26 Fevereiro 2019
“Uma das questões mais prementes sobre a crise dos abusos sexuais do clero é como a Igreja deve lidar com os bispos acusados de encobrir acusações de abuso ou que até cometeram abusos.”
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de "O Vaticano por dentro" (Ed. Edusc, 1998). O artigo foi publicado por Religion News Service, 25-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para os católicos nos Estados Unidos, uma das questões mais prementes sobre a crise dos abusos sexuais do clero é como a Igreja deve lidar com os bispos acusados de encobrir acusações de abuso ou que até cometeram abusos.
Dois ex-arcebispos de Washington, apenas para citar os exemplos mais proeminentes, foram derrubados nos últimos meses por acusações de sua própria má conduta ou por não terem agido diante de acusações alheias. Os casos apenas agravaram as queixas de que, embora exista um sistema nos Estados Unidos para investigar as acusações contra padres, não há um bom sistema para lidar com as acusações contra bispos.
Como lidar com o abuso ou a negligência dos bispos também é um dos maiores problemas que a conferência vaticana sobre abusos sexuais por parte do clero em Roma enfrentou nesta semana.
O Direito Canônico diz que somente o papa pode julgar um bispo, mas, com mais de 5.000 bispos em todo o mundo, essa é uma tarefa impossível para o papa fazer por conta própria.
Em uma palestra aos bispos na sexta-feira, no encontro de quatro dias com o papa, o cardeal Blase Cupich, de Chicago, pediu procedimentos claros para lidar com casos que possam justificar a remoção de um bispo.
Em sua proposta, Cupich sugeriu que, se um bispo for acusado de má conduta ou de má gestão em relação a padres abusivos, o arcebispo metropolitano da sua região deve investigar e relatar suas descobertas às autoridades vaticanas.
A proposta de Cupich é uma versão expandida daquilo que ele apresentou no ano passado na reunião de novembro da Conferência dos Bispos dos EUA, em que ela foi duramente criticada por não ter credibilidade, já que bispos estariam investigando bispos.
Uma proposta alternativa dos comitês da Conferência Episcopal pediu que os bispos acusados sejam investigados por uma comissão nacional que inclua membros leigos. No entanto, esse sistema seria voluntário. Um bispo poderia se recusar a participar.
Nenhuma das propostas foi posta em votação, porque o cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, pediu que os bispos dos EUA adiassem qualquer decisão sobre as propostas até depois do encontro de fevereiro em Roma.
Cupich argumenta que a sua proposta, além de ser obrigatória, está mais de acordo com a lei e a tradição da Igreja. O arcebispo metropolitano desempenhou vários papéis ao longo da história, mas sempre foi o principal bispo em sua província ou região eclesiástica. Ao apresentar a sua proposta em Roma, Cupich tentou lidar com seus críticos enfatizando o papel dos leigos na investigação.
Ele pediu especificamente uma linha telefônica e/ou um portal na internet exclusivos para receber denúncias e transmiti-las diretamente ao núncio papal, ao metropolitano do bispo acusado “e a quaisquer especialistas leigos previstos em normas estabelecidas pelas Conferências Episcopais”.
Ele concordou que o envolvimento de especialistas leigos é bom para o processo e para a transparência.
Ele listou 12 princípios que precisam encontrar seu espaço em qualquer legislação proposta, incluindo o respeito e o apoio às vítimas e às suas famílias, a proteção para os denunciantes e o envolvimento de homens e mulheres leigos no processo.
“Se a acusação tiver a aparência de verdade”, disse Cupich, “o metropolita pode solicitar autorização da Santa Sé para investigar.”
Uma vez recebida a autorização, o metropolita “deve reunir todas as informações relevantes de forma diligente, em colaboração com especialistas leigos, para garantir a execução profissional e rápida da investigação”.
Cupich disse que, embora qualquer “investigação deva ser conduzida com o devido respeito pela privacidade e pelo bom nome de todas as pessoas envolvidas”, isso não deve impedir que se “informe os fiéis sobre a acusação contra o bispo”.
Depois de concluir a investigação, o arcebispo encaminharia todas as informações reunidas para a Santa Sé. Caberia, então, ao papa tomar uma decisão final.
Embora a proposta de Cupich não satisfaça os críticos que não confiam nos bispos para policiarem a si mesmos, ela tem, sem dúvida, uma chance melhor de ser adotada em todo o mundo do que um processo envolvendo investigações conduzidas por uma comissão leiga.
Outra abordagem, que tem sido sugerida pela Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, é estabelecer um escritório ou tribunal separado no Vaticano para investigar as acusações contra bispos. Esse escritório seria composto por investigadores treinados que relatariam suas descobertas aos promotores, que poderiam apresentar acusações contra o bispo se houvesse evidências suficientes. Isso seria seguido por um processo administrativo ou judicial para determinar a sua inocência ou culpa.
Tal como está agora, a investigação dos bispos é normalmente da responsabilidade da Congregação para os Bispos, que não tem pessoal nem está equipada para fazer investigações sérias. Além disso, trata-se do mesmo órgão que é responsável pela nomeação dos bispos, o que significa que qualquer descoberta de culpa contra um bispo seria uma admissão de que ela cometeu um erro ao nomeá-lo, em primeiro lugar. Assim, há um conflito de interesse embutido em qualquer investigação.
O exemplo mais recente de uma investigação de um bispo foi o caso do ex-cardeal Theodore McCarrick, ex-arcebispo de Washington. A responsabilidade por esse caso foi dada pelo papa à Congregação para a Doutrina da Fé, o mesmo escritório que lida com casos de padres abusivos.
Um extenso relatório foi produzido pelo comitê de revisão leigo da Arquidiocese de Nova York, mas, para a Congregação, a principal evidência foi o testemunho dos homens que disseram ter sido abusados sexualmente por McCarrick quando eram menores de idade. Foi só depois que a vítima, chamada de “James” pelo New York Times, concordou em testemunhar que o caso pôde avançar.
O “congresso”, ou comitê composto pelo alto escalão da Congregação, examinou as provas e o considerou culpado, e impôs-lhe a penalidade da demissão do estado clerical. Os advogados de McCarrick recorreram ao comitê de cardeais e bispos que compõem a Congregação, e eles confirmaram a decisão.
De acordo com o comunicado de imprensa da Congregação, “o Santo Padre reconheceu a natureza definitiva dessa decisão tomada de acordo com a lei”. Isso significa que não pode haver recurso da decisão. Tecnicamente, o papa não demitiu McCarrick do estado clerical; foi a Congregação que o fez. O papa lhes deu a autoridade para fazer isso quando lhes entregou o caso.
A Igreja precisa ter uma discussão robusta sobre como responsabilizar os bispos pelos seus maus feitos e pela negligência no cargo. Mas essa discussão não pode continuar para sempre. Mesmo um sistema imperfeito é melhor do que o que temos agora. Se Cupich conseguir fazer com que seus irmãos bispos aceitem sua proposta, eles deveriam seguir em frente.
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Bispos em Roma custam a encontrar um modo para investigar bispos. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU