04 Julho 2019
Diferente dos documentos preparatórios para outros fóruns vaticanos, o Instrumentum laboris da Assembleia Especial para a Região Panamazônica do Sínodo dos bispos, que acontecerá de 6 a 27 de outubro, em Roma, foge de qualquer generalidade e aterrissa em medidas concretas e diretas para que sejam debatidas pelos padres sinodais.
A reportagem é de José Beltrán, publicada por Vida Nueva Digital, 17-06-2019. A tradução é do Cepat.
Distribuído em três partes, em todos os capítulos da segunda e terceira parte dos textos é destacada, de forma pormenorizada, uma bateria de sugestões a ser adotada pela Igreja com a finalidade de tornar realidade o convite a uma ecologia integral que acolha “o clamor da terra e dos pobres”, conforme a encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco solicita.
Junto à midiática proposta da ordenação sacerdotal de anciãos com uma família estável, se somam outras iniciativas não menos comprometedoras para a Igreja, não só internamente, como também para uma “nova consciência ecológica” e um ativismo em matéria social, política e econômica para “desmascarar as novas formas de colonialismo presente na Amazônia”.
O documento sentencia que a Igreja é chamada a “escutar o grito da Mãe Terra, agredida e gravemente ferida pelo modelo econômico de desenvolvimento depredador e ecocida, que mata e saqueia, destrói e despeja, expulsa e descarta, pensado e imposto de fora e a serviço de poderosos interesses externos”.
Para isso, desafia os padres sinodais a “assumir sem medo a implementação da opção preferencial pelos pobres na luta dos povos indígenas, comunidades tradicionais, migrantes e jovens, para configurar a fisionomia da Igreja amazônica”.
Reiteradamente, o Instrumentum laboris enumera todas as ameaças que a Amazônia padece frente à atual “degradação neocolonialista”, que atenta tanto contra a natureza como aos que habitam nela. Frente a isto, reivindica à Igreja um compromisso permanente em denunciar “a violação aos direitos humanos e a destruição extrativista”, além de promover “linhas de ação institucionais que promovam o respeito ao meio ambiente” e programas de formação.
Assim, considera uma urgência assumir a denúncia “contra modelos extrativistas” e projetos que danificam o território, violam os direitos das comunidades “e promovem a morte”. Para isso, faz um chamado a trabalhar em rede para “se aliar aos movimentos sociais de base, para anunciar profeticamente uma agenda de justiça”.
O texto sai em defesa de todas as comunidades nativas, mas dedica um capítulo especial àquelas que decidiram viver à margem da sociedade. A Igreja é chamada a velar por elas, exigindo dos governos que facilitem “os recursos necessários para a proteção efetiva”, como a criação de um censo e de reservas naturais.
Além disso, pede à Igreja uma pastoral específica para estes povos que incida na formação, para que conheçam e façam reconhecer seus direitos. Assim, convoca a “rejeitar a aliança com a cultura dominante”, para promover as culturas e os direitos dos indígenas, dos pobres e do território.
O texto destaca em vários momentos como a Igreja deve ser caracterizada na hora de promover “hábitos de comportamento, de produção e de consumo, de reciclagem e de reutilização de resíduos”. Neste sentido, propõe criar não apenas itinerários pastorais sobre ecologia integral, como também o “reconhecimento formal, por parte da Igreja particular, como ministério especial, ao agente pastoral promotor do cuidado da Casa Comum”.
Conscientes do êxodo migratório em todo o continente, que também atinge os povos indígenas, o Instrumentum laboris pede uma maior coordenação para a acolhida nas Igrejas de fronteiras, nas cidades, assim como a promoção da integração, respeitando sua identidade cultural. Mais uma vez, insta a “pressionar, como comunidade eclesial, os poderes públicos” para que defendam, neste caso, os direitos dos migrantes. Nas cidades, propõe-se uma pastoral específica para os indígenas, com novas estruturas eclesiais que favoreçam a integração.
O texto vaticano reflete uma Igreja que valorize e respeite as entidades culturais, o modo próprio de organização comunitária, através de uma pastoral familiar que, a partir das coordenadas da Amoris Laetitia, “acompanhe, integre e não exclua ninguém”, onde a família seja “sujeito e protagonista”.
Desta maneira, se promove uma Igreja inculturada e mais participativa, de tal maneira que se supere “qualquer clericalismo para viver a fraternidade e o serviço como valores evangélicos que animam a relação entre a autoridade e os membros da comunidade”. “Dado que ainda persiste uma mentalidade colonial e patriarcal, é necessário aprofundar um processo de conversão e reconciliação”, destaca.
Valoriza “a espiritualidade indígena como fonte de riqueza para a experiência cristã” para, a partir daí, reivindicar uma catequese que considera a linguagem e sentido das narrativas das culturas locais em sintonia com as narrativas bíblicas, uma pregação homilética vinculada com a sua realidade.
Nesta linha, sugere-se que as celebrações litúrgicas acolham “a própria música e dança, em línguas e com vestimentas autóctones, em comunhão com a natureza e com a comunidade”. Além disso, “pede-se para superar a rigidez de uma disciplina que exclui e distancia, por uma sensibilidade pastoral que acompanha e integra”. Por isso, reivindica-se às Conferências Episcopais que adaptem o ritual eucarístico às culturas, assim como a tradução da Bíblia às línguas originais da Amazônia.
O Instrumentum laboris sugere que estudem “a possibilidade da ordenação sacerdotal para pessoas anciãs, preferencialmente indígenas, respeitadas e acolhidas por sua comunidade, ainda que já tenham uma família constituída e estável”. A proposta se une a uma maior responsabilidade e formação dos leigos como dinamizadores da comunidade.
Justamente após levar em conta a ordenação dos viri probati, o documento também abre a possibilidade de se “identificar o tipo de ministério que possa ser conferido à mulher, levando em conta o papel central que hoje desempenha na Igreja panamazônica”. A Igreja entoa um “mea culpa”, na medida em que, “no campo eclesial, a presença feminina nas comunidades nem sempre é valorizada”.
Embora já existam organismos efetivos como a REPAM, o documento sinodal estabelece “considerar a necessidade de uma estrutura episcopal amazônica que concretize a aplicação do Sínodo”. Sendo assim, também pede a criação de “um fundo econômico de apoio à evangelização, promoção humana e ecologia integral”.
O Instrumentum laboris deseja que a Igreja seja alto-falante dos direitos e da cultura indígena, por meio da criação de novos meios de comunicação, como emissoras radiofônicas e televisivas, o aumento da presença na internet e outros meios de comunicação de massa.
O Instrumentum laboris reúne as dificuldades econômicas das Igrejas da Amazônia, advertindo que se “deve prestar uma especial atenção à procedência das doações”, bem como ao objeto de seus investimentos. Por isso, reivindica às Conferências Episcopais formação e assessoramento para evitar “uma corrupção generalizada”, especialmente frente ao narcotráfico.
O documento é especialmente incisivo ao reivindicar “uma cultura da honestidade”, a formação de leigos para a liderança econômica e política, assim como acompanhar, lado a lado, os povos para evitar que sejam enganados. Nesta linha, também convida a Igreja a buscar aliados “para exigir que as empresas assumam responsabilidades sobre os impactos socioambientais de suas ações”.
O documento reivindica a reformulação das “estruturas dos seminários para favorecer a integração dos candidatos ao sacerdócio nas comunidades”, bem como planos de formação que respondam “a uma cultura filosófica-teológica adaptada às culturas amazônicas”.
O Instrumentum laboris pede o aprofundamento em uma teologia indígena panamazônica. “Pede-se, por exemplo, levar em conta os mitos, tradições, símbolos, saberes, ritos e celebrações originários, que incluem as dimensões transcendentes, comunitárias e ecológicas”, aponta o documento.
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As 15 propostas mais audaciosas do ‘Instrumentum laboris’ do Sínodo da Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU