19 Novembro 2019
"Basicamente, existem três maneiras de edificar uma teologia das religiões, na consciência da delicadeza da questão, mas também na certeza de que agora, em um nível sério e qualificado, passamos do confronto ao encontro, do anátema ao diálogo", escreve Gianfranco Ravasi, cardeal italiano e prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 17-11-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O cardeal lembra "que esses binômios estavam nos títulos de ensaios bem conhecidos do teólogo belga Jacques Dupuy, especialista máximo (e às vezes contestado) no assunto, e do filósofo francês Roger Garaudy".
Já na época - estamos no final do século XVI - Francis Bacon, em seu famoso Ensaios chegava a esta amarga consideração: "A fama é como um rio, que mantém à superfície as coisas leves e infladas, e arrasta para o fundo as coisas pesadas e sólidas". Acontece assim, portanto, que algumas figuras de humanidade sólida e profunda sejam submersas pelas ondas do esquecimento, especialmente quando - como acontece em nossos dias - essas ondas fluem freneticamente. Felizmente, às vezes até o tipo de tese (agora em declínio de qualidade: basta examinar alguns dos cursos de três anos!), pode repescar do fundo do rio algum personagem não aclamado, mas culturalmente “pesado e sólido”. É o caso de um bispo e intelectual de origem piemontesa, Piero Rossano (1923-1991), que foi na fase pós-conciliar um alto ponto de referência como exegeta bíblico, teólogo refinado, animador do diálogo inter-religioso e intercultural. Tendo tido a sorte de conhecê-lo e colaborar com ele, embora por um curto período de tempo, posso atestar quão surpreendente fosse a riqueza de seu conhecimento, a perspicácia de suas intuições, a genialidade de sua abordagem às outras religiões e culturas.
Giulio Osto, La testimonianza del dialogo.
Piero Rossano tra Bibbia, religione e cultura,
Glossa, Milano, p. 692, € 40
Quem o traz de volta ao palco é justamente uma tese de graduação (esta, porém, de grande qualidade) na Pontifícia Universidade Gregoriana, realizada por Giulio Osto, de Pádua, que atualmente ensina na Faculdade Teológica do Triveneto. Recorrer ao gênero da dissertação para classificar o seu trabalho é, no entanto, redutivo, porque a pesquisa imponente e minuciosa subjacente ao texto o transforma em uma perfeita biografia que segue todos os caminhos de uma personalidade que sempre se moveu entre a Bíblia, as religiões e culturas (e o plural é significativo). Estes, aliás, são os temas que especialmente hoje se emaranham, revelando-se abrasadores, mas necessários.
Osto recorre a um símbolo para delinear o layout de seu retrato de monsenhor Rossano, ou seja, os três arcos de uma ponte: "o primeiro consiste em um relato fundamentado da vida do autor, o segundo da análise meticulosa de todos os seus escritos e, finalmente, o terceiro arco de uma retomada sistemática e crítica dos inúmeros dados coletados". Nesse itinerário, o autor procede sustentado também por um estilo quase narrativo que permite descobrir uma galeria de figuras, encontros, temas, eventos, ângulos remotos e plateias públicas, sempre à insígnia de uma palavra que será atribuída a esse bispo como apelido, “Monsenhor diálogo”.
Um diálogo que já havia começado com sua primeira tese em Literatura Clássica, em Turim, que o havia introduzido no terreno da contaminação entre Atenas, Jerusalém e Roma. Esse será o triângulo que manterá sua pesquisa por um longo tempo, destinada depois a se abrir para outras civilizações, da hebraica à muçulmana, da hindu à budista, até as religiões da África e da Ásia. Na base havia a convicção de que o Evangelho fosse por excelência diálogo e a calibração dessa dimensão - que já havia envolvido os primeiros intelectuais e pastores do cristianismo (os Padres da Igreja) - Rossano consagrará não apenas suas investigações teológicas, mas também seu empenho como professor e depois reitor universitário e responsável no Vaticano pela então Secretaria para os não cristãos, criada em 1964 por Paulo VI e transformada, em 1988 por João Paulo II, no Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso.
Rémi Chéno, Dio al plurale.
Ripensare la teologia delle religioni,
Queriniana, Brescia, p. 120, €14
Osto, no entanto, concentra-se principalmente na reelaboração teórica que Rossano criou em torno do confronto com as diferentes crenças, para que pudesse ser fecundo e evitar os dois rochedos extremos do fundamentalismo e do sincretismo, contra os quais o navio do diálogo, nos nossos dias, não raras vezes se encalha ou se despedaça. Dado que evocamos esse nó capital no pensamento e na obra de uma pessoa de grande requinte, mas também de intensa paixão, reservamos um aceno ao quadro geral da recente discussão teológica sobre a pluralidade das religiões. Fazemos isso remetendo a uma síntese - não totalmente bem-sucedida e eficaz, apesar (ou talvez por causa) de sua intenção mais genérica - intitulada justamente Dio al plurale (Deus no plural, em tradução livre) proposta por Rémi Chéno, dominicano francês que vive no Cairo, em contato com o mundo muçulmano.
Basicamente, existem três maneiras de edificar uma teologia das religiões, na consciência da delicadeza da questão, mas também na certeza de que agora, em um nível sério e qualificado, passamos do confronto ao encontro, do anátema ao diálogo.
Lembramos, entre outras coisas, que esses binômios estavam nos títulos de ensaios bem conhecidos do teólogo belga Jacques Dupuy, especialista máximo (e às vezes contestado) no assunto, e do filósofo francês Roger Garaudy.
O primeiro caminho é o "exclusivista", segundo o qual Cristo é o único e exclusivo mediador da salvação, oferecida na Igreja, que é sua "corpo” presente na história. Desse núcleo, portanto, outras religiões seriam excluídas, sem, no entanto, impedir que se possa abrir uma passagem através de um voto pessoal implícito de adesão para os não-cristãos que vivem de acordo com a justiça, a moral e a integridade. Nesta categoria, mas com muitas distinções, Chéno atribui o pensamento do famoso teólogo protestante Karl Barth.
Muito mais explícito é o representante da segunda via, aquela do "inclusivismo": o igualmente famoso teólogo alemão Karl Rahner com sua definição dos "cristãos anônimos". Se, como diz São Paulo, "Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade", os vários caminhos religiosos são inseridos nesse plano divino universal de salvação, que é implementado em Cristo, mas no qual se participa seguindo a própria fé, que não é mais um obstáculo, mas um meio eficaz.
Por fim, especialmente a partir do ensaio do teólogo britânico John Hick de título emblemático, Dio hà multi nomi (Deus tem muitos nomes, em tradução livre, de 1982, traduzido pela editora Fazi em 2014), configurou-se a via "pluralista", seguida por outros estudiosos, como o conhecido pensador Raimon Panikkar. Todas as religiões idealmente convergem para o centro que é Deus. Ele estende os braços de seu amor a todos, pelos quais - como Chéno escreve - "não se trata mais de definir o que seria a fé ‘boa’, mas de reconhecer a ‘boa fé’ dos verdadeiros crentes". Cristo - para usar uma expressão de Hick - é, sim, totus Deus, "totalmente Deus" que expressa o amor divino, mas não é o totum Dei, "a totalidade de Deus" que também se manifesta em suas outras suas ações de amor.
Outras articulações floresceram em torno dessa trilogia, como a "abordagem pós-liberal" delineada por Chéno, que chega a outras propostas, sem alterar o princípio de que "o diálogo das religiões não é uma bricolagem" e nem mesmo um afundar no pântano do relativismo. O retorno, portanto, a figuras como Rossano, com seu rigor intelectual entrelaçado com a paixão testemunhal do encontro, pode ser um antídoto contra todo atalho fundamentalista ou sincretista (interessante, em geral, foi a descoberta, de parte de Rossano, de um pensador austríaco original e ignorado como Ferdinand Ebner).
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Monsenhor Diálogo” e o Deus plural. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU