a mensagem da arquitetura da Praça São Pedro, onde a representação do Nascimento de Jesus está exibida: a praça é ladeada pela famosa colunata de Bernini, que evoca braços abertos abraçando a praça. A historiadora disse que o objetivo dos artistas ao criar as figuras inspiradas no espaço poderia ter sido comunicar a ideia de evangelizar qualquer ser além deste planeta, uma ideia que teria sido popular em meio à emoção da corrida espacial e pouso na lua.
O papa Francisco escreveu em uma carta sobre os presépios no ano passado que a representação do “nascimento de Cristo na creche nos ajuda a imaginar a cena. Toca nossos corações e nos faz entrar na história da salvação como contemporâneos de um evento que é vivo e real em uma ampla gama de contextos históricos e culturais”.
Ele continua: “As crianças – mas também os adultos! – muitas vezes adoram adicionar ao presépio outras figuras que não têm nenhuma conexão aparente com os relatos do Evangelho. No entanto, cada um, à sua maneira, com esses acréscimos fantasiosos, mostra que no novo mundo inaugurado por Jesus há espaço para tudo o que é verdadeiramente humano e para todas as criaturas de Deus”.
Mas, disse Lev, a cena deste ano ameaça obscurecer o propósito fundamental de unir as pessoas, provocando discussões sobre a tela. “Talvez não seja a melhor decisão colocar as pessoas em pé de guerra depois de um ano muito desafiador”, disse Lev. “O objetivo do Natal, do Príncipe da Paz, é unir a todos, e temo que o resultado [dessa exibição] tenha sido mais divisão do que união”.
Ela também está preocupada com o fato de que, em uma época em que a Igreja tem batalhado para evangelizar (13% dos adultos estadunidenses identificam-se como “ex-católicos”), montar um presépio que convida à zombaria está trabalhando contra o objetivo da evangelização.
“O problema é que há uma efusão universal de zombarias. Eles estão zombando da Sagrada Família; as pessoas estão competindo entre si para inventar um nome mais engraçado”, disse Lev, admitindo que também fez piadas sobre a cena. “A Igreja Católica tem uma incrível tradição de beleza e, ainda assim, após um ano de dificuldades, colocamos algo que faz as pessoas zombarem de Jesus”.
Nem todos não gostaram da tela: um usuário do Twitter disse que as figuras em tons claros eram “lindas” e “quase medievais”. Tommy Tighe, o autor de The Catholic Hipster Handbook, deleitou-se com a “estranheza” da cena, tuítando: “você não pode ser do tipo ‘uma razão pela qual o catolicismo manda (rules) é porque é estranho’ e então não amar o presépio do Vaticano, ESPECIALMENTE O ASTRONAUTA”. Ele brincou dizendo que penduraria imagens de Jesus e Maria em trajes espaciais ao redor de sua casa.
you can’t be like “one reason catholicism rules is because it’s weird” and then not love the vatican nativity scene ESPECIALLY THE ASTRONAUT pic.twitter.com/lTOVx0MvZX
— tommy (@theghissilent) December 11, 2020
Lev disse que teria preferido ver o Vaticano exibir um presépio com uma estética mais tradicional, que fosse menos distante das figuras realistas usuais e, portanto, menos aberto a diferentes interpretações. Ela acha que em um ano em que as pessoas se sentem excluídas da Igreja e dos sacramentos, seria especialmente importante retornar às raízes medievais da cena. Relatos medievais detalham como, na primeira recriação do presépio, organizada por São Francisco de Assis, alguém ficou tão comovido que teve uma visão mística do menino Jesus deitado na manjedoura.
Com as figuras cilíndricas menos representativas e mais distantes deste ano na Praça São Pedro, “nós nos distanciamos para ver o menino Jesus”, disse ela. “Depois de um ano de igrejas fechadas, eu não acho que o ‘papel higiênico Jesus’ vai solucioná-lo”.
O presépio do Vaticano permanecerá em exibição na Praça São Pedro até a Festa do Batismo do Senhor em 10 de janeiro de 2021.
