11 Setembro 2018
“É no próprio Vaticano, na Cúria de Roma, em um setor de cardeais, bispos e clero, nos grupos mais integristas e conservadores, nos mais apegados ao clericalismo, em tais ambientes, onde menos se suporta o Papa Francisco”, escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado por Religión Digital, 09-08-2018. A tradução é do Cepat.
Ninguém coloca em dúvida que o Papa Francisco seja um homem controvertido. Acontece com este Papa – “mutatis mutandis” – o mesmo que aconteceu com Jesus de Nazaré.
Com Jesus aconteceu que, diante dele e a vida que levava, houve aqueles que viram nele a salvação e aqueles que pensaram que carregava um demônio por dentro (Mc 2, 20-30). Pois bem, agora nos deparamos com algo muito parecido no caso do Papa Francisco. Abundam os que veem nele a solução para a Igreja e para muitas coisas deste mundo. Assim como não faltam os que almejam que se vá ou desejam que morra.
É claro, o que acabo de apontar, com mais ou menos detalhes, todo mundo sabe. Por isso e como é lógico, não pretendo informar a respeito do que já se conhece e que todos os dias os meios de comunicação se encarregam de nos recordar, com novos dados e novos detalhes.
Então, para que vem agora o fato de nos recordar o que todos já sabemos? Simplesmente, escrevo estas coisas porque há algo muito fundamental neste assunto que, com frequência, não levamos em conta. Refiro-me a isto: Jesus fez e disse tais coisas, que sua vida acabou sendo um conflito. Mas, um conflito com quem? Com a religião, com seus dirigentes (os sacerdotes do templo, os mestres da lei, e os observadores fariseus). Um conflito tão brutal, que levou Jesus a ter que aceitar a mais baixa função que uma sociedade pode atribuir: a de delinquente executado (G. Theissen).
Assim, ficou patente que a religião, entendida e vivida como a entenderam e viveram os que mataram Jesus, é incompatível com o Evangelho. E, se preciso, mata a seu representante central, Jesus de Nazaré, por mais que esse representante diga e demonstre que é a revelação de Deus (Jo 1, 18; 14, 9-11).
Muita gente não sabe que a religião começou a ser praticada no mundo quando nele se fez presente o Homo Sapiens, o ser humano, há 100.000 anos. A religião, em suas mais remotas origens, não era a busca de Deus. A religião começou sendo a mera prática de rituais, esquemas de comportamento desligados de sua função pragmática (J. Huxley, K. Lorenz), que eram praticados para acalmar o espírito, aliviar preocupações e sofrimentos, remediar inquietações naqueles incipientes seres humanos tão desamparados. Os ritos funerários são um bom exemplo deste primitivo esquema de religião.
O de Deus apareceu muito mais tarde, seguramente no Paleolítico superior. Por isso, se disse com razão que “Deus é um produto tardio na história da religião” (G. van der Leeuw, E. B. Tylor). Daí que “o ritual oferece uma orientação que transforma o “enfrentamento” recíproco em “colaboração”. Na voragem da história, só puderam sobreviver as organizações sociais fundadas sobre bases religiosas” (W. Burkert). Em definitivo, quando a observância dos rituais produz tranquilidade, dá dinheiro e exalta com honras e dignidades, a religião se apega a suas observâncias e, se for preciso, para conservar seus privilégios, mata. Por isso, Jesus acabou pregado em uma cruz.
É evidente que quando o Fato Religioso chega a semelhante excesso, a religião fanatiza os humanos e pode (e costuma) empurrá-los a condutas aberrantes – e inclusive criminosas –, com a “consciência tranquila” e “as mãos limpas”. Por isso, Jesus, o Senhor, enfrentou a religião, ao custo de sua própria vida.
Tudo isto tem algo a ver com o que está acontecendo com o Papa Francisco? É chamativo que este Papa se veja rejeitado, atacado e até odiado pelos que sempre defenderam os papas. É no próprio Vaticano, na Cúria de Roma, em um setor de cardeais, bispos e clero, nos grupos mais integristas e conservadores, no mais apegados ao clericalismo, em tais ambientes, onde menos se suporta o Papa Francisco. Por quê? Exatamente pelos mesmos motivos que os notáveis de Jerusalém, do século primeiro, não suportaram Jesus. Aqueles homens suportaram o Imperador de Roma, Herodes e Pilatos. O que não foram capazes de suportar foi a humanidade de Jesus, sua preferência pelos últimos e os mais desamparados deste mundo. Isto foi o insuportável. O mesmo dos tempos de Jesus, agora, em nosso tempo.
Como tinha razão Walter Benjamin! Em 1921, há quase um século, já percebeu que “a religião de nosso tempo é o capitalismo”. O dinheiro nos proporciona bem-estar, paz, sossego, segurança. Percebemos o porquê a “religião mais clericalista” e o “capitalismo mais direitista” são inseparáveis? Se entendermos isto, compreenderemos também o porquê o clericalismo e seu achegados não suportam o Papa Francisco.
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“Não faltam os que almejam que Francisco se vá, ou desejam que morra”. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU