Sínodo e padres casados: ordenação de ''viri probati'' enfrenta obstáculos

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11 Março 2019

A cúpula deste ano no Vaticano sobre a região amazônica está se preparando para ser uma das reuniões mais contenciosas, assim como o tema da comunhão aos divorciados em segunda união provocou debates acesos em 2014 e 2015.

A reportagem é de Charles Collins, publicada por Crux, 08-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Embora quando o encontro do Sínodo dos Bispos, de 6 a 27 de outubro, foi anunciado com o título “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”, muitos tenham assumido que os principais pontos de debate seriam sobre o ambiente, os direitos indígenas e o ativismo social – semelhante à pauta do Encontro Mundial de Movimentos Populares ao qual o Papa Francisco discursou na Bolívia durante sua visita de 2015 à América do Sul – está claro agora que os padres casados estarão no programa.

A falta de padres na região é um problema muito real. No Brasil, há apenas um padre para cada 10.000 católicos – nos Estados Unidos, a proporção é de um para cada 2.000 católicos. Na região amazônica, a situação é ainda mais aguda: em algumas áreas, as comunidades podem ver um padre uma ou duas vezes por ano.

A solução oferecida para a discussão é ordenar viri probati – homens provados ou testados – ao sacerdócio. Estes seriam homens mais velhos e casados, que não passariam pelo sistema do seminário. Sua formação seria semelhante àquela dada aos candidatos ao diaconato permanente nos Estados Unidos, envolvendo aulas noturnas ou nos fins de semana durante um período de geralmente três anos.

Os proponentes da ordenação dos viri probati argumentam que tais homens proviriam das comunidades a que servem, especialmente importantes considerando-se a multidão de tribos indígenas da Amazônia, que no momento produzem poucas vocações. Eles também ressaltam que o celibato para os padres é apenas uma disciplina da Igreja, e não uma doutrina, e uma disciplina nem tão rígida: a maioria das Igrejas orientais em comunhão com Roma tem um clero casado, e o Vaticano frequentemente permite que clérigos protestantes casados que se convertem ao catolicismo sejam ordenados como padres católicos casados.

Francisco, embora defendendo fortemente o celibato como um “dom para a Igreja”, expressou em janeiro uma abertura à ordenação de viri probati ao sacerdócio “nas localidades mais remotas (...) quando há uma necessidade pastoral”.

Mas, apesar da receptividade do papa a essa possibilidade, os críticos levantam várias objeções à ideia.

1) Embora a reunião de outubro seja centrada na Amazônia, ninguém acha que qualquer decisão tomada sobre os padres casados não repercutiria em outras regiões. O próprio papa, ao fazer seus comentários no início deste ano, mencionou as Ilhas do Pacífico. Mesmo em áreas onde a falta de padres é menos severa, como os EUA e a Europa ocidental, cada vez mais paróquias estão sendo fechadas devido à falta de clero. Muitos temem que uma “provisão de emergência” se torne a norma.

2) Também há o temor de que a ordenação de viri probati crie um sistema de castas no sacerdócio. Menos instruídos, casados e ordenados em circunstâncias especiais, esses padres seriam vistos como clérigos de segunda classe na Igreja.

Quando o diaconato permanente foi estabelecido pela primeira vez, o termo “diáconos leigos” era frequentemente usado para descrever o novo clero. Ainda hoje, os diáconos permanentes trabalham sob regras sob o uso de vestes e títulos clericais que parecem mais preocupadas em garantir que ninguém os confunda com padres do que em garantir que as pessoas saibam que são clérigos. Os sacerdotes viri probati podem enfrentar problemas semelhantes.

3) Por falar em diáconos permanentes, eles são muito menos comuns na América do Sul do que na América do Norte. Embora os números estejam crescendo em todo o mundo, o diaconato permanente é realmente uma instituição estabelecida apenas nos Estados Unidos e na Alemanha. Embora incapazes de presidir a missa ou de ouvir confissões, os diáconos poderiam ajudar a preencher a lacuna em áreas com poucos padres.

4) Muitos padres têm histórias especiais de sua vocação sacerdotal e uma história pessoal de como descobriram o chamado de Deus para o altar. Muitos padres se perguntam como um programa de viri probati se enquadra com a crença da Igreja na vocação, o que levanta o risco de transformar um padre em uma simples fábrica de sacramentos, ao contrário de alguém especialmente escolhido por Deus para o seu serviço.

5) Um programa de ordenação de viri probati também poderia ser usado pelos bispos para ordenar homens próximos a eles que abandonem o seminário para se casar, em vez de homens da comunidade à qual eles deveriam servir. Muitos bispos prefeririam ter padres casados que tenham feito “parte do sistema” e facilmente transferíveis dos seus cargos do que presbíteros locais difíceis de remover, que, naturalmente, teriam forte apoio entre o povo.

6) Finalmente, há o temor de que ordenar viri probati seja o proverbial “oferecer a mão e levarem o braço”, no sentido de que rapidamente poderia levar ao celibato opcional em toda a Igreja. Muitos bispos, incluindo Francisco, acreditam fortemente que o celibato deve ser a norma, mas, nas Igrejas orientais que têm clero casado, tanto católicos quanto ortodoxos, o celibato é a exceção à regra fora da vida monástica.

Essas objeções não são intransponíveis. Sob a Provisão Pastoral, o processo que permite que o clero protestante casado seja ordenado como padres católicos, a Igreja dos EUA conseguiu que um pequeno número de padres casados de rito latino viva e trabalhe com seus irmãos celibatários sem muita tensão durante quase 40 anos, embora esses homens tivessem feito a formação no seminário e fizessem parte da classe clerical em suas denominações anteriores.

E a questão não é apenas um cavalo de Troia para inserir o sacerdócio casado na Igreja mais ampla durante uma reunião focada na Amazônia.

Como uma autoridade vaticana brasileira me disse em particular, “podemos tanto discutir sobre como ser Igreja com padres casados na região amazônica, ou podemos debater sobre como ser Igreja sem padres na Amazônia”.

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