23 Junho 2020
"A linguagem não é técnica filológico-exegética, mas reflexiva e geral. Ravasi observa como as palavras de Maria sejam "marginais" nos textos do Evangelho: 16 versículos com 154 palavras gregas (das quais 102 expressas no Magnificat) das 19.404 do Evangelho de Lucas e das 15.416 de João. Ravasi repercorre "cronologicamente" sua expressão, seguindo Maria em seu caminho de fé", escreve Roberto Mela, em artigo publicado por Settimana News, 21-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Ó Senhor, eu serei a sua música”, diz um belo verso do poeta elisabetano John Donne (1571-1631) citado pelo card. Ravasi em seu enésimo volume de reflexões bíblicas, pontuado como sempre por numerosas citações literárias, pictóricas e musicais em especial. Sete as palavras de Maria comentadas, uma das quais feita de silêncio, expressa com "ficou de pé" sob a cruz de seu Filho. O autor as enquadra brevemente em seu contexto.
A linguagem não é técnica filológico-exegética, mas reflexiva e geral. Ravasi observa como as palavras de Maria sejam "marginais" nos textos do Evangelho: 16 versículos com 154 palavras gregas (das quais 102 expressas no Magnificat) das 19.404 do Evangelho de Lucas e das 15.416 de João. Ravasi repercorre "cronologicamente" sua expressão, seguindo Maria em seu caminho de fé.
A primeira palavra (Lc 1,34) é a pergunta para esclarecer a modalidade de realização do plano de Deus dentro do projeto matrimonial de Maria. Pronta em Lc 1,38, a expressão da disponibilidade total da "serva/doulē do Senhor", como "servos de YHWH", haviam sido vários personagens do AT (principalmente do sexo masculino), com grandes tarefas na história da salvação. Lembro, no entanto, que somente aqui está a expressão "a serva" de YHWH com o artigo, caso único na Bíblia.
A visitação, na qual Maria é proclamada por Elizabeth "a crente", segue a explosão do canto do Magnificat. À terceira palavra de Maria (Lc 1,46-55) Ravasi dedica as p. 49-90, propondo uma análise literária geral, seguida de alguma consideração versículo por versículo.
Embora fruto da piedade da comunidade primitiva e entrelaçado com referências ao AT, o cântico combina bem com Maria. Ela canta a graça imerecida de YHWH em sua pequenez e a escolha paradoxal de YHWH, mas constante na história da salvação, de instrumentos "fracos" para realizar seus planos. No Magnificat, é cantada a inversão da mentalidade humana típica do reino de Deus, mas que já inicia a partir de agora. Os sete aoristos usados como um martelo indicam a pontualidade de implementação, mas, segundo Ravasi, sendo também aoristos gnômicos, também atestam aquela que é a maneira usual de agir de YHWH em relação à humanidade.
A busca dolorosa e penosa (odinōmenoi, Lc 2,48) - mais que de dois "ansiosos" (segundo a CEI 2008, angustiados) - pelos dois pais por Jesus "envolvidos nas coisas de seu Pai", mostra seu esforço em compreender pessoa e o caminho do Filho de Deus, que sempre será acompanhado em sua vida pelo afeto e pela fé de Maria e José.
Nas bodas da Galiléia (Jo 2, 1-11), Maria desempenha não apenas uma função providencial, como uma solução para o drama de dois jovens esposos que ficaram sem vinho durante a festa, mas o de promover a instauração de uma nova aliança da Igreja-noiva (nunca nomeada) com o verdadeiro Noivo na celebração da abundância das núpcias messiânicas. Maria é convidada por Jesus a sair do plano das relações familiares e da busca de sinais prodigiosos para o da implementação da história da salvação, que vê em Canaã ter o começo (assim disse, o benemérito Segalla) daquela Hora (que vem apenas pela vontade do Pai ...), que encontrará seu clímax no Gólgota. Naquele momento, o termo "mulher" será usado pela segunda vez, no vocativo gynai. Com seu brusco "o que temos nós em comum, mulher?" Jesus não se mostra hostil com Maria, mas com um fraseado tipicamente hebraico, revela as diferentes perspectivas de pontos de vista e convida a mãe a se sintonizar com o dele.
Maria, por sua vez, com sua sexta palavra, convida os "diáconos", a fazer tudo o que Jesus possivelmente disser (Jo 2,5). Com isso, o evangelista João alude à função providencial de José no Egito e à vontade de Israel de "ouvir e fazer" as dez palavras que YHWH doará no Sinai durante a estipulação da Primeira Aliança.
Sob a cruz (Jo 19,26-27) acontece uma cena de revelação-vocação-missão que não tende tanto a recordar cronologicamente um testamento filial e uma entrega de Maria à custódia humana do Discípulo Amado, quanto à revelação da face da Igreja mãe. que no momento do abandono/desapego de Jesus à beira da morte se torna fecunda de sempre novos filhos. A mulher/gynai torna-se mãe fecunda de modo novo (cf. Ap 12).
É uma palavra silenciosa aquela sétima de Maria sob a cruz. É expressa em seu "ficar de pé", de maneira firme e estável. Stabat Mater dolorosa, honrarão com piedade os autores em uma infinidade de obras musicais a mãe que contempla o Filho, na constância de quem não foge, mas aceita o mandato do Filho de Deus.
A tradição popular e a piedade pela Madre Maria viram explicitar o silêncio da mãe dolorosa. Jacopone da Todi é um mestre nisso: "Figlio bianco e vermiglio,/ Figlio senza simiglio/ Figlio a chi m’apiglio?/ Figlio, m’hai lassato./ Figlio bianco e biondo/ Figlio, volto iocondo,/ Figlio, perché t’ha ’l mondo,/ Figlio così sprezzato?/ Figlio dolze e placente,/ Figlio de la dolente,/ Figlio, hatte la gente/ malamente trattato“(citação na p. 131).
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As sete palavras de Maria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU