09 Dezembro 2020
Ao descrever o povo do Advento”, Alfred Delp, poucos meses antes de ser enforcado por Hitler na prisão de Berlim, em 1944, escreveu: “O Advento é o tempo de estimular. A humanidade é chacoalhada para as profundidades, então nós despertamos para a verdade. A primeira condição para um frutífero e recompensador Advento é a renúncia, a entrega”.
O artigo é de Leo O'Donovan, doutor em Teologia, presidente emérito da Georgetown University e diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados nos EUA, publicado por National Catholic Reporter, 07-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O romance “A peste”, de Albert Camus, descreve como a pandemia que atingiu a cidade de Oran nos anos 1940 devastou os cidadãos, deixando-lhes com um sentimento de exílio e aprisionamento. Tal senso de aprisionamento no nosso tempo pandêmico levou-me a lembrar dois grandes jesuítas que também estiveram aprisionados – e no Advento.
O primeiro é o padre Pedro Arrupe, amado e carismático líder dos Jesuítas (nosso “superior-geral”, mas sem qualquer conotação militarista) de 1965 a 1983. As conquistas do seu serviço – não apenas a criação do Serviço Jesuíta aos Refugiados – levaram a sua canonização. Mas há um mês de sua longa vida que eu recordo especialmente hoje: um mês de aprisionamento.
Nascido em Bilbao, na Espanha, em 1907, Arrupe entrou nos jesuítas em 1927. Quando era um jovem padre foi enviado ao Japão como missionário em 1938. Depois do bombardeio japonês a Pearl Harbor, ele foi preso no Advento de 1941, sob acusações de espionagem. Confinado em uma solitária por 33 dias, ele viveu um mês “no qual”, escreveu mais tarde, “mais aprendi em toda minha vida”.
Outra grande lição para ele veio em 1945, quando os Estados Unidos jogaram a primeira bomba atômica sobre Hiroshima, onde o padre Arrupe era o diretor de noviços. Você conhece as cenas da cidade devastada – ruínas físicas além do persistente sofrimento humano. Padre Arrupe falou disso como “uma experiência para fora da história”. Sua resposta foi dada por seus noviços imediatamente nas ruas da cidade para cuidar dos feridos. Foi um calvário em agosto.
Eu lembro de outro grande jesuíta, também nascido em 1907 e também preso no Advento. Seu nome era Alfred Delp, e ele nasceu em Mannheim, Alemanha, de uma mãe católica e um pai luterano. Depois de decidir se tornar católico, ele trabalhou em colégio/ginásio clássico da Alemanha e em 1926, menos de um mês depois de se graduar, entrou para a Companhia de Jesus. Ele era um jovem brilhante, embora um tanto indisciplinado e às vezes arrogante, barulhento e se destacava na maioria das coisas para as quais se dedicava. Ele estudou filosofia em Pullach, perto de Munique, foi então prefeito em dois internatos jesuítas diferentes e seguiu seus estudos de Teologia primeiro em Valkenburg, Holanda, e depois em Frankfurt. Ordenado em 1937, ele deveria ter estudado Filosofia na Universidade de Munique, mas o administrador nazista da universidade não permitiu, e então ele foi enviado para trabalhar no jornal jesuíta Stimmen der Zeit. Quando a Gestapo forçou o fechamento dessa publicação, ele se tornou pastor – uma pessoa muito querida – em uma paróquia em Munique.
Durante esse tempo, ele entrou em contato com um grupo que se reunia em torno do conde Helmuth James von Moltke para discutir a reconstrução da Alemanha depois do que seus membros consideravam certa a queda de Hitler. Ele também visitou o conde Claus von Stauffenberg, embora Delp não soubesse do plano de von Stauffenberg para matar Hitler em 20 de julho de 1944. Sete dias depois dessa tentativa fracassada, sob a acusação de traição e sedição, Delp foi preso após a missa e enviado para a prisão em Berlim, na maior parte do tempo no bairro Tegel da cidade.
Embora preso com as mãos acorrentadas, ele conseguiu contrabandear uma variedade de notas e meditações para fora da prisão. Lê-los é testemunhar o nascimento de um mártir. Quando foram publicados depois da guerra em um volume chamado In the Face of Death, Thomas Merton os julgou como “possivelmente as mais perspicazes meditações cristãs de nosso tempo”.
O jovem jesuíta sofreu espancamentos, depressão, fome, severo confinamento (sua cela era muito pequena), insônia e muita ansiedade. Mas de vez em quando ele conseguia celebrar a missa e escreveu: “De vez em quando, todo o meu ser é inundado de vida pulsante e meu coração mal pode conter a alegria delirante que há nele. De repente, sem qualquer causa que eu possa perceber, sem saber por que ou com que direito, meu ânimo disparou novamente e não tenho dúvidas de que todas as promessas [da temporada] são válidas”.
“Nunca entrei no Advento tão vitalmente e intensivamente alerta como eu estou agora”, escreveu. “Quando eu ando na minha cela, para cima e para baixo, três passos para um lado e três para outro, minhas mãos algemadas, um destino desconhecido frente a mim, então as notícias da vinda do nosso Senhor para redimir o mundo e salvá-lo foram bastante diferentes e com significado muito mais vívido”. Ele escreveu de forma bela sobre as grandes figuras deste tempo, João Batista, por exemplo, “o homem chorando no deserto”, e Maria, “Nossa Senhora abençoada”.
Mas descrevendo “o povo do Advento”, Delp também escreveu: “O Advento é o tempo de estimular. A humanidade é chacoalhada para as profundidades, então nós despertamos para a verdade. A primeira condição para um frutífero e recompensador Advento é a renúncia, a entrega”. Seu advento não foi um Advento de canções alegres e nostálgicas meditações – embora ele tivesse total simpatia por antigos símbolos e práticas. “Acender as velas silenciosamente, aquelas que você possui, onde quer que esteja”, porque elas simbolizam este tempo, escreveu ele, na esperança de ser ouvido. Mas também, e talvez o mais impressionante de tudo: “A menos que tenhamos ficado profundamente chocados com nós mesmos e com as coisas de que somos capazes, bem como com as falhas da humanidade como um todo, não podemos compreender a plena importância do Advento”.
Em 8 de dezembro de 1944, para sua imensa alegria, Delp foi autorizado, de mãos atadas, a colocar seus votos finais como jesuíta nas mãos delegadas de seu grande amigo jesuíta, padre Franz von Tattenbach. Mas menos de dois meses depois, na Festa da Apresentação de Jesus ao Templo, após um julgamento simulado em uma atmosfera de inimizade horrenda, ele foi enforcado na prisão de Berlin-Plöetzensee. Sob o comando de Hitler, suas cinzas foram espalhadas aos ventos de Berlim – para que ele nunca pudesse ser lembrado.
Amigos do tempo do Advento, não merecemos figuras como Pedro Arrupe e Alfred Delp além dos outros arautos da vinda de Deus, como Isaías, João, os anjos, Maria. Mas eles nos são dados. Não para encantar e enganar, ou distrair da angústia, mas para clamar: “Andemos no caminho do Senhor!” “Nossa salvação está mais próxima agora do que acreditávamos”. “Vigiai! Esteja preparado!”. Pois o Filho do Homem vem. A própria Palavra de Deus em carne como a nossa. O reordenamento de tudo, o nascimento da verdadeira humanidade, o verdadeiro começo, finalmente, finalmente, antes de nós, de um novo céu e uma nova terra.
Vamos nos apressar em nossa vigília e receber o presente que se aproxima!
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Aprisionado no advento. Artigo de Leo O'Donovan, s.j. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU