23 Outubro 2019
Os acontecimentos do Chile desses últimos três dias geraram surpresa, tanto no país como na região. O protesto de caráter nacional não tem direções evidentes, nem delegados ou porta-vozes. Um protesto que não pode ser controlado é, desde a ótica do governo, mais perigosa que uma greve geral ou uma mobilização chamada por organizações sociais previamente reconhecidas. Aqui não há cabeças, mas sim puro cansaço.
O artigo é de Luciana Ghiotto, pesquisadora da Universidade Nacional de San Martin, na Argentina, publicado por Radio Universidad de Chile, 21-10-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A resposta do governo foi voltar à imagem do 11 de setembro de 1973, como se nunca tivéssemos despertado desse dia: com o toque de recolher e o deslocamento de militares nas ruas se avivaram as piores recordações de todo o Cone Sul. Nas últimas 48 horas, as forças armadas atuaram em algumas cidades com uma notória violência, porém em outras se mantiveram em uma posição mais passiva. Nesta última situação, os militares à pé foram motivo de piadas por parte da população. Porque especialmente os jovens, já não tem medo deles.
Isso torna a situação muito mais complexa e perigosa no marco do cenário dos próximos dois meses no Chile. Porque o protesto deve ser marcado não somente no curto prazo, ou seja, nas ações recentes a partir do aumento do preço do transporte, mas sim em médio prazo: no marco das próximas cúpulas internacionais que chegarão ao Chile. A agenda internacional nos protestos é um elemento pouco visível e no entanto central para entender para onde podem derivar os fatos dos próximos dias e semanas.
Esse ano, a agenda internacional entrou na agenda chilena desde vários artistas. Por parte das organizações sociais, estas tomaram com força o protesto contra o Tratado Transpacífico (TPP11) durante todo o ano, o qual gerou um efeito impensável segundo a própria história do Chile: deter por já 10 meses a aprovação de um Tratado de Livre Comércio (TLC). O TPP11 encontrou sua primeira grande armadilha no Chile, o país com maior quantidade de TLC do mundo, e que no entanto conseguiu instalar com um Plebiscito o rechaço ao tratado, com uma participação de mais de 580 mil chilenos e chilenas.
Por parte do governo, a tentativa de se colocar como player da agenda internacional levou Sebastián Piñera a oferecer seu país como hóspede de duas grandes cúpulas internacionais: o foro da APEC, que reúne os países da costa do Pacífico e que ocorrerá entre 16 e 17 de novembro; e a COP25 sobre mudança climática. A realização da cúpula da APEC significa que Donald Trump, Xi Jinping, Vladmir Putin, além de outros líderes dos 21 países membros, estarão presentes no Chile dentro de menos de um mês.
A chegada de Donald Trump é determinante para entender a escalada da violência e militarização que pode se viver no Chile nos próximos dias. Isso já tem precedentes. Somente no ano passado, a cúpula do G-20 que ocorreu na Argentina mostrou um inusitado deslocamento de forças de segurança. Além do mais, a chegada de Trump a um país implica que messes antes das forças nacionais são coordenada pela CIA norte-americana nos operativos de segurança. O governo chileno já comprometeu 4 mil carabineros de todo o país para os operativos. Isso significa que o principal é a segurança do presidente norte-americano, não dos cidadãos do país, cujas atividades se veem paralisadas pelos operativos de segurança.
Ademais dos presidentes, chegarão ao Chile mais de 15 mil pessoas para o trabalho logístico e de segurança da cúpula. Estes se alojarão em 15 hotéis da cidade que terão segurança especial. Os Carabineros terão um trabalho transversal: revisão de hotéis, um plano de Inteligência, trabalhos de emergência, entre outras coisas. Em definitivo, manter a ordem. Da qual hoje não há garantia em todo o Chile.
E somente 2 semanas depois se realizará a COP25, que ainda que não terá a presença de Donald Trump, terá o protagonismo de milhares de jovens ambientalistas que hoje protagonizam uma das mobilizações mais dinâmicas a nível global. Já está confirmada a presença da jovens sueca Greta Thunberg para esses eventos, liderança espontânea de uma maré internacional de jovens que se manifestam com ações diretas por todo o planeta. A COP25 reunirá ademais 20 mil pessoas dos 197 países-membro.
Os eventos internacionais das próximas semanas no Chile são cruciais para entender a escalada da violência que possam tomar nas próximas horas os protestos de ruas em todo Chile. Piñera deverá mostrar um país em ordem para que chegue Donald Trump. De não ser assim, esse poderia sua visita, o qual na agenda pró norte-americana do governo seria visto como um fracasso. Isso pode implicar uma escalada da militarização que tenha como resultado limpar manifestantes das ruas das principais cidades com o fim de “pacificar” finalmente o país. Ou talvez em um rapto de sensatez do governo compreenda que em função do seu objetivo de agenda internacional a convém dar maiores garantias sociais e abrir o diálogo, ainda que seja somente no plano das promessas, para acalmar as águas internas. Segundo os últimos anúncios sobre o reforço de segurança, parece que o cenário vai ser o primeiro. De ser assim, se pode esperar uma forte presença policial e militar nas ruas por próximas semanas, até que passem ambas cúpulas.
Qualquer que seja o caso, se faz cada vez mais necessária a articulação social frente a esses fóruns internacionais e seus impactos no nível nacional. É mister que as Cúpulas dos Povos frente a ambos eventos se encham de chilenos e chilenas, porém que conte com uma forte presença das organizações e referentes acadêmicos da região, com o fim de mostrar a forte solidariedade com o processo de lutas no Chile.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Chile. Buscando a ordem da casa antes que chegue Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU