07 Agosto 2019
“São incontestáveis os avanços destes 15 anos de governos da Frente Ampla: a politização da sociedade, o crescimento do movimento sindical, o casamento igualitário, e a legalização da maconha, entre outros muitos. Mas, também são numerosas as pendências que seguem, desde uma reforma agrária a uma lei dos meios de comunicação e o aprofundamento dos Direitos Humanos, sobretudo nos casos de terrorismo de Estado”, escreve Katu Arkonada, cientista político, especializado em América Latina, em artigo publicado por Rebelión, 05-08-2019. A tradução é do Cepat.
Após quase 15 anos e 3 governos da Frente Ampla, o Uruguai encara sua eleição presidencial mais difícil. São eleições convertidas em um plebiscito, como em outros países do ciclo progressista, entre a continuidade do processo de transformação ou a restauração conservadora.
Além disso, ocorrerá, pela primeira vez, sem nenhuma das figuras históricas como candidato. Nem Pepe Mujica, nem Tabaré Vázquez e nem Astori estarão na cédula da Frente Ampla, no dia 27 de outubro.
O contexto é complexo e semelhante ao de outros países da região: estagnação econômica (o crescimento em 2019 será de 1%, mas apenas pelo investimento de 3 bilhões de dólares para a construção de uma segunda papeleira), os meios de comunicação como o principal partido de oposição, judicialização da política e a presença cada vez mais importante de igrejas evangélicas, sobretudo no norte do país. Contudo, há algumas características próprias deste pequeno país do Cone Sul. Vamos analisar 5 delas:
Mais que votar em candidatos, escolhe-se projetos distintos de país. No campo da direita, temos todo o menu: evangélicos, outsiders, empresários e um partido militar. Tudo isso do lado do Partido Rosado, a combinação do Partido Nacional e o Partido Colorado, em uma eleição na qual, além dos candidatos dos dois partidos, Lacalle Pou e Talvi, desta vez, se somam milionários empreendedores, como Edgardo Novick, e o ex-comandante em chefe do exército nacional e defensor de torturadores Guido Manini, que conta com o apoio de setores da Igreja Católica.
Enquanto a direita, dividida, empurra o eixo político-ideológico e discursivo para a direita, a Frente Ampla precisou correr para o centro, e prova disso é a designação como candidato do ex-prefeito de Montevidéu, Daniel Martínez, do Partido Socialista, passando por cima de quadros da esquerda como Carolina Cosse (proposta pelo MPP nas disputas internas da Frente Ampla) e do dirigente operário, militante comunista, Óscar Andrade, um dos quadros de futuro da Frente Ampla.
Uma Frente Ampla que sempre se caracterizou por ter amplitude, algo que foi muito efetivo em determinados momentos da história para incorporar muitos setores de um arco político-ideológico amplo, mas que também fez com que em outros momentos perdesse profundidade e concretude em seu projeto político.
E embora nos dois primeiros governos de Pepe Mujica e Tabaré tenham ocorrido avanços profundos, como a reforma dos impostos e a reforma no âmbito da saúde, a realidade é que hoje, com 34 organizações políticas em seu seio, a amplitude se torna um obstáculo para conseguir um aprofundamento necessário em seu projeto político. Por sua vez, o não aprofundamento se torna um obstáculo eleitoral, pois no cenário eleitoral das campanhas de marketing e redes, são os Lacalle Pou e Talvi que se movimentam muito melhor que a Frente Ampla.
Calcula-se que até 40% dos votos para a Frente Ampla, nas eleições de 2004 e 2009, provinham de pessoas jovens, menores de 30 anos, que se identificavam com a esquerda e, por extensão, com a Frente Ampla. Contudo, hoje em dia, os eleitores jovens e especialmente os novos eleitores, que nesta eleição serão 10% do eleitorado (250.000 pessoas), cresceram sob governos da Frente Ampla e, portanto, considerando a presença do Estado, a ampliação de direitos e a redistribuição da riqueza como algo inerente a suas vidas.
Durante muito tempo, os comitês de base foram um pilar fundamental de uma Frente Ampla que se viu esvaziada de quadros para os mover até o governo. Construiu-se, de bairro em bairro, uma vitória cultural, antes de conquistar a primeira vitória eleitoral. Mas, como na política não há espaços vazios, essas formas de proximidade com as pessoas começam a ser utilizadas pela direita (basta ver o exemplo do PRO com as campainhadas). Da mesma forma, o simples fato de fazer uma gestão correta (e inclusive boa, como é o caso da Bolívia) não é suficiente para as massas de eleitores, especialmente jovens.
Um país como o Uruguai é afetado pela situação político-econômica de seus vizinhos. E embora a direita não possa acenar a bandeira de uma Argentina em crise como exemplo, a bolsonarização da política é também um fato, com a campanha mais suja e cheia de fake news de sua história eleitoral. Além disso, assim como na Argentina pudemos ver que as mudanças não eram irreversíveis, no Uruguai o desmonte da política industrial e salarial seria mais rápido, ao mesmo tempo em que as experiências vizinhas acentuam a tendência para políticas econômicas pouco audazes, para não dizer conservadoras, mesmo se a Frente Ampla vencesse.
Estas são as principais chaves de uma eleição que muito possivelmente seja resolvida no segundo turno, possibilidade que aproximaria o triunfo de uma direita que aí sim se uniria para derrotar a centro-esquerda da Frente Ampla.
Nesse cenário, é necessário ter clareza que as derrotas eleitorais sempre são posteriores às derrotas políticas. Caso se perca no dia 27 de outubro, será por uma acumulação de derrotas políticas.
Caso a Frente Ampla revalide a vitória para um quarto mandato, estaremos diante de um governo em disputa e um parlamento mais fragmentado que nunca, passando de uma legislatura onde pela primeira vez coexistiam 5 forças políticas, para uma com 7 partidos.
São incontestáveis os avanços destes 15 anos de governos da Frente Ampla: a politização da sociedade, o crescimento do movimento sindical, o casamento igualitário, e a legalização da maconha, entre outros muitos. Mas, também são numerosas as pendências que seguem, desde uma reforma agrária a uma lei dos meios de comunicação e o aprofundamento dos Direitos Humanos, sobretudo nos casos de terrorismo de Estado.
Esperemos que o Uruguai, junto com a Argentina, ratifique, neste 2019, a continuidade do ciclo progressista latino-americano, tornando realidade o sonho de um grande uruguaio: a justiça social para os ninguéns de Nossa América.
[1] As ideias contidas nesta análise são resultado do diálogo mantido e as apresentações do livro “Mas allá de los Monstruos”, na Universidade da República de Montevidéu, junto com Sebas Valdomir, coordenador da Bancada Progressista do Parlasul e membro do Movimento de Participação Popular (MPP), Nicolás Centurión e Gabriel Bermúdez, membros da Esquerda em Marcha e Espaço 205, todas organizações da Frente Ampla.
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Uruguai. Cinco chaves para entender o cenário eleitoral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU