08 Agosto 2019
Diante desse cenário, e refletindo sobre o que está acontecendo na Bolívia e no Uruguai, surge uma questão crucial: como os EUA estarão agindo na eleição decisiva da Argentina, que pode mudar a correlação de forças no nível regional? É tarefa do mundo acadêmico e jornalístico investigar rigorosamente e responder sem hesitação a essa questão, decisiva para o futuro de uma democracia não protegida em nosso país. Nessas eleições presidenciais, a Argentina não só define quem se senta em Balcarce 50: ela também define se terá ou não margens de autonomia em um mundo que está a caminho de um confronto cada vez mais claro entre os EUA e a China.
O artigo é de Juan Manuel Karg, cientista político e professor da Universidad de Buenos Aires - UBA, publicado por Página/12, 07-08-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Primeiro foi Evo Morales Ayma: o presidente boliviano que busca um novo mandato, denunciou no final de julho que os EUA haviam enviados agentes de inteligência a seu país, a fim de se reunir com a oposição ao seu governo, aproximando-se das eleições do mês de outubro. “Quero que saibam, o Departamento de Estado dos Estados Unidos está enviando seus agentes de inteligência. Estamos informados: estão se reunindo com alguns comitês cívicos. O que estarão planejando? Que mentira estarão inventando outra vez?”, disse o chefe de Estado, que costuma confrontara publicamente o país do norte, com uma agenda anti-imperialista, muito antes de chegar ao governo.
Depois foi Rodolfo Nin Novoa, chanceler do Uruguai: afirmou que dias atrás os Estados Unidos “se meteram na campanha eleitoral uruguaia”. O que foi que provocou a dedução do chanceler da Frente Ampla? A decisão dos EUA de emitirem um alerta aos turistas que visitam o Uruguai sobre a insegurança. “É notório que o tema da segurança está na campanha eleitoral no Uruguai. Há um plebiscito planejado (Viver sem medo) para reformar a Constituiçao e endurecer as medidas de combate a delitos. É um dos eixos da campanha do Partido Nacional (blanco)”, recordou Nin Novoa, vinculando a campanha doméstica da direita com o anúncio de Washington.
É interessante outra frase de Novoa para grafar porque acredita que os EUA tentam uma mudança de governo no Uruguai. “Não tenho nenhum dado mais que a história dos Estados Unidos nos últimos 50 anos”, afirmou o chanceler, com grande poder de síntese. Embora tenha razão enquanto ao fatos antigos, não é preciso voltar tão atrás: o ex-presidente Lula, em suas recentes entrevistas no cárcere de Curitiba, denunciou o envolvimento do Departamento de Justiça dos EUA com o juiz Moro, algo que aparece com sutileza nos chats filtrados pelo jornalista Glenn Greenwald. Moro, que condenou Lula, é agora ministro de Bolsonaro, que chegou ao Planalto por essa condenação. Vale recordar a sequência completa para nos darmos conta do absurdo que foi aquela eleição no país mais importante do continente.
Na Argentina, a conivência do atual presidente da Nação com os EUA vêm de longa data: o jornalista Santiago O’Donnell documentou como Macri, quando era Chefe de Governo, pedia para a Embaixada dos EUA maiores pressões sobre Néstor Kirchner e assegurava que Washington era “passivo e permissivo” com o ex-presidente, algo que se desprende dos fios vazados pela Wikileaks. O antecedente direto era o “Não à ALCA”, de 2005, em Mar del Plata, na qual Kirchner teve uma destaca atuação como anfitrião, junto de Lula e Chávez. Depois do kirchnerismo, Macri chegou à Casa Rosada: se vinculou primeiro a Obama, apoiou Hillary Clinton, e depois da sua derrota, girou velozmente a um trumpismo irracional e incondicional, sob a necessidade de que este o apoie no resgate do Fundo Monetário Internacional – FMI.
Diante desse cenário, e refletindo sobre o que está acontecendo na Bolívia e no Uruguai, surge uma questão crucial: como os EUA estarão agindo na eleição decisiva da Argentina, que pode mudar a correlação de forças no nível regional? É tarefa do mundo acadêmico e jornalístico investigar rigorosamente e responder sem hesitação a essa questão, decisiva para o futuro de uma democracia não protegida em nosso país. Nessas eleições presidenciais, a Argentina não só define quem se senta em Balcarce 50: ela também define se terá ou não margens de autonomia em um mundo que está a caminho de um confronto cada vez mais claro entre os EUA e a China, como mostra a escalada tarifária e uma possível guerra de moedas. Para os exemplos que vimos neste artigo, e como parte da mesma briga com a China, EUA estão decididos a ter um papel cada vez mais ativo e amplamente questionável em nossa região. É tarefa dos latino-americanos acabar com essa interferência. A Argentina será a nova ponta de lança, como aconteceu em 2005 em Mar del Plata?
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Como os Estados Unidos estão atuando nas eleições sul-americanas? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU