11 Julho 2019
“Se há algo que distingue a diplomacia chinesa da ocidental é que sempre foram hábeis praticantes da realpolitik e estudiosos de uma doutrina estratégica claramente diferente da estadunidense. O ideal chinês é marcado pela sutileza, a ação indireta e a paciente acumulação de vantagens relativas”, escreve Decio Machado, consultor internacional em Políticas Públicas, Análise Estratégica e Comunicação e diretor da Fundação Nômade (Equador).
Para Machado, dada a conjuntura atual, “mais cedo ou mais tarde, haverá uma colisão entre a hegemonia militar estadunidense e a nova hegemonia comercial chinesa na região.”
O artigo é publicado por Viento Sur, n. 164, e reproduzido por Rebelión, 09-07-2019. A tradução é do Cepat.
Encerrado o ciclo progressista, abriu-se uma nova disputa pela hegemonia geopolítica na América Latina. Entender esta nova realidade de maneira adequada requer uma análise que aborde tanto a vertente geoeconômica, como a que tem a ver com a governança nacional, regional e global, com seus respectivos impactos no subcontinente.
O ciclo progressista se caracterizou por:
a) o fortalecimento/reposicionamento dos Estados-nação, anteriormente reduzidos a sua mínima expressão durante o período neoliberal e em crise, fruto do fenômeno da globalização;
b) o modelo extrativo de produção e exportação de commodities como base da acumulação estatal, o que se dá em um período coincidente com os mais altos preços gozados por estes no mercado internacional, o que significou os maiores ingressos recebidos pela região em sua história republicana;
c) a aplicação de políticas sociais compensatórias, com base nos excedentes estatais produzidos pela exportação de matérias-primas como eixo das novas governabilidades; d) a realização de grandes obras de infraestrutura como pilar da modernização dos Estados;
d) a articulação de um discurso soberanista moldado na construção de um bloco regional que significou um notável impulso de organismos de integração tais como ALBA, UNASUL e CELAC.
Nesse contexto, cada um dos elementos anteriores requer uma ligeira análise que permita explicar o fracasso do laboratório político progressista latino-americano.
Em primeiro lugar, a nova centralidade dos Estados frente à sociedade acarretou a fragilização dos movimentos sociais que tinham sido os protagonistas de um período de convulsões políticas e que, entre 1989 e 2005, derrubou uma dúzia de presidentes, em diferentes países da região. Na atualidade, a implementação de políticas agressivas contra os direitos adquiridos pelas e pelos trabalhadores, por parte do que veio a ser chamado um novo período de restauração conservadora, carece de resistência e organização expressados pelos setores populares durante os momentos prévios ao ciclo progressista.
Em segundo lugar, o modelo extrativo ancorado nos hidrocarbonetos, na mineração a céu aberto e nas monoculturas, como a soja, foram a chave do êxito econômico e o que permitiu políticas sociais ancoradas em transferências monetárias para os setores historicamente esquecidos, convertendo-se no eixo da legitimidade progressista durante seus momentos de glória.
No entanto, isso fez com que se tenha acentuado a dependente inserção internacional da região como provedora de matérias-primas. As economias latino-americanas foram reprimarizadas, o que significa maior vulnerabilidade, subordinando-se às flutuações erráticas dos mercados globais. A temporalidade do boom das commodities fez com que estes governos nascessem nos momentos de bonança econômica latino-americana e entrassem em crise com o fim desta.
Um terceiro fator destacável é que, apesar da transferência de excedentes estatais aos setores vulneráveis – políticas de subsídios –, durante o ciclo progressista, a América Latina continua sendo o continente mais desigual do planeta, dado que não se redistribuiu a riqueza acumulada por suas elites historicamente dominantes.
Aqui, cabe um primeiro esclarecimento: a redução da pobreza na América Latina, durante o período de boom das commodities, não é um processo exclusivo dos regimes progressistas, para se dar conta disso, basta comparar alguns dados: seguindo indicadores oficiais, entre 2007 e 2014 - momento da queda dos preços das matérias-primas e começo da estagnação econômica em diversos países do Sul global -, a pobreza medida pela renda no Equador se reduziu de 36,7% para 22,5%, ao passo que na Colômbia de Uribe e Santos passou de 45,06% para 28,05%, ou seja, a Colômbia neoliberal reduziu sua taxa de pobreza em 3,25 pontos percentuais, mais que o Equador do socialismo do século XXI.
Em termos globais, poderíamos dizer que a combinação do que foi uma crescente demanda global de recursos naturais por parte das economias emergentes, especialmente da China, e uma série de sucessivas reduções de juros estadunidenses – em prol da manutenção da recuperação econômica, após a bolha tecnológica de 2001 – determinaram que enormes quantidades de dinheiro aterrissassem nos países do Sul, fazendo crescer mercados emergentes a partir de 2003.
De fato, em nível global, assistiu-se a tendência de crescimento econômico mais extensa vivida pelo mundo no transcurso de sua história. Entre os anos 2003 e 2007, a taxa de crescimento médio do PIB dos países do Sul passou de 3,6%, nas duas décadas anteriores, para 7,2%, com bem poucos países em desenvolvimento permanecendo fora desse fenômeno.
No que diz respeito aos países com governos denominados progressistas, durante este período e apesar das ótimas condições para isso, não se atuou sobre os pilares estruturais da desigualdade, o que implica que na atualidade os 10% mais ricos da população do subcontinente concentrem 71% da riqueza regional. O próprio Banco Mundial elaborou relatórios recentes nos quais aponta que se esta tendência continuar, em menos de uma década o 1% mais rico da região terá mais riqueza que os 99% restantes.
Desde que a riqueza derivada do auge dos preços das commodities desapareceu, lá pelo ano de 2015, os indicadores de pobreza latino-americanos voltaram a crescer de maneira gradual. Mas, além da não transformação da matriz de acumulação econômica herdada da era neoliberal anterior, durante o ciclo progressista, também não se superou a matriz cultural colonial, apesar de grandiloquentes discursos de corte popular nacionalista.
Um estudo realizado por Oxfam, há apenas três anos, demonstrou que a carga tributária para as empresas nacionais latino-americanas continuava equivalendo ao dobro da carga efetiva suportada pelas companhias transnacionais na região.
Em quarto lugar, e para além da enorme corrupção descoberta na assinatura de contratados para a realização de megaprojetos pelos governos latino-americanos, na última década e meia (Clube dos Contratistas, no Peru, caso Odebrecht em múltiplos países, corrosão no interior da Petrobras e da PDVSA e superfaturamento de construtoras chinesas envolvidas na realização de grandes obras em praticamente todos os países da região), a canalização de grande parte destas infraestruturas se vinculou, de uma maneira ou de outra, ao que foi a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional (IIRSA), hoje renomeada como Cosiplan, dentro da moribunda UNASUL.
O desenvolvimento das infraestruturas latino-americanas, neste período de insólita expansão, se articulou em torno de lógicas vinculadas à acumulação por expropriação, a nova fase de acumulação capitalista na região, em benefício final ao capital global centralizado, fundamentalmente no hemisfério norte e na Ásia emergente. Estradas, ferrovias, represas, portos, aeroportos, hidrovias e linhas de transmissão formaram parte de uma ampla pasta de megaprojetos destinados a aprofundar o extrativismo, em escala interamericana, com seus correspondentes impactos sociais e ambientais nos territórios explorados.
Por último, é preciso destacar que o discurso soberanista ficou condicionado a uma maior dependência em relação aos mercados globais e a tão arejada refundação da – em termos bolivarianos – Pátria Grande se enquadrou em uma lógica de integração regional que ficou paralisada, até mesmo antes da mudança para a nova hegemonia política conservadora.
A última cúpula da CELAC, com certo dinamismo, ocorreu em Havana, de 28 a 29 de janeiro de 2014. As comissões de trabalho da UNASUL praticamente ficaram paradas no transcorrer do ano 2015 e a ALBA – especialmente Petrocaribe – deixou de ser útil para os países envolvidos, a partir da acentuação da deterioração econômica da Venezuela, no ano de 2016. Tudo isso coincidente com o impacto nas economias latino-americanas da queda dos preços das commodities nos mercados internacionais.
A República Popular da China se posicionou como um global player desde inícios do presente século, fruto do processo de reformas e abertura iniciado em dezembro de 1978, por Deng Xiaoping. Nestas quatro décadas, e mediante a estratégia definida como “cruzar o rio sentindo as pedras”, o gigante asiático foi liberalizando de maneira escalonada sua economia, sem privatizar massivamente suas empresas estatais.
Em inícios do século XXI, a China impulsionou a estratégia go out mediante a qual rompeu suas barreiras tradicionais em relação à política econômica externa, reafirmando seu posicionamento no sistema econômico internacional e colocando montantes crescentes de capitais próprios em investimentos no exterior. Isto implicou um drástico reforço dos vínculos comerciais da China com as economias emergentes e em desenvolvimento, entre elas as da América Latina.
Assim é que entidades como China Development Bank e Export-Import Bank of China financiaram iniciativas de infraestrutura, energia, transporte e logística no subcontinente, embora a maioria destes créditos tenham sido condicionados à intervenção de empresas chinesas em seu desenvolvimento e ao interesse estratégico do novo império asiático (criação de corredores para o fornecimento de petróleo, minerais e soja para Ásia e a modernização de instalações portuárias na costa latino-americana do Pacífico).
A China se tornou um provedor de capital chave para a região nos últimos anos, processo que tem sua origem na arrancada do ciclo político progressista e justificado politicamente sob um discurso de ruptura com as instituições de Bretton Woods. Em paralelo, as necessidades de matérias-primas para o desenvolvimento industrial chinês fizeram com que, a partir de 2003, as economias da América Latina e Caribe, especialmente as da América do Sul, tenham considerado o gigante asiático como o seu principal cliente no âmbito da exportação de commodities.
No entanto, e fruto de um processo de reformas propugnadas por Pequim, que teve sua arrancada em 2010 – com a meta de mudar seu modelo produtivo e focada em que o motor da economia seja o consumo interno e não as exportações -, nos últimos cinco anos, a demanda de matérias-primas da China diminuiu, motivo pelo qual os asiáticos puseram o foco nos projetos de infraestrutura latino-americanos. Seja por investimento estrangeiro direto ou através da entrega de créditos por parte dos bancos chineses, a presença do país asiático na América Latina foi mudando de forma nos últimos anos.
Contudo, se há algo que distingue a diplomacia chinesa da ocidental é que sempre foram hábeis praticantes da realpolitik e estudiosos de uma doutrina estratégica claramente diferente da estadunidense. O ideal chinês é marcado pela sutileza, a ação indireta e a paciente acumulação de vantagens relativas. É por algo que, frente ao xadrez (um jogo de estratégia que surgiu na Europa, durante o século XV, como evolução do jogo persa shatranj e onde existem 32 peças móveis em um tabuleiro dividido por 64 quadrados, que buscam a batalha decisiva para matar ao ‘rei’), os chineses jogam a Wei Qi – conhecido no Ocidente com o nome japonês go -, em que movimentam 360 peças, em 361 posições, sob uma lógica da batalha prolongada, que busca cercar o inimigo.
Consciente das enormes necessidades de recursos por parte do subcontinente, Pequim se assegurou que as mudanças políticas de tendência conservadora desenvolvidas nos últimos anos na região não afetem seus fluxos comerciais e investimentos nos diferentes países latino-americanos. E mais, no segundo fórum de ministros da República Popular da China, América Latina e Caribe, que ocorreu em janeiro de 2018, no Chile, o gigante asiático se comprometeu a aumentar notavelmente sua inserção econômica em uma região já hegemonizada por governos de perfil conservador.
Nos últimos seis anos, o presidente Xi Jinping realizou quatro viagens pela América Latina, visitando 12 países, mais do que as realizadas por Barack Obama e Donald Trump, durante a última década. Mauricio Macri, um dos representantes da mudança de ciclo político na região, foi mais visitado por Xi Jinping que Nicolás Maduro, presidente de um país fornecedor de petróleo, coltan e ouro a China, que, além do mais, deve aos créditos asiáticos o balão de oxigênio financeiro graças ao qual o governo bolivariano ainda subsiste.
Desta maneira, no ano de 2018, o volume do comércio bilateral entre China e América Latina alcançou um recorde de 307,4 bilhões de dólares, o que implica um aumento de 18,9% em relação ao ano anterior. Na atualidade, a China é a principal sócio comercial da região, apesar da relação entre os dois lados do Pacífico ser notavelmente assimétrica. A maioria dos países da região mantém déficits comerciais com a China, os escassos superávits existentes são gerados graças às vendas de produtos primários, e as manufaturas chinesas têm substituído as latino-americanas, tanto em seus próprios mercados como em outros mercados. Enquanto as exportações da América Latina para a China se movimentam em proporções de 70% de bens primários e 25% de manufaturas baseadas em recursos naturais de baixo valor agregado, o subcontinente importa do país mais povoado do mundo 41% de manufaturas de alta tecnologia e 27% de manufaturas de tecnologia média.
Nos últimos anos, além do avanço de infraestruturas, o investimento chinês direto na América Latina também se expandiu para setores como os serviços financeiros, comércio, aquisição de bens de raiz para alugar e atividades manufatureiras. Outra grande parte desse investimento recente se deve a fusões ou compra de empresas latino-americanas, ainda que isto não tenha significado nem o aumento de capital produtivo e nem a geração de emprego.
No âmbito hidrelétrico, a China investirá na segunda etapa de um programa de modernização das represas hidrelétricas Jupiá e Ilha Solteira, no Brasil, e na compra de 100% da empresa hidrelétrica Atiaia Energia. Ampliando este marco de ação, a China Southern Power passou a controlar 28% das ações da companhia chilena de eletricidade Transelec.
Em matérias-primas, destacam dois recentes grandes investimentos regionais: Tianqi Lithium – com sede central em Chengdu, capital da província chinesa de Sichuan – assumiu 24% da chilena Sociedade Química e Mineira (SQM) e Chinalco – ramo peruano da empresa de capitais chineses Aluminum Corp of China Ltda. – expandirá sua mina de cobre Toromocho, em Junín.
Do mesmo modo, destacam-se as últimas intervenções chinesas no Panamá, país que se tornou seu centro de comércio e logística para a América do Norte e do Sul, com quem assinou, em menos de um ano e meio, 47 acordos comerciais. Em breve, o Banco da China terá uma sede regional em Cidade do Panamá.
Outro dos exemplos mais recentes de diversificação de investimentos chineses na região é a aquisição realizada pela Didi Chuxing – uma espécie de Uber chinês – da empresa 99, denominada popularmente como o Uber brasileiro. O Business Plan da Didi Chuxing na América Latina aponta para a sua expansão regional, combinando-a com serviços de assessoramento em inteligência artificial para governos municipais de várias cidades latino-americanas.
A esse respeito, é destacável indicar que quase todos os gigantes tecnológicos chineses estão entrando nos mercados latino-americanos: TCL – empresa eletrônica chinesa – estabeleceu uma empresa conjunta com Radio Victoria, o maior fabricante de produtos eletrônicos da Argentina. Huiyin Blockchain Venture investiu no serviço argentino de processamento de pagamentos em bitcoins Ripio, e a empresa Mobike, a maior rede de bicicletas compartilhadas sem praças de estacionamento, lançou recentemente seus serviços em Cidade do México e Santiago do Chile.
De uma perspectiva meramente comercial, os países latino-americanos são um grande mercado de consumo, onde marcas como Huawei e Xiaomi vendem smartphones baratos e de alta qualidade em poderosos mercados como Brasil, México, Colômbia e Argentina. No entanto, os países latino-americanos que não podem oferecer um grande mercado interno também são de interesse para as empresas tecnológicas chinesas. Sem ir muito longe, as autoridades venezuelanas designaram para a ZTE Corporation, no início do ano, 70 milhões de dólares para o desenvolvimento de tecnologias aplicáveis à criação de um sistema nacional de identificação eletrônica das cidadãs e cidadãos do país.
Em paralelo, e a partir de uma perspectiva geopolítica mais convencional, Pequim conseguiu, no marco de sua política denominada Uma só China, que países como Costa Rica (2007), Panamá (2017) e República Dominicana (2018) rompessem relações diplomáticas com Taiwan. Na atualidade, os países nos quais Taiwan mantém embaixadas no subcontinente são poucos e carecem de importância estratégica e econômica.
O interesse da Rússia pela América Latina é relativamente recente. Após o desaparecimento da União Soviética (1991), os russos não voltaram a olhar para o subcontinente até o conflito armado na Ossétia do Sul, quando a Nicarágua de Daniel Ortega (2008) e, imediatamente depois, a Venezuela de Hugo Chávez (2009) foram os dois primeiros países do planeta – após o Kremlin – a reconhecer a independência da Ossétia do Sul e Abecásia. Esta forte atividade diplomática russa na região voltou a se repetir, em 2014, após a crise na Crimeia e a guerra em Donbass (leste da Ucrânia), como resposta às correspondentes sanções impulsionadas por Washington e a União Europeia contra Moscou.
Diferente da China, o comércio russo de bens no subcontinente é insignificante e representa apenas 2% de toda a sua atividade comercial global. Seu principal sócio é o Brasil, com um comércio bilateral de 4 bilhões de dólares, e em segundo lugar a Venezuela, de quem compra cerca de 1,7 bilhão de dólares de petróleo. O restante das atividades comerciais russas na região é marginal e a influência do Kremlin é praticamente nula.
A partir de uma visão clássica da geopolítica, nos últimos anos, Vladimir Putin buscou aliados estratégicos em uma região próxima aos Estados Unidos, procurando rivalizar as ações realizadas por Washington na periferia da Federação Russa.
É assim que Moscou emprestou 16 bilhões de dólares para a Venezuela, de 2006 até o momento, sendo estes empréstimos reembolsados por meio do envio de petróleo. Na atualidade, a Venezuela está utilizando o gigante energético russo Rosneft para escapar das sanções comerciais dos Estados Unidos contra o governo de Nicolás Maduro. Desde o último mês de janeiro – momento em que Juan Guaidó foi parcialmente reconhecido pela diplomacia internacional como presidente encarregado da Venezuela -, a petroleira estatal venezuelana PDVSA, sob uma estratégia de triangulação contável, recebe grande parte de suas faturas de venda de petróleo pela Rosneft. Este incomum acordo de pagamento é parte de uma série de esquemas estratégicos colocados em curso pelo governo de Maduro para ter acesso a recursos, em meio às sanções internacionais que o país sofre na atualidade, incluída a venda de reservas de ouro por parte de seu Banco Central.
Desta maneira, uma parte do fluxo econômico para a Venezuela passa pelo Banco russo-venezuelano Evrofinance Mosnarbank, entidade financeira que desde o último mês de março também passou a receber sanções estadunidenses.
Entre os escassos compromissos eleitorais de Donald Trump em matéria de política exterior, destaca-se sua promessa em conter a emergência da China em nível global e limitar o livre comércio com a Ásia e América Latina. Evidentemente, entre ambos existe uma contradição, pois os espaços deixados pela retirada estadunidense em nível global são rapidamente ocupados pelos interesses chineses.
A nova Estratégia de Defesa Nacional dos Estados Unidos, apresentada em janeiro de 2018 por James Mattis - general que atuou como secretário de Defesa até dezembro do último ano -, aponta que “a concorrência estratégica dos Estados Unidos, não o terrorismo, é agora a principal preocupação de segurança nacional dos Estados Unidos”. Isso significa uma mudança em relação ao enfoque da segurança realizado por Washington após os atentados de 11 de setembro de 2001, e identifica a China e a Rússia como as novas principais ameaças, posicionando a Coreia do Norte e o Irã em um segundo estágio.
Sob um plano estratégico definido como “competir, impedir e ganhar”, afirma-se que “os custos de não implementar esta estratégia estão claros e implicarão em uma diminuição da influência global dos Estados Unidos, na erosão da coesão entre aliados e parceiros, assim como a redução do acesso a mercados, o que contribuiria para o declínio na prosperidade e no modo de vida estadunidense”.
Aterrissando isso para a América Latina, vemos como desde março de 2018 – momento em quem começou o conflito comercial entre os Estados Unidos e a China – Donald Trump foi anunciando o corte de ajuda econômica à América Central como resposta ao fluxo migratório, reverteu parcialmente os níveis de abertura do governo Obama em relação a Cuba, aumentou o volume de suas ameaças acerca do fechamento da fronteira com o México, alfineta a Colômbia, que “não fez nada” contra o narcotráfico, e na atualidade aplica duras sanções econômicas contra a Venezuela.
Apesar da diplomacia estadunidense ter lançado uma ofensiva no subcontinente, delineando que Washington é melhor parceiro comercial que a China, continua sem ser capaz de propor uma política especialmente atrativa para os governos latino-americanos, o que demonstra a carência de planos estratégicos orientados para a região.
Com um enfoque que busca priorizar acordos comerciais bilaterais país a país – condição que se vê beneficiada pelo atual desmantelamento das ferramentas de integração regional, impulsionadas durante o ciclo progressista – e a redução de seu déficit comercial, os Estados Unidos buscam se reposicionar na região mediante uma variedade crescente de atividades econômicas transferidas ao âmbito digital (on-line), abarcando várias tecnologias de informação e comunicações (TIC) que têm um impacto transformador na maneira de fazer negócios, e na interação das pessoas entre si e com o governo e as empresas. As exportações dos Estados Unidos relacionadas ao comércio digital estão aumentando, junto com o investimento estrangeiro direto nessas indústrias. Isso indica uma dura concorrência com a China pela hegemonia tecnológica na América Latina.
No entanto, a nova direita latino-americana no poder e a que está a caminho nos escassos governos progressistas que restam na região, é tremendamente pragmática e, exceto o caso brasileiro, tem pouco conflito em articular relações com o capital, venha de onde vier, em prol de implementar suas novas políticas neoliberais.
Onde, sim, são observadas mudanças estratégicas é na política de segurança regional. A nova agenda, orientada novamente pelos Estados Unidos, tem duas características essenciais: maior participação da inteligência estadunidense na luta contra o narcotráfico e o crime organizado, o que, por fim, terá seu impacto nos mecanismos de controle sobre a dissidência política, assim como a volta às manobras militares conjuntas com operações de apoio dos Estados Unidos, conforme foi o caso do Amazon Log 17 em território amazônico, brasileiro durante o governo de Michel Temer.
Esta condição implica, mais cedo ou mais tarde, que haverá uma colisão entre a hegemonia militar estadunidense e a nova hegemonia comercial chinesa na região.
Como se canalizará seu desenlace é o que está para ser visto...
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A nova disputa pela hegemonia geopolítica na América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU