27 Julho 2019
"Fracasso das políticas neoliberais e aumento da pobreza podem produzir o primeiro revés da onda de direita na América do Sul. Mas kirchnerismo precisa recuperar o consenso das esquerdas e vencer em Buenos Aires, epicentro da disputa", escreve Katu Arkonada, em artigo publicado por Outras Palavras, 25-07-2019. A tradução é de Rôney Rodrigues.
Em 2015, era derrotado nas urnas argentinas o primeiro governo nacional-popular desde que começara o ciclo progressista em 1998. Macri ganhava com balõezinhos coloridos, mas também por entender melhor a política do que um kirchnerismo que esgotava sua mística e não encontrava substituto para Cristina Fernández.
É por isso que as eleições de 27 de outubro são fundamentais para determinar se a velha-nova direita neoliberal se consolidará como uma alternativa ao setor progressista, ou se desaparecerá em uma Argentina com mais de 13 milhões de pessoas na pobreza, a taxa mais alta da última década (33%). Para analisar esse cenário eleitoral é necessário levar em consideração ao menos cinco fatores:
Sua decisão de concorrer à vice-presidência facilita a síntese político-eleitoral de uma força de oposição que já estava na rua desde dezembro de 2017, semanas depois da esmagadora vitória eleitoral do macrismo nas eleições legislativas, quando foram lançadas uma série de reformas neoliberais no mundo do trabalho e parecia claro que o macrismo chegara para ficar e se tornar hegemônico.
O “roque” com Alberto Fernández consegue sintetizar e emparedar esquerda e direita, incorporando setores empresariais do círculo vermelho (vermelho para o Grupo Clarín) ou o empresariado da oligarquia argentina (mineiro, siderúrgico, energético ou a Câmara Argentina da Construção) até a CTA [Central dos Trabalhadores da Argentina] Autônoma, que nunca foi kirchnerista; ou o Movimento Evita, que tinha posições críticas. Para completar e fechar o movimento, a inclusão do sindicalismo peronista da CGT [Confederação Geral do Trabalho] de [Hugo] Moyano, ou de Sergio Massa como primeiro candidato a deputado por Buenos Aires, centraliza e potencia o projeto.
O FMI tem sido um fator de organização da política econômica e, por isso, do governo macrista. O candidato a vice-presidente Miguel Ángel Pichetto parece ser uma concessão, ou melhor, uma imposição do próprio FMI, pois o colocar um peronista na fórmula implica em dar estabilidade à restituição neoliberal, segundo uma análise gringa da política, em uma espécie de menemismo atualizado.
E mesmo que, segundo analistas políticos argentinos, Pichetto tenha pouco território eleitoral, sua presença na composição de Macri, que permanece como o único não-peronista das e dos candidatos à presidência, garante uma imagem de centralidade institucional que lhe permite enfrentar o binômio Fernández-Fernández.
A terceira candidatura da disputa, uma composição entre o ex-ministro da Economia kirchnerista, Roberto Lavagna, e o governador de Salta, Juan Manuel Urtubey, pode ser determinante em um hipotético segundo turno. O mais provável é que essa terceira via não tenha a força territorial que Sergio Massa acumulou em 2015, com 21% dos votos, mas um resultado entre 5 e 10% de apoio popular poderia pender a balança para um dos lados no segundo turno. E, ainda que minoritário, o apoio que possa obter o trotskismo da Frente de Esquerda (FIT), que obteve 3% em 2015, e o deslocamento do voto (para a abstenção ou para composição FF) em um possível segundo turno, também é uma variável para se levar em conta.
A eleição que será realizada para governador da Província de Buenos Aires, o maior distrito eleitoral do país, também no dia 27 de outubro, será outro fator crucial para as eleições presidenciais argentinas. Nas eleições para governador não há segundo turno, o que significa que se o candidato kirchnerista Axel Kiciollof conseguir ganhar a eleição, o empresariado se alinhará automaticamente com a fórmula Fernández-Fernández.
Mesmo assim, o resultado da própria Cidade Autônoma de Buenos Aires (CABA) será importante. É muito provável que o macrista Larreta seja reeleito para o cargo de chefe de governo da cidade, mas o kirchnerismo apresenta Matías Lammens, presidente do Club Atlético San Lorenzo e com popularidade entre os cidadãos progressistas. Se Lammens conseguir aumentar o teto de votos kirchnerista, do atual 20% para 30%, a candidatura de Fernández-Fernández ganha um impulso nacional a mais.
As eleições primárias, também chamadas Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO), que serão realizadas no domingo do dia 11 de agosto, serão o outro elemento-chave para as eleições. Nesse meio termo entre uma macropesquisa e uma radiografia eleitoral, a possibilidade de que Alberto Fernández chegasse a obter cerca de 40% e ganhar vários pontos de vantagem sobre Macri, poderia também — e desde já — conquistar o voto empresarial para outubro.
Esses são os elementos que vão definir uma eleição muito polarizada entre o kirchnerismo, que teve que se transformar em um metamovimento, um tipo de catch-all party para a centro-esquerda e o progressismo, e um macrismo que quer se mostrar como opção viável de centro-direita. Provavelmente a disputa possa voltar, de novo, a ser entre as classes médias progressistas e as classes médias conservadoras. Mas o fato é que de um lado do muro estarão os setores populares e, do outro, as elites antiperonistas.
As ideias apresentadas nessa análise são resultado dos chimarrões tomados no domingo, dia 14 de julho, em Buenos Aires, com Paula Klachko, Matías Caciabue, Pili Giménez, Solange Martínez e Seyla Riera.
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Argentina: a poucos meses da eleição decisiva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU