11 Junho 2019
Na história da Igreja na Amazônia houve missionários que podem ser considerados um ponto de referência na enculturação de uma Igreja com rosto indígena e rosto amazônico, o que está como pano de fundo do Sínodo para a Amazônia. Um deles foi o salesiano Luis Bolla, ou Yankuam, como era conhecido entre os Achuar do Peru. O perigo do padre Bolla e outros missionários é que eles acabem sendo reduzido a "um santinho", diz o padre Juan Bottasso, missionário salesiano na América Latina há 60 anos, que vê no Padre Bolla "um missionário sacrificado, paciente, imensamente generoso, sempre sereno e alegre".
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Ao falar de Yankuam (estrela da noite), seu irmão salesiano defini-lo como alguém que "com sua vida revolucionou em profundidade o perfil do missionário, explorando novas formas de evangelização". O que foi decisivo no Padre Bolla é que ele foi missionário entre os Achuar, "literalmente vivendo como eles", algo que não é fácil para um ocidental, pois se trata de um estilo de vida "extremamente difícil e para Yankuam era muito mais, porque ele não podia contar com o apoio de uma família dele, apoio que para todos os Achuar é fundamental ", insiste Juan Bottasso.
Quando o padre Bolla veio em meio aos Achuar pediu-lhes para aceitá-lo como um hóspede, algo que a princípio não entenderam, porque "levou tempo para que eles se convencessem de que seu pedido era altruísta", diz o padre Bottasso. Na verdade, de acordo com o salesiano "durante anos permaneceu sozinho e foi capaz de viver esse tipo de vida, rigidamente fiel a seus compromissos como sacerdote e religioso, unicamente sustentado pelo ideal que ele abraçou desde a infância para anunciar o Evangelho a um povo a quem nunca havia sido pregado".
O primeiro destino do Padre Bolla esteve entre os Shuar do Equador. Os salesianos estavam encarregados do Vicariato de Méndez, que corresponde aproximadamente à atual província de Morona Santiago. O trabalho missionário entre esse povo era difícil, como o Padre Bottasso diz, referindo-se a uma "conversa de Monsenhor Comín com o Papa, na qual o bispo lamentou a esterilidade do trabalho com esse grupo étnico "aristocraticamente arrogante", comparando-o com a inutilidade de "regar um pau seco". As coisas mudaram quando a prática de reunir os filhos dos Shuar em internatos se generalizou”.
Yankuam chegou às missões no momento em que os internatos estavam atingindo seu esplendor máximo. Nesse lugar ele vai descobrir, como diz o salesiano Bottasso, "que o bem supremo que possui um ser humano é a sua dignidade, a satisfação de ser o que é, o orgulho de pertencer ao grupo humano onde ele nasceu", o que era reprimido nos internatos, onde os meninos e meninas que estavam lá para "civilizar-se", pois seus povos eram "primitivos", ou ainda pior, "selvagens" e que eles deviam tornar-se diferentes, segundo Juan Bottasso.
A partir de uma boa intenção, eram denegridos os povos indígenas, criando "indivíduos que sentiam vergonha de ser o que eram, e queriam ser algo diferente, mas inatingível, porque a profunda identidade da gente não pode ser apagada", segundo Bottasso. Nesse ambiente, o padre Bolla, sem confrontar abertamente os outros salesianos, buscava formas alternativas, algo lento e gradual, mas cada vez mais radical.
O conhecimento em antropologia ajudou-o a entender que "o conceito de selvagem é uma invenção dos ocidentais, que assumem sua cultura como parâmetro para julgar todos os outros". De fato, o padre Bolla diz em seus escritos que "os Achuar eram um povo dos mais nobres. Seu modo de vida é o resultado de sua história e sua adaptação ao ambiente da selva". De fato, mesmo que houvesse coisas que ele não aceitasse, ele sempre dizia que "devemos tentar entender", algo ao qual ele dedicou sua vida. Consciente da necessidade de os Achuar se modernizarem, ele estava obcecado para que "no processo de mudança, eles não perderam seu orgulho e sentimento de pertença".
O Concílio Vaticano II foi uma inspiração para o Padre Bolla renovar seu modo de anunciar o Evangelho. Neste sentido, deve ser ressaltada a importância do decreto "Ad Gentes", que fala das "sementes do Verbo", superando o velho princípio de que "fora da Igreja não há salvação". Essas sementes foram encontradas por Yankuam especialmente, embora não apenas, nos mitos. De lá, ele insiste, de acordo com Padre Bottasso, "em partir sempre dos valores já presentes no povo, preocupado que a mensagem do Evangelho não será uma introdução de algo completamente estranho, mas uma força capaz de fazer brilhar ainda mais uma luz já acessa", insistindo sempre que" o Evangelho não veio substituir, mas enriquecer".
Todos concordam que Yankuam foi radical e assumiu o modo de vida dos Achuar na medida em que sua situação particular permitisse, algo que é muito difícil para aqueles que vêm de fora. Para o padre Bolla, "a proximidade com o povo era indispensável, o uso da língua total e permanente", insiste o Padre Bottasso, que diz que Yankuam "queria que os valores do Evangelho não se limitaram a serem transmitidos em palavras, mas com a vida". Portanto, "vestia como eles, celebrado com a coroa de penas na cabeça", não seguindo um folclore barato e sim como "uma maneira de valorizar uma tradição, da qual devem se orgulhar", diz Juan Bottasso.
Viver sozinho entre os Achuar causou tensões com os salesianos, que atribuem grande importância à vida comunitária. De fato, mais de 20 anos se passaram até a chegada do padre Diego Clavijo, embora na verdade a vida em comunidade fosse reduzida a poucos dias por mês. Na verdade, isso demostra, de acordo com o Padre Bottasso, "que há situações missionárias em que a vida religiosa deve ser capaz de tomar formas muito particulares em que a prioridade não é a estrita observância de um cronograma, mas a disponibilidade para evangelizar com maior eficiência". O que está claro é que, para evangelizar um povo, viver como eles é uma premissa fundamental.
Padre Bottasso reconhece que "Yankuam pode ser irrepetível e você tem que pensar muito antes de tentar literalmente fazer sua própria experiência". Na verdade, ele foi rotulado como irresponsável, pois foi ameaçado pela falta de remédios e por madeireiros, mineiros e traficantes de drogas. Em sua vida religiosa e espiritual, "somente um fortaleza interior como a sua poderia permitir-lhe viver tantos anos sozinho, tenazmente ligado à observância dos votos religiosos", insiste o Padre Bottasso, que observa que "a Yankuam pode se tentar imita-lo a seu dedicação, sua perseverança, sua generosidade, sua identificação heroica com os destinatários, a sua consagração até o último dia para a missão evangelizadora, mas neste esforço cada um pode ir tão longe como a sua força e as suas convicções permitirem".
O salesiano Botasso vê um paralelo entre a vida do Padre Bolla e o estilo do Papa Francisco. A partir da história da missão, Juan Bottasso reflete sobre como foi evangelizada a América, a partir do poder, baseado na doutrinação e sem uma troca com os valores e conhecimentos das culturas locais, e como foi evangelizada a Ásia, a partir da debilidade, um sistema adotado pelos jesuítas, primeiro com Francisco Xavier, e mais tarde com Ricci, Rodriguez e muitos outros, que adotaram costumes chinesas: vestido, língua, costumes do complicado rótulo local, e acabaram ganhando a amizade dos sábios.
Evangelização na Ásia, levou os missionários a comportar-se com extrema discrição e prudência, dada a possibilidade permanente de serem expulsos, por depender do capricho e humor dos funcionários, sendo capaz de dizer que experimentaram a condição do hóspede, algo que insiste Juan Bottasso. O salesiano afirma que "apesar dessas limitações, os resultados de suas atividades foram enormes. Se não fosse a interferência dos missionários de outras ordens, que julgaram seu método muito sincrético e em desacordo com a ortodoxia, é bem possível que o cristianismo tivesse penetrado profundamente na mentalidade e cultura, não só da China, mas de toda a Ásia. As denúncias chegaram a Roma e, após um século de diatribes e controvérsias, os "ritos chineses e malabares" foram proibidos. Uma oportunidade única foi perdida".
Analisando a sociedade atual, o padre Bottasso afirma que o tempo da cristandade acabou. A Igreja deixou de ser "potência" e "ninguém suporta que ela se apresente como aquela que resmunga, repreende, critica e condena". Junto com isso os escândalos estão tornando-a mais humilde e consciente de ser vulnerável e pecadora, insiste o salesiano. Segundo ele, esta é a Igreja de Francisco, "que não quer se apoiar em grandes estruturas, em cerimônias suntuosas ou amizade com os poderosos", condenando o clericalismo, "porque não quer que o sacerdote se considere privilegiado", uma Igreja que está ao lado dos feridos e excluídos, sempre pronta a servir, em vez de julgar.
"Yankuam deixou este mundo algumas semanas antes do Papa Francisco ser eleito. Como ficaria contente de ouvir suas palavras hoje e ver os seus gestos, que lhe confirmariam no estilo de vida que o caracterizou!", insiste Bottasso, para quem em qualquer lugar, “aquela que não recebe a rejeição é uma Igreja que vive como hospede e não como dona, que não defende seus privilégios, mas procura apenas servir. A Igreja de Yankuam e de Francisco".
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Yankuam, o missionário que se tornou hóspede dos Achuar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU