14 Dezembro 2020
"Esta pandemia de Covid-19 nos revelou. Pensávamos que éramos onipotentes (idolatria!) e bastou um vírus para nos colocar em crise. Construímos um sistema econômico-financeiro-militarizado que não permite mais que o planeta respire. E a natureza se rebela por meio desse 'diabrete' que ataca nossos pulmões e nos mata. Esse nosso Sistema não só não permite que o planeta respire, mas também não o permite aos empobrecidos. O ícone disso se tornou o afro-americano George Floyd que, sob o joelho do policial, morre gritando: 'I can’t breath' (não consigo respirar)", escreve Alex Zanotelli, padre e missionário comboniano no Sudão e no Quênia, em artigo publicado por Avvenire, 12-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Estamos em pleno Advento, um tempo em que somos constantemente convidados a despertar do sono, a abrir os olhos, a ler os sinais dos tempos, mas sobretudo a vigiar. Nunca como hoje necessitamos desta espiritualidade forte, porque vivemos um momento de mudança de época: está em jogo a própria vida da humanidade. E todos nos sentimos um pouco confusos, desorientados ... Nós também, como os judeus, que acabaram de voltar do exílio: “Apalpamos as paredes como cegos, e como os que não têm olhos andamos apalpando; tropeçamos ao meio-dia como nas trevas ... Todos nós bramamos como ursos, e continuamente gememos como pombas; esperamos pelo juízo, e não o há; pela salvação, e está longe de nós” (Isaías, 59, 10-11).
Esta pandemia de Covid-19 nos revelou. Pensávamos que éramos onipotentes (idolatria!) e bastou um vírus para nos colocar em crise. Construímos um sistema econômico-financeiro-militarizado que não permite mais que o planeta respire. E a natureza se rebela por meio desse “diabrete” que ataca nossos pulmões e nos mata. Esse nosso Sistema não só não permite que o planeta respire, mas também não o permite aos empobrecidos. O ícone disso se tornou o afro-americano George Floyd que, sob o joelho do policial, morre gritando: "I can’t breath" (não consigo respirar). E assim não respira o planeta, não respiram os “descartados” e nós também não respiramos mais. Ficamos tão assustados com a “primeira onda” do vírus, mas passado o perigo, voltamos imediatamente à “normalidade”: férias no exterior, vida noturna, festas ...
E a “segunda onda” logo chegou, sob a qual ainda estamos gemendo, mas desejando voltar o mais rápido possível para viver como antes. Queremos uma terceira?
Todos agora colocam sua confiança na vacina. “O principal erro de quem se concentra exclusivamente em uma ainda incerta profilaxia vacinal em massa - avisa um verdadeiro especialista, Ernesto Burgio - é esquecer que as pandemias são dramas sócio-sanitários e econômico-financeiros que não podemos evitar sem reduzir as verdadeiras causas: desmatamento, bioinvasões, mudanças climáticas e desastres sociais (a partir das imensas favelas do hemisfério sul)”. Só na África, mais de 200 milhões de pessoas vivem em favelas assustadoras! Em poucas palavras, ou mudamos o sistema ou todos pereceremos. A natureza continuará! Mas 10% do mundo (nós também estamos nele) não quer mudar.
É a mesma história que encontramos nas histórias bíblicas. No relato mítico do Gênesis, Noé tentava persuadir seu povo a mudar seu modo de vida. Mas ninguém (exceto sua família) lhe deu ouvido e veio o dilúvio. Também Jesus, que convidava seu povo a mudar de rumo, retorna ao relato paradigmático de Noé: “E, como aconteceu nos dias de Noé, assim será também nos dias do Filho do homem. Comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, e veio o dilúvio” (Lucas, 17,27). E veio o dilúvio de fogo das legiões romanas que varreu Jerusalém e dispersou o povo de Jesus. Mas também o profeta do Apocalipse afirma que apesar dos muitos “flagelos” que atingiram o Império Romano (fruto da rapacidade e voracidade de Besta), "o restante da humanidade que não morreu por essas pragas nem assim se arrependeu das obras das suas mãos” (Apocalipse, 9,20). Nós também, mesmo provados e podados por esta pandemia, não queremos mudar de direção, dar meia volta. E o tempo que temos é curto.
Os cientistas nos dão dez anos para sair do carvão e do petróleo e seguir o caminho das energias renováveis. Mas não basta: é igualmente importante o estilo de vida dos 10% do mundo que consome rapidamente 90% dos bens. Se os empobrecidos vivessem como nós, precisaríamos de mais dois ou três planetas Terra. Da mesma forma, as armas que produzimos e as guerras que travamos: elas pesam no ecossistema. Precisamos desmontar nossos arsenais. Mas tanto nós quanto nossos governos não queremos mudar de rumo e, portanto, terminaremos no abismo.
A advertência do Papa Francisco na encíclica Fratelli Tutti é clara e dura: "Passada a crise sanitária, a pior reação seria cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta. Oxalá não seja mais um grave episódio da história, cuja lição não fomos capazes de aprender. Oxalá não nos esqueçamos dos idosos que morreram por falta de respiradores, em parte como resultado de sistemas de saúde que foram sendo desmantelados ano após ano. Oxalá não seja inútil tanto sofrimento, mas tenhamos dado um salto para uma nova forma de viver”.
Eis a esperança que anima este tempo de Advento. Só assim poderemos celebrar dignamente o Natal de Jesus, que veio ensinar-nos outro caminho: "avisados num sonho para que não voltassem para junto de Herodes, partiram para a sua terra por outro caminho" (Mt 2, 12).
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Que o Advento nos ajude a entender que devemos mudar de direção - Instituto Humanitas Unisinos - IHU