11 Abril 2020
“Esta crise escancara, se ainda havia necessidade, os limites da globalização assim como ela se desenvolveu nos últimos quarenta anos. No entanto, o retorno às fronteiras nacionais em questões econômicas seria, em muitos aspectos, uma armadilha: em primeiro lugar, reduziria o padrão de vida dos mais pobres. Além disso, a ‘desglobalização’ também enfraqueceria a humanidade diante da crise ecológica”. A análise é de Guillaume Duval, em artigo publicado por Alternatives Économiques, 07-04-2020. A tradução é de André Langer.
Com a crise desencadeada pela epidemia de Covid-19, as ideias de “desglobalização”, que retornaram à “produção francesa”, estão mais do que nunca de vento em popa. Certamente, esta crise escancara, se ainda havia necessidade, os limites da globalização assim como ela se desenvolveu nos últimos quarenta anos. No entanto, o retorno às fronteiras nacionais em questões econômicas seria, em muitos aspectos, uma armadilha: em primeiro lugar, reduziria o padrão de vida dos mais pobres. Além disso, a “desglobalização” também enfraqueceria a humanidade diante da crise ecológica.
É claro que devemos lutar incansavelmente contra os paraísos fiscais, que minaram a capacidade de ação dos Estados e aprofundaram as desigualdades. E, ao contrário do que muitas pessoas pensam, podemos conseguir isso: fizemos grandes progressos nessa área desde a crise de 2008 no âmbito da OCDE.
Certamente, temos que lutar passo a passo para unificar pelo alto as condições sociais e ambientais em escala mundial e impedir que as empresas multinacionais joguem uns países contra os outros nessas áreas. Nesse sentido, leis como a lei francesa sobre o “dever de vigilância” das empresas multinacionais podem ser ferramentas eficazes se forem estendidas ao âmbito europeu. Além disso, a mudança do modelo econômico e social da China, com o aumento dos salários e do consumo interno, já estava começando a limitar o dumping social mundial e a pressionar pela relocalização.
É claro que devemos ter o cuidado para produzir em seu próprio território os bens mais essenciais em matéria de alimentos, medicamentos, etc., para não nos encontrarmos na situação absurda e perigosa em que a França e a Europa se colocaram desde o início do ano em face da epidemia de Covid-19.
Mas isso é diferente de considerar que cada país deveria voltar a ter suas próprias empresas nacionais, ou mesmo regionais ou locais, para conceber e produzir a maioria dos bens e serviços de que precisamos.
Por trás da globalização, existe uma lógica econômica básica que não é (apenas) a do grande capital: conceber produtos e fabricá-los para 7 bilhões de seres humanos, isso permite que sejam vendidos (significativamente) mais baratos do que fazê-lo para apenas 66 milhões de franceses. E é ainda mais verdade que o desenvolvimento e a produção desses bens são intensivos em investimentos materiais (máquinas) e imateriais (P&D). Por esse motivo, há uma boa chance de que um mundo verdadeiramente “desglobalizado” também seja aquele em que as pessoas – quase todas – sejam mais pobres.
É por isso que não se deve confundir relocalização da economia – essencial de fato em muitos setores – e “desglobalização”. O desafio é conseguir relocalizar com sucesso a produção e disciplinar as multinacionais, sem necessariamente fechar as fronteiras: multinacionais como McDonald's ou Coca-Cola são, assim, por exemplo, empresas já muito locais em termos de produção (sim, eu sei, estes não são exemplos em muitas outras áreas, em particular na saúde pública).
Há também outro desafio para os europeus: garantir que as multinacionais que atendem ao mercado mundial em setores de futuro que são muito intensivos em investimentos de alta tecnologia não sejam apenas chinesas ou americanas. Mas aqui também não é a nível nacional, e menos ainda a nível regional ou local, que podemos esperar resolver este problema: só podemos lidar com ele de forma eficaz com mais integração europeia.
Finalmente, last but not least, a maioria dos principais problemas de saúde pública, como a epidemia de Covid-19, e ecológicos que enfrentamos, a começar naturalmente com o das mudanças climáticas, só pode ter soluções em escala mundial e através da cooperação internacional. Se o resultado da atual crise é um crescente questionamento dessa cooperação e das instituições multilaterais que a organizam, através do fechamento das fronteiras econômicas, a humanidade terá menos probabilidade de sair dela do que antes. E os únicos que realmente poderiam se alegrar com a situação assim criada seriam Trump, Salvini, Orbán e outros Le Pen...
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Cuidado com as ilusões da “desglobalização” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU