25 Mai 2018
“O Papa Francisco está fazendo o que precisa ser feito. E acrescento que aqueles que confrontam este Papa porque está desvelando essa escandalosa questão, tornam-se cúmplices de uma das formas mais vergonhosas de delinquência”. A reflexão é de José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 23-05-2018. A tradução é de André Langer.
O recente problema que o Papa Francisco teve com os bispos do Chile expôs não apenas a gravidade do problema da pedofilia no clero, mas também a honradez do Papa Bergoglio, que pediu publicamente perdão pelo que este escandaloso caso representou para a Igreja, para o papado e para o episcopado.
Este escândalo e muitos outros que ficamos sabendo, especialmente nos últimos anos, estão deixando não poucos católicos indignados e já fizeram alguns bispos colocarem a boca no céu. Roupa suja se lava em casa, mas não se publiciza para que todos tomem conhecimento das fraquezas humanas que ocorrem entre o clero, como são produzidas e reproduzidas entre todos os mortais. Não seria melhor manter essas coisas escondidas, como se fez durante séculos na Igreja?
Os crimes de pedofilia são crimes graves cometidos contra menores. E sabemos que, de acordo com a legislação, ocultar crimes graves contra pessoas inocentes é cometer outro crime. E, além disso, um crime importante. O clero não tem “bula” para abusar de menores e, além disso, esconder esses abusos. O Papa Francisco está fazendo o que precisa ser feito. E acrescento que aqueles que confrontam este Papa porque está desvelando essa escandalosa questão, tornam-se cúmplices de uma das formas mais vergonhosas de delinquência.
Além disso, a conduta desse Papa no desavergonhado escândalo dos abusos infantis é a conduta que o papado tinha que ter assumido há muitos anos. E aqui não quero continuar mordendo a língua. Já nos tempos de Pio XII, e sendo eu jesuíta, fui designado para um seminário diocesano (não vou dizer de qual seminário estou falando) em que se descobriu – e era um escândalo público e notório – que o reitor daquele mesmo seminário tinha abusado de seminaristas que eram crianças inocentes.
E o pior de tudo é que, durante o tempo em que estive naquele seminário, como formador dos seminaristas, os responsáveis pelo seminário recebiam repetidos e insistentes documentos, enviados da Santa Sé, que nos proibiam energicamente de divulgar o que tinha acontecido no seminário. A preocupação, que nos foi transmitida, reduzia-se a ocultar os abusos e os crimes que tinham sido cometidos.
Como é lógico, aquilo foi, para mim, motivo de muito sofrimento. E de muita reflexão. Assim que, para terminar, parece-me importante dizer o seguinte: os quatro Evangelhos – “Palavra do Senhor” – nos explicam o comportamento, não apenas de Jesus, mas também dos discípulos e apóstolos mais próximos do próprio Jesus.
Bem, todos nós sabemos que Jesus teve confrontos muito sérios com os primeiros apóstolos que a Igreja teve. Jesus disse a Pedro que era “Satanás”!, e seu comportamento, um “escândalo” (Mt 16 23 par). Somos informados de que o próprio Pedro negou Jesus três vezes na paixão (Mt 26, 69-74 par) e que no caminho da paixão “todos o abandonaram” (Mc 14, 50).
E se nos referimos a um assunto tão vital (para um cristão) como é o da fé, os Evangelhos não hesitam em repetir com frequência que os apóstolos tinham muito pouca fé, não acreditavam ou eram homens que tinham uma fé que era menor que “um grão de mostarda”. Os textos, neste sentido, são abundantes (Mt 8, 26; 14, 31; 16, 8; 17, 20; Mc 4, 40; 16, 11.13.14; Lc 8, 25; 24, 11.41; Jo 20, 25-31).
Se os Evangelhos não viram dificuldade alguma em dizer publicamente, para o mundo inteiro e até o fim dos tempos, as limitações, covardias e contradições, que tiveram os primeiros apóstolos da Igreja, será que os bispos de hoje são mais dignos e mais intocáveis do que os primeiros apóstolos que Jesus, o Senhor, nomeou?
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“O clero não tem ‘bula’ para abusar de menores e, além disso, escondê-lo”. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU