03 Junho 2020
"Não são reações novas, pois não são imagens totalmente inéditas: as recorrências da história existem e as epidemias dos séculos passados também falam para a sensibilidade de homens e mulheres de 2020", escreve Claudio Ferlan, pesquisador em História do Cristianismo no Instituto Histórico ítalo-alemão da Fundação Bruno Kessler (FBK-ISIG), em Trento, em artigo publicado por La Lettura, 31-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Estamos aprendendo a nos familiarizar com imagens que, até recentemente, talvez tivéssemos descartado como carnavalescas: nos Estados Unidos Tim Pelc, pároco de Saint Ambrose (Detroit) borrifa os fiéis à distância com uma pistola carregada de água (benta); Mario Brotini, pároco de San Miniato (Pisa), brande um ramo de oliveira para abençoar casas e pessoas andando pela cidade em um Fusca com o capô aberto, depois de ter comunicado aos cidadãos via WhatsApp o horário da passagem. No mundo católico, as reações foram muito variadas, incluindo a condenação por blasfêmia e o elogio da elasticidade pastoral, para espelhar as diferenças de pontos de vista que coexistem com dificuldade tanto entre o clero como entre os fiéis.
Não são reações novas, pois não são imagens totalmente inéditas: as recorrências da história existem e as epidemias dos séculos passados também falam para a sensibilidade de homens e mulheres de 2020. Vamos a Gorizia, uma encruzilhada entre o mundo austríaco, italiano e eslavo, todos época do nosso relato um território dos Habsburgo. Em 18 de maio de 1682, um desafortunado comerciante, Primos Velicogna, morreu perto de Gorizia. Ele vinha de Varaždin (hoje Croácia), onde havia comprado um cavalo de comerciantes locais.
Quando ele foi a Udine para participar de uma feira, passou mal e caiu daquele cavalo várias vezes; um médico achou que esse era o motivo de sua morte, mas, na realidade, Velicogna estava com a peste. Ele era paciente zero, mas isso só foi entendido a posteriori, apesar do fato de as autoridades de Gorizia já terem sido alertadas quatro anos antes: uma epidemia virulenta se espalhava das terras otomanas e seguia para o norte através da Hungria e Croácia. Para entender a gravidade da situação foi necessário pelo menos um mês e a morte de um padre, Giovanni Martinelli.
Também vimos isso nos últimos meses: os membros do clero estão entre os mais expostos à infecção no caso de uma epidemia, muitos deles vivem em contato com os mais frágeis e com os doentes. A vida religiosa de Gorizia no final do século XVII era fortemente caracterizada pela presença dos jesuítas, particularmente habilidosos em concretizar estratégias pastorais eficazes. Para combater o contágio, lacraram as primeiras pias batismais, para que ninguém submergisse as mãos sujas. Se eles tinham ferramentas adequadas para a bênção à distância, não o sabemos. Em 25 de junho, eles fecharam sua escola, logo seguidos pelos poucos professores particulares presentes na cidade.
O passo seguinte foi barrar as portas de todas as igrejas, prevendo que só se poderia celebrar nas maiores praças da cidade. A medida não foi bem recebida por todos; agora como então, quando se elevaram vozes de protesto, o eco daquelas do século XVII nos atinge através dos versos iniciais de um soneto escrito em dialeto friuliano pelo padre Giovanni Maria Marusig: “A sino rivaz, Ó Dio, ó Madona, che la messa se dis in miez da plaza?" (Chegamos a isso, ó Deus, ó Nossa Senhora / que a missa seja celebrada no meio da praça?).
O fechamento dos edifícios não foi suficiente para limitar a disseminação da infecção e a necessidade de estabelecer uma quarentena mais estreita impôs novas soluções, como a de preparar um altar portátil para celebrar a Eucaristia, literalmente, diante das casas dos fiéis. Foram os jesuítas que a pensaram, mas certamente não se tratava de uma invenção do momento. Por ocasião de um contágio menos virulento que se espalhou em Gorizia em 1623, os próprios jesuítas usaram altares móveis para levar a missa àqueles que queriam assisti-la olhando pela janela de casa. Eles o fizeram apesar das autoridades da cidade terem ordenado o fechamento de todas as igrejas, exceto a deles. Encontramos testemunhos semelhantes, apenas para dar mais um exemplo, também em Mântua, em 1576, atingida como grande parte da Lombardia pela chamada Peste de San Carlo.
Vamos voltar a Gorizia, onde o protagonismo dos jesuítas foi apenas parcialmente refreado pela quarentena imposta a eles pela morte do porteiro do colégio (Augustin Keller), datada de 31 de agosto de 1682. Apenas parcialmente refreado porque um deles, Carlo Andriusio, viveu por um longo tempo em um leprosário, um local de sofrimento e morte, mas também de milagres, de acordo com os documentos da época em que a fé em São Francisco Xavier permitiu que uma mulher infectada tivesse um parto feliz e ela mesma ficasse curada. De qualquer forma, depois de apenas oito dias de isolamento, os padres da Companhia de Jesus foram legitimados a retomar suas cerimônias cotidianas na praça. O trabalho de assistência continuou, na forma de oração e distribuição de agasalhos para o inverno, adequadamente higienizados pela fumigação.
A coleta de esmolas também continuou a florescer, testemunhando talvez que nos séculos passados o sistema funcionava melhor do que hoje. Certas pressões para a reabertura de igrejas em abril de 2020, de fato, parecem estar estreitamente ligadas à redução das receitas do período quaresmal, tradicionalmente o mais rico em ofertas.
A situação em Gorizia não mostrou sinais de melhora por alguns meses, registrando episódios de óbvia impaciência: em 14 de novembro, um soldado (na ausência de drones, vigiava em pessoa) soltou um tiro de mosquete contra alguém culpado de não respeitar a clausura; algumas mulheres culpadas da mesma falta foram mandadas para casa depois de serem espancadas. No dia seguinte, o núncio apostólico na Áustria, Francesco Bonvisi, ordenou uma estrita limitação às missas nas praças. Os desenhos que as retratam mostram o celebrante no altar, auxiliado por um único acólito, enquanto portões e cercas impedem que os fiéis se aproximem. Uma exceção foi feita no dia de Natal, quando cada distrito tinha sua própria celebração, sempre ao ar livre: alguns em uma praça, outros no pátio da igreja.
Somente no início de 1683 a ameaça foi reduzida, tanto que em 21 de fevereiro foi organizada uma procissão em homenagem a São Francisco Xavier: a epidemia parecia ter sido erradicada e muitos participaram.
Em 14 de março, os jesuítas celebraram a primeira missa solene após o surto do mal e em 26 de março também reabriram sua escola. A peste foi terrível e causou mais de 800 vítimas na área, quinhentas na cidade, habitadas na época por uma população estimada entre 3 mil e 4 mil habitantes. A maioria dos nobres havia ido embora imediatamente, deixando a gestão imediata da crise nos ombros das poucas autoridades civis que ficaram e nos religiosos, para quem as igrejas fechadas e a quarentena não impediram de entrar nas casas das pessoas. Entrar nas casas, o que muitas paróquias tentaram fazer hoje, oferecendo missas em streaming com vídeos de qualidade muitas vezes incerta, pedindo a ajuda de jovens voluntários prontos para correr em ajuda de uma classe sacerdotal já avançada nos anos. Para ser eficaz, precisa-se de pessoas competentes, até mesmo assalariadas, capazes de organizar rapidamente a transmissão ao vivo de uma celebração, com a ajuda de câmeras e microfones profissionais, operados por técnicos competentes. Graças a essas ferramentas, a Igreja pode se tornar cada vez mais uma comunidade de eleição e não de território. Uma competência que os jesuítas do século XVII possuíam, mesmo em uma pequena cidade fronteiriça.
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O padre diante de casa para evitar a peste - Instituto Humanitas Unisinos - IHU