16 Abril 2020
“A tempestade do coronavírus vai passar, mas as escolhas que fazemos hoje mudam nossas vidas por muito tempo”. É a profecia de Yuval Noah Harari, historiador israelense de 44 anos que, com três best-sellers mundiais em rápida sucessão, Sapiens: Breve história da humanidade; Homo Deus. Breve história do amanhã e 21 lições para o século XXI, tornou-se recentemente um dos intelectuais mais seguidos do planeta. O desafio proposto pela Covid-19, segundo Harari, agora deve pressionar a humanidade a "fechar as fronteiras entre os vírus e o homem", e não entre nações, a escolher "a solidariedade global”, não o nacionalismo isolacionista, a ouvir líderes que "querem unir" seus povos, não os dividir. "Em suma, deve nos abrir, em vez de nos fechar em nós mesmos, emancipar os cidadãos, em vez de fortalecer o controle totalitário", fala ele ao La Repubblica por telefone de Tel Aviv onde mora com o marido em um moshav, as comunidades agrícolas judias semelhantes aos kibutz, praticando veganismo e meditação.
A entrevista com Yuval Noah Harari é de Enrico Franceschini, publicada por La Repubblica, 15-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Essa pandemia é a maior crise global de nossa geração, professor?
Parece definitivamente que sim. Agora, envolve o mundo inteiro e terá profundas consequências, tanto do ponto de vista da saúde quanto do econômico. A tempestade do vírus passará em algum momento, mas escolhas que fazemos hoje para enfrentá-la mudarão nossas vidas por muito tempo.
É um desafio maior do que o apresentado pela crise financeira de 2008 e pelas mudanças climáticas?
Maior que o colapso financeiro, porque não é apenas uma crise econômica, mas pode transformar todos os aspectos de nossa vida social. Não é maior que a mudança climática, porque temos as ferramentas para resolvê-la positivamente, de forma relativamente rápida em comparação com os danos causados pela poluição. Mas se fizermos as escolhas erradas, a crise do coronavírus também terá sérias repercussões a longo prazo.
Que escolhas? Parafraseando o título do seu livro mais recente, o coronavírus contém uma vigésima segunda lição?
Primeiro de tudo, dois: entre nacionalismo isolacionista e solidariedade global; e entre controle totalitário e emancipação dos cidadãos. Vamos pegar o primeiro: cada país pode tentar enfrentar a pandemia individualmente ou pode escolher um plano de ação abrangente. O segundo é escolher entre a tentação totalitária de controlar qualquer contágio de cima, com o Estado aplicando qualquer medida indiscriminadamente, ou dar aos cidadãos mais voz e responsabilidade, reconhecer que apenas uma população com alta instrução e forte senso cívico pode entender o que é necessário para parar o vírus. Espero claramente que a segunda opção prevaleça em ambos os casos, caso contrário teremos um mundo fechado sobre si mesmo, menos seguro e menos democrático.
A pandemia não levará ao fim da globalização?
Para mim, isso deve levar a uma melhor globalização. Fechar-se é a resposta errada. As pandemias também existiam em um mundo fechado como o da Idade Média, quando a Peste Negra matou um terço da população da Terra. Devemos voltar à Idade da Pedra, na qual os humanos viviam em pequenos aglomerados sem contato entre si, para ver um modelo de sociedade fechada à prova de epidemias. Hoje apenas a cooperação, a solidariedade e um esforço comum de todos podem resolver o problema e levar nossa civilização um passo adiante. As fronteiras entre os vírus e o homem devem ser fechadas, e não entre homem e homem, entre nação e nação.
No entanto, "globalização" é um termo que muitos no Ocidente continuam a considerar negativo.
A globalização não pode ser julgada em preto ou branco. Até a comida italiana é um produto da globalização. Sempre foi assim: foram os conquistadores espanhóis que levaram tomates da América Latina para a Itália. Se alguém é contra a globalização, não deveria mais comer espaguete com molho de tomate.
Você escreveu que falta liderança global neste 2020 de crises sem precedentes. No passado, nas duas guerras mundiais e ao longo do século XX, foram os Estados Unidos que a forneceram. Pode voltar a ser, se Biden derrotar Trump, ou depende de outros?
No momento, os Estados Unidos nem sequer estão tentando fornecer uma liderança global. Além do fato de Trump inicialmente negar que o coronavírus fosse uma ameaça séria e depois adiar a intervenção, mesmo agora continua dizendo "America first", primeiro a América: e ele está conseguindo o que queria, a América tornou-se a primeira nos contágios e nas vítimas. Mas mesmo que Trump perdesse e Biden chegasse à Casa Branca em novembro, a erosão da confiança nos Estados Unidos nos últimos quatro anos foi tão profunda que não será fácil nem rápido recuperá-la. Para ter liderança global, o mundo não pode esperar a cada quatro anos para ver quem é o Presidente dos Estados Unidos: é preciso contar mais com outros países e especialmente com instituições internacionais, com o multilateralismo, da ONU à União Europeia, do G20 à Organização Mundial da Saúde. Espero que a crise do coronavírus sirva também para destacar a necessidade de cooperação e solidariedade globais.
O que você acha da maneira como a Itália está lidando com a pandemia?
Vi muitos sinais encorajadores de solidariedade, de espírito comunitário, de cooperação. Também podem ser vistos, na Itália como em outros lugares, de outro tipo: incitação ao ódio contra estrangeiros, tentativas de dividir não apenas nação de nação, mas também cidadãos de um mesmo país. Quem pensa diferente de você não é mais considerado um oponente legítimo, mas um traidor da pátria. Bem, em tempos mais ou menos normais, é possível governar com 51% dos consentimentos, colocar metade mais um de um país contra metade menos um. Mas em uma crise como essa pandemia, seria catastrófico tentar fazer isso. Aqui está outra lição a ser aprendida com o coronavírus: a necessidade de liderança que una as nossas sociedades em vez de dividi-las, como os populistas e nacionalistas tentam fazer.
Mas onde você se sente melhor em casa? No seu moshav? Na cidade velha de Jerusalém? Na cosmopolita praia de Tel Aviv?
Eu moro em um moshav, uma comunidade agrícola, gosto porque é tranquilo, mas ao mesmo tempo perto de uma cidade vibrante e cosmopolita, como você a definiu corretamente, que é Tel Aviv. Vou a Jerusalém porque ensino história na Universidade Hebraica, mas a Cidade Santa é um lugar cheio de tensões, onde muitas pessoas odeiam muitas outras pessoas. Sente-se no ar. Eu não moraria lá.
A situação política em Israel está longe de ser tranquila ...
Estamos em uma época de caos, à qual o coronavírus acrescentou a tentação de manipular a pandemia para introduzir o estado de emergência, medidas especiais. É um risco que outros países também correm: a ascensão de regimes antidemocráticos sob o pretexto de combater a Covid-19.
E como é a sua disciplina diária, sugere a meditação a muitos de nós que são forçados nesses dias a permanecer trancados em suas casas?
Pratico duas horas por dia, mesmo em tempos normais, ajuda-me a ter um equilíbrio. Afinal, a meditação ajuda você a conhecer a si mesmo, suas ansiedades, seus medos, que continuam a existir, mas você aprende a conviver com eles e a controlá-los. E em tempos de grandes crises como esta, há uma grande necessidade de equilíbrio e conhecimento.
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“Fronteiras fechadas, mas apenas ao vírus”. Entrevista com Yuval Noah Harari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU