06 Setembro 2018
Cento e quarenta teólogos e filósofos de todo o mundo celebraram, em agosto do corrente ano, os 90 anos de Metz com uma declaração coletiva. Entre eles está o espanhol Reyes Mate, aluno e amigo de Metz, que citaremos ao longo desta apresentação, especialmente ao relacionar a “Teologia Política” de J. B. Metz com a “Teologia da Libertação” de Gustavo Gutiérrez. E também os comentários do filósofo e teólogo dominicano mexicano Miguel Concha, também aluno e amigo.
A reportagem é de Saturnino Rodríguez, publicada por Religión Digital, 05-09-2018. A tradução é de André Langer.
A atualidade do teólogo Metz reside na sua reivindicação de “uma cultura anamnética”, ao mesmo tempo que denunciava “a amnésia cultural de uma sociedade moderna ou pós-moderna”; além disso, ele se arriscou a falar de uma “ética anamnética” (rememoração) e até mesmo de uma “razão anamnética”, que é levar a defesa de uma cultura da memória às suas últimas exigências.
No dia 5 de agosto, o grande teólogo alemão Johann Baptist Metz completou 90 anos, dois meses após ter chegado à mesma idade outro grande teólogo contemporâneo, o peruano Gustavo Gutiérrez Merino, a quem também dedicamos uma série de apresentações em Powert Point. Os dois pais – um da Teologia Política, europeia, e o outro da Teologia da Libertação, latino-americana – estão unidos por importantes laços, sem contar uma longa amizade. Entre as duas reflexões existem fortes elos. Começamos com J. B. Metz e sua Teologia Política, para concluir nas relações com G. Gutiérrez e a Teologia da Libertação, para continuar com a relação entre ambos.
Johann Baptist Metz nasceu em 5 de agosto de 1928 na cidade de Welluck-Alemanha. Fez seus estudos em Innsbruck e Munique, obtendo dois doutorados: um em Filosofia e outro em Teologia. Será testemunha da Segunda Guerra Mundial, da derrota alemã e da divisão da Alemanha com o Muro de Berlim (1961) e da unificação alemã com a queda do Muro de Berlim em 1989.
Johann Baptist Metz (Foto: Settimana News)
Johann Baptist Metz foi discípulo e amigo de seu compatriota e teólogo Karl Rahner. O Concílio Vaticano II, do qual ele foi perito, foi um acontecimento chave na vida de Rahner. Ele exerceu uma influência decisiva na orientação renovadora dos documentos conciliares, vários dos quais são de sua autoria. Para este teólogo alemão, a política é fundamental para a reflexão teológica, como se pode observar em sua vasta bibliografia (Rahner, Karl. Teologia Política. Madri: Arbor, 1970, tomo 1, n° 291, pp. 245-346).
Rahner afirma que “a teologia política ainda não está definida de um modo inteiramente unívoco [...] A verdade é que a teologia política não tem nada a ver com uma atividade política da Igreja ou do clero, mas sim, reconhece por razões teológicas o mundo secular como tal e legítimo [...] Neste sentido pelo menos, uma teologia política é urgente hoje, já que na teologia tradicional percebe-se algo como uma privatização e um estreitamento do cristianismo orientados apenas para a salvação interna do indivíduo, pelo fato de que a teologia da esperança foi concebida apenas individualmente [...], cabe conceber a teologia política como uma tarefa da teologia que consiste em uma abordagem crítica do sistema social vigente [...]”.
Para a teóloga e professora universitária Dorothee Sölle, “a teologia política é uma teologia da libertação”, focada fundamentalmente em um conceito anti-imperialista e, portanto, solidária com os países subdesenvolvidos. O próprio Metz escreveu: “A teologia é um discurso sobre Deus em Aliança com o ser humano. Esse Deus sempre quis uma humanidade na ‘maioridade’, libertada e livre. É o Deus do Êxodo, o Deus do qual Jesus proclama seu Reinado. É o Deus da Promessa de um mundo novo, de um futuro para toda a humanidade”.
Metz, discípulo predileto de Karl Rahner, situado no campo ahistórico transcendental por intermédio do Immanuel Kant da razão pura, chegou à teologia política sob a proteção do Kant da razão prática, de Karl Marx, de Walter Benjamin e do alemão Ernst Bloch, entre outros. Para isso, ele tinha que se deparar com o sujeito social capaz dessa prática crítica que leva ao conceito de seguimento de Jesus. Metz queria ser um teólogo da nossa cultura. Em seus debates com Jürgen Habermas, por exemplo, onde ambos coincidem no diagnóstico da perda de identidade do homem ocidental, J. B. Metz postula uma nova cultura política.
O filósofo e teólogo Reyes Mate escreveu sobre Rahner em 1984: “Quem investiga as fontes de sua reflexão encontrará o tomismo aristotélico, evidentemente, mas também Kant. Não o Kant da razão prática, que leva a Marx, mas o Kant da teoria do conhecimento transcendental; encontrará também Hegel, expoente do idealismo transcendental, ambos preocupados em fixar a condição e o conteúdo da consciência na própria experiência. No entanto, a referência constante de seu pensamento, sobretudo o filosófico, é Heidegger, por parte de quem o jesuíta alemão Rahner não conseguiu a aprovação da tese de doutoramento. Heidegger não compartilhava a teoria do jovem Rahner de que a solução para os problemas da metafísica passaria por uma atualização da metafísica clássica, aristotélico-tomista, mas antes por tirar aqueles de todo o contexto cristão”.
Os historiadores da teologia situam J. B. Metz na corrente da “Nouvelle Theologie”, que surgiu na velha Europa, especialmente na França. Metz faz parte desta nova corrente, que surgiu no início da década de 40 do século passado. A “Nova Teologia” tinha como objetivo fazer uma teologia mais relacionada com a vida. Ou seja, uma teologia cristã em relação com o mundo, de diferentes perspectivas e de diversos campos. A Nouvelle Theologie abria as portas da teologia para todos os homens de fé.
No congresso internacional de teologia realizado em Toronto-Canadá em 1967, Metz, em suas colocações teológicas nesse congresso, usou repetidas vezes a palavra Teologia Política. Ele a sistematizará em sua obra intitulada Sobre a Teologia do Mundo, publicada em 1968. Neste livro, ele expõe sua assim chamada Teologia Política, tornando-se assim o pai moderno desta teologia.
Pois bem, Metz, nesta obra, não faz nenhuma conceituação dessa nova teologia. A única coisa que ele diz é que “o conceito de Teologia Política é ambíguo e, portanto, pode ser mal interpretado”. Mas deixa claro o que entende por Teologia Política, e o diz de duas maneiras:
— “Eu entendo a teologia política como um corretivo crítico para uma tendência extrema que a teologia atual tem para a privatização”.
— “Entendo, ao mesmo tempo, por teologia política a tentativa de formular a mensagem escatológica nas condições de nossa atual sociedade”.
Estas são algumas das obras relevantes deste notável teólogo-filósofo alemão Johann Baptist Metz: Sobre o conceito do futuro, 1965; Teologia do mundo, 1968; Teologia política, 1969; Ilustração e teoria teológica. A Igreja na encruzilhada da liberdade moderna. Aspectos de uma nova teologia política, 1973; Fé na história e na sociedade, 1979; Além da religião burguesa, 1980; As ordens religiosas, 1988; Deus e tempo: nova teologia política, 2002; Memoria Passionis, 2006, etc.
Em todas estas obras, J. B. Metz aborda o tema da teologia política. Em alguns textos, será mais eloquente e em outros menos.
Segundo o teólogo jesuíta alemão assessor do Concílio Vaticano II Karl Rahner e professor de Johann Baptista Metz a teologia política nada tem a ver com uma atividade política da Igreja ou do clero, mas, como Johann B. Metz bem reconhece por razões teológicas, com o mundo secular como tal e como legítimo.
A teologia política faz parte da filosofia política e da teologia que investiga as formas como os conceitos teológicos ou formas de pensar estão relacionados com a política, a sociedade e a economia. Embora a relação entre o cristianismo e a política tenha sido objeto de debate desde a época de Jesus, a teologia política como disciplina acadêmica começou durante a última parte do século XX, em parte como resposta ao trabalho do cientista político e filósofo jurídico alemão Carl Schmitt (1888-1985), assim como da Escola de Frankfurt. A publicação Political Theology atualmente examina essa interface de fé religiosa e política.
A relação entre os dois personagens – Metz e Gutierrez – e suas teologias é muito estreita. O teólogo Gustavo Gutiérrez e outros latino-americanos se formaram em universidades europeias como “Le Saulchoir” dos dominicanos na Bélgica e “Lyon-Fourviere” dos jesuítas em Lyon (França) e foram alunos de eminentes teólogos alguns dos quais foram peritos do Concílio Vaticano II e inclusive redatores de alguns de seus textos. Um deles é justamente Johann Baptist Metz e sua “Teologia Política”, juntamente com outras figuras como Marie-Dominique Chenu e Yves Congar no Le Saulchoir e Jean Daniélou, Henry de Lubac e Rahner em “Lyon-Fourviere”. Eram os corolários da La Nouvelle Theologie que surgiu na França no início do século XX.
Gustavo Gutiérrez (Foto: Vatican News)
As relações entre os dois teólogos, o europeu Johann Baptist Metz e o latino-americano Gustavo Gutiérrez, e suas respectivas teologias: a Teologia Política e a Teologia da Libertação e a complementaridade entre ambos, são evidentes.
Isso justifica o recurso às obras de dois outros teólogos conhecedores e amigos de ambos: o espanhol Reyes Mate, filósofo e teólogo, professor e pesquisador do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC), e Miguel Concha, teólogo dominicano mexicano professor de pós-graduação em Estudos Latino-Americanos da FCPyS-UNAM (Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México) e fundador da Associação de Direitos Humanos Francisco de Vitória.
O filósofo e teólogo espanhol Reyes Mate, conhecedor e amigo dos dois teólogos, escreveu em novembro de 1986, no jornal El País, sobre o encontro que aconteceu no Instituto Alemão de Cultura em Madri entre o teólogo católico Johann Baptist Metz e o teólogo protestante Jürgen Moltmann, recordando que o filósofo Ernst Bloch, um dos autores de referência, advertira dizendo: “quando os teólogos se empenham em ser mais racionalistas do que o homem secular, acabam não tendo nada a dizer”. Por este motivo, Metz, bom conhecedor de Bloch que é, nunca deixa de repetir que existem mais elementos libertadores nos mitos descartados pelo homem secular do que naqueles que este construiu.
O filósofo-teólogo professor Reyes Mate, professor de Pesquisa do CSIC no Instituto de Filosofia intitulou e qualificou em 1988 no jornal El País Johann Baptist Metz como “um clássico incômodo da teologia católica”. E o explicava no começo: “De Karl Rahner foi dito, assim como de Shakespeare, que sua biografia era sua obra, uma obra na qual o rigor conceitual anda de mãos dadas com uma curiosidade inesgotável por todos os temas da vida”.
Gustavo Gutiérrez e sua Teologia da Libertação e Johann Baptist Metz e sua Teologia Política são muito próximos. Para a teóloga e professora universitária Dorothee Sölle, que ocupa a cátedra de Teologia Sistemática no Seminário Teológico de Nova York, “a Teologia Política é uma Teologia da Libertação”, centrada fundamentalmente em um conceito anti-imperialista e, portanto, em solidariedade com os países subdesenvolvidos.
Para compreender melhor, diríamos que as caravelas que da Europa levaram há mais de 500 anos os conquistadores e evangelizadores para o que chamavam de “Novo Mundo”, voltaram depois de centenas de anos – já não em navios, mas em meios técnicos mais avançados – para “reevangelizar” os seus evangelizadores de antes.
Com grande dose de humor, poderíamos dizer que a Teologia da Libertação, cujo “pai” foi há 50 anos G. Gutiérrez – que acabou de completar 90 anos também –, tem por “avô” Johann Baptist Metz, seu famoso professor alemão e amigo.
Neste sentido, a análise e a crítica da Teologia Política contemporânea da Europa apresentam pontos de convergência com a Teologia da Libertação da América Latina, que fornece como ingredientes fundamentais para uma nova sociedade e uma nova cultura a longa história de resistência e lutas das classes exploradas, das raças desprezadas e das culturas discriminadas, resultado da modernidade. O que não tem nada a ver com os atuais movimentos reacionários de centralização, subordinação, submissão e padronização, dentro e fora da Igreja.
No decorrer desta exposição – como disse o teólogo mexicano Miguel Concha em sua obra Crepúsculo do Humanismo: “Nós tentamos fazer um esforço de esclarecimento e síntese. Queremos enfatizar mais uma vez que a atual civilização tecnológica, fruto da cultura da modernidade, parece que na realidade produz monstros, e que a única saída do ponto de vista cultural e cristão no chamado Primeiro Mundo é recuperar a memória subversiva de Deus e, com ela, a busca da igualdade e da justiça para todos, bem como o reconhecimento dos outros em seu ser diferente”.
Desde outra perspectiva, a dos “de baixo”, a teologia de Johann Baptist Metz é uma interlocutora da Teologia da Libertação de Gustavo Gutiérrez, no diálogo científico fecundo com outras correntes teológicas. Portanto, escreve Gutiérrez no livro acima mencionado: “A teologia política apresenta-se como ‘uma tentativa de expressar a mensagem escatológica do cristianismo em relação à era moderna como uma figura da razão crítico-prática’”.
A virada antropológica de Rahner influenciou na elaboração da teologia política de Metz e este influenciou seu mestre com suas teses sobre a memória, a função crítico-pública do cristianismo e da teologia e o duplo componente, místico e social, do cristianismo. Ele mostrou seu apoio à teologia latino-americana da libertação justamente quando as condenações do Vaticano contra ela recrudesceram. Uma das últimas cartas que ditou antes de morrer, estando hospitalizado no sanatório das Irmãs da Cruz de Rum, perto de Innsbruck, dirigiu à Conferência Episcopal do Peru em defesa da Teologia da Libertação e do teólogo Gustavo Gutiérrez, um de seus iniciadores.
É do conhecimento de todos que a Teologia Política nasce na Europa e a Teologia da Libertação na América Latina, dois continentes distintos, com realidades diferentes, mas com o mesmo objetivo: encontrar e fazer o máximo possível a vontade de Deus neste mundo. Metz é eloquente ao mencionar que “ambas as teologias se caracterizam por sua especial sensibilidade para com a teodiceia”.
De acordo com o professor Carlos Iván Peñafiel em seu livro Relevância da Teologia Política na Igreja Latino-Americana, estas podem ser as divergências entre a Teologia Política e a Teologia da Libertação.
Convergências:
a) “Adeus à sua inocência social”: isto é, pelo interesse de uma justiça, essas duas teologias se tornam místicas e políticas.
b) “Adeus à sua inocência histórica”: “a teologia tem que dizer adeus a um universalismo histórico sem sujeito, alheio a qualquer situação e, até certo ponto, sem conteúdo humano”.
c) “Adeus à sua suposta inocência étnico-cultural”: estas duas teologias são universais, não pertencem a uma cultura ou povo específico.
Divergências, segundo o professor Alfonso Garcia Rubio (Teologia da Libertação: política ou profetismo. São Paulo: Loyola, 1983):
a) A teologia política não vem acompanhada por uma análise sociopolítica específica.
b) Separação ideológica entre teologia e ética política, porque se existisse tal separação, haveria uma separação entre a reflexão teológica e a necessidade de uma práxis.
c) As afirmações de Metz sobre a secularização e a privatização da salvação são consideradas desde a Teologia da Libertação como generalidades de um determinado contexto europeu, e a América Latina tem um ambiente diferente.
d) A teologia política deve estar presente ali onde os problemas humanos são mais urgentes, sem cair em discussões muitas vezes teóricas.
Uma vez observadas as semelhanças e as discrepâncias entre a Teologia da Libertação e a Teologia Política, induz-nos a afirmar e aceitar que cada teologia tem seu próprio jeito de fazer teologia, e é justamente isso que as diferencia. A relevância dessas duas teologias está em que são inspiradas no Evangelho, percebendo o que o filósofo e teólogo jesuíta uruguaio Juan Luis Segundo diz sobre o fazer teologia: “não existe teologia cristã, nem interpretação cristã do Evangelho sem uma opção política prévia”.
Ignacio Ellacuría concorda com Clodovis Boff, o irmão de Leonardo, em que a Teologia da Libertação não é uma teologia que se mantém alheia ou distante da problemática política. Por sua parte, I. Ellacuría assinala que “a Teologia da Libertação não se mantém neutra em face das diferentes opções políticas, mas toma partido e opta parcialmente pela libertação dos oprimidos. No entanto, o fato de a Teologia da Libertação pertencer à família das teologias políticas não significa que ela vá, mimeticamente, no vácuo da Teologia Política [...]”.
A Teologia da Libertação, de acordo com Rosino Gibellini (A Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 1998), tem três etapas ou fases: a fase de preparação, que vai de 1962 até 1968. A fase de formulação, que abarca os anos 1968-1975. E, finalmente, a fase de sistematização, de 1976 em diante, quando a Teologia da Libertação se empenha em refletir sobre o seu próprio método, e é quando surge uma série de obras que sistematizam o trabalho teológico da Teologia da Libertação.
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Metz e Gutiérrez: duas teologias irmãs. 90 anos de Johann Baptist Metz, pai da “Teologia Política” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU