25 Março 2020
O sacerdote jesuíta e atual habitante do acampamento de emergência em La Chimba (que ele ajudou a formar) [Antofagasta, Chile], Felipe Berríos, conversou com El Mercurio de Antofagasta para falar sobre a situação local e nacional, após a explosão de 18 de outubro e a atual emergência pelo avanço da COVID-19.
Para Berríos, a melhor maneira de superar a crise de saúde vivida pelo país é simplesmente seguir ao pé da letra as recomendações das autoridades, independente do setor político. Hoje, o importante, disse, é sobreviver.
A entrevista é publicada por El Mercurio de Antofagasta, 21-03-2020. A tradução é do Cepat.
Qual é a situação vivida no interior dos acampamentos de Antofagasta, depois que se confirmou dois casos positivos da COVID-19 na cidade?
Há preocupação, muita preocupação. Acredito que se insiste muito e com razão em que é necessário lavar as mãos, muitas vezes e por um longo tempo, mas aqui não temos água, só a que vem dos caminhões pipa, então, aqui, costuma-se a não utilizar muita água, razão pela qual o tema dos contágios é uma preocupação constante.
Além disso, aqui, as casas são muito pequenas para se ficar em quarentena dentro delas. Contudo, é preciso atender as autoridades pelo bem de todos e procurar seguir ao máximo as medidas que o Ministério da Saúde estabeleceu.
Considera que as autoridades estão à altura do desafio que a situação merece, e que atuaram com prontidão nas medidas de prevenção e controle do vírus?
Já passei por muitas catástrofes quando estava em Um Teto para o Chile, seja aqui no país ou em outros da América Latina, e sempre surgem muitas críticas, vozes de que se isto poderia ser feito de uma maneira ou outra, mas nesses momentos de crises, momentos tão graves como os que estamos vivendo, é preciso escutar as autoridades e atendê-las. Depois que atravessarmos isso, haverá tempo para avaliar e criticar se algo foi bem feito ou não. Mas este é um momento em que a melhor coisa é se unir, apoiar e seguir as instruções que nos são dadas pelas autoridades, não há tempo para se dissidente.
O que pensa sobre o argumento oferecido pelos municípios (Antofagasta e Mejillones) para não intervir em acampamentos, com o envio de caminhões pipa para potencializar as medidas de higiene em seu interior, pois, caso contrário, poderiam ter conflitos com a Controladoria, caso utilizem recursos públicos em terrenos ilegais?
Quando está em risco a vida humana, não é o caso se os acampamentos são legais ou não. Acredito que essa é uma péssima desculpa. Seria muito melhor que fossem mais sinceros e dissessem que não podem ou não querem, mas que não deem essa resposta. Acredito que a vida humana, de qualquer ser humano que viva em Jardins do Sul ou La Chimba, é tão valiosa como qualquer outra.
Qual é a sua opinião a respeito da decisão do governo em decretar estado de exceção pelos próximos 90 dias, levando em conta que o contágio pode chegar a 1.000 pessoas, considerando inclusive algumas mortes?
Todos os países estão nessa, inclusive países muito desenvolvidos como a Alemanha. Eu escutava a senhora Merkel (Angela Merkel, chanceler da Alemanha), outro dia, quando falava das estatísticas, de quantas camas necessitariam em razão das projeções de doentes. Calculam-se os mortos prováveis e esse tipo de coisas...
Há um grupo que me dá muita confiança, de gente de diferentes setores, diferentes âmbitos que estão assessorando nisto. Pelo mesmo penso que temos que ter confiança no que se está fazendo. O pior que podemos fazer é começar a duvidar, pois ao final isso não ajudará ninguém. Nesse momento, temos que estar todos enquadrados e cooperar com tudo. Depois, haverá tempo para maiores análises.
Como podemos tranquilizar uma população cujo temor diante da COVID-19 continua aumentando e que, além disso, transmite muita desconfiança através das redes sociais? Como os fazemos partícipes das medidas de prevenção?
A primeira coisa é dizer a eles que nem tudo o que aparece nas redes sociais é verdade, ainda que pareça. Eu vi vídeos, inclusive com logos da Organização das Nações Unidas, que dizem que o calor mata o bicho ou que é necessário agir assim e comer alho, e isso não é verdade. Eu acredito que aqui há uma questão de ter que confiar em nossas autoridades. Sejam do partido político nosso ou não, gostemos ou não. Se estivemos protestando na rua ou não, todos temos que necessariamente nos unir nisto e confiar em que as autoridades estão sendo assessoradas. Sabemos que há um grupo interdisciplinar que está assessorando, de diferentes matizes inclusive. Por isso, a melhor maneira de diminuir essa “histeria” é que se vão acreditar em tudo o que se diz, que acreditem também nas autoridades.
Considera adequado, considerando que até há alguns dias ainda havia manifestações sociais nas ruas, que este processo seja prorrogado?
Claro que sim. É óbvio que é necessário adiá-lo, basicamente porque não sabemos como estaremos, estamos recém-entrando no inverno. Sim, queremos um plebiscito onde se manifeste a intenção popular da maioria dos chilenos que querem uma mudança da Constituição e queremos um Chile melhor, mas para isso não podemos estar neste estado de preocupação constante e onde as pessoas estão preocupadas especificamente com coisas tão fundamentais como sobreviver.
Qual você considera que será o ensinamento que esta pandemia nos deixará?
Estou certo que como humanidade atravessaremos esta crise mais conscientes de que necessitamos uns dos outros e que todos são necessários.
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Chile. “É tempo de apoiar e seguir as instruções, não de ser dissidente”. Entrevista com o jesuíta Felipe Berríos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU