23 Junho 2018
“A credibilidade do Evangelho é posta à prova pela maneira como os cristãos respondem ao grito de todos aqueles que, injustamente, nos diferentes cantos da terra, são vítimas do trágico aumento da exclusão que, gerando pobreza, fomenta os conflitos”. Em seu segundo discurso em Genebra, diante dos membros do Conselho Ecumênico de Igrejas, o Papa Francisco insistiu na missão e no testemunho comum do Evangelho que os cristãos podem e devem dar em nosso tempo.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 21-06-2018. A tradução é de André Langer.
O cenário do segundo encontro da viagem é novamente o Centro Ecumênico do Conselho de Igrejas, onde o Papa chegou após almoçar no Instituto Ecumênico de Bossey, um centro internacional de encontro, diálogo e formação do CMI. Está localizado no Castelo de Bossey, construído no século XVIII, no campo, entre as cidades lacustres de Versoix e Nyon, a cerca de 25 km de Genebra. Ali, Francisco almoçou com alguns representantes do CMI, onde também aconteceu a troca de presentes, realizada no jardim. Francisco recebeu um ícone que representa a unidade e duas garrafas de água do Conselho Ecumênico de Igrejas. Estavam esperando por ele, sob o sol escaldante, um grupo de estudantes do instituto que cantou uma estrofe de um canto da Comunidade de Taizé, com as palavras “Ubi caritas et amor, Deus ibi est” (Onde há caridade Deus aí está).
Depois do almoço e tendo cumprimentado os cozinheiros, Francisco retornou a Genebra. O encontro começou com o discurso do rev. Olav Fykse Tveit, secretário-geral do CMI, que, para saudar o Papa, disse: “A ‘realpolitik’ da Igreja de Jesus Cristo sempre é uma questão de amor”. Depois dele tomou a palavra Agnes Abuom, moderadora do Comitê Central do CMI, para fazer referência a todas as atividades comuns realizadas para ajudar aqueles que sofrem em diferentes países do mundo, e garantiu orações pelo Papa.
Francisco, que chegou para celebrar o 70º aniversário da criação do Conselho Mundial de Igrejas, agradeceu aos primeiros ecumenistas que, “impulsionado pelo desejo urgente de Jesus não se deixaram enredar nos nós intrincados das controvérsias, mas encontraram a audácia de olhar além e acreditar na união, superando o muro de suspeitas e do medo”. Pessoas que “com a força indefesa do Evangelho, tiveram a coragem de mudar o rumo da história, essa história que nos levou a desconfiar uns dos outros e a distanciar-nos reciprocamente, cedendo à diabólica espiral de contínuas fragmentações”.
O Pontífice argentino também recordou que o Conselho de Igrejas “nasceu como um instrumento daquele movimento ecumênico suscitado por um forte chamado à missão: como podem os cristãos evangelizar se estão divididos entre si? Esta pergunta premente é a que também dirige hoje o nosso caminhar e traduz a oração do Senhor a estar unidos ‘para que o mundo creia’”. Neste sentido, o Papa expressou uma preocupação que nasce “da impressão de que o ecumenismo e a missão não estão tão estreitamente unidos como no começo”.
“No entanto – insistiu Bergoglio –, o mandato missionário, que é mais do que a diakonia e a promoção do desenvolvimento humano, não pode ser esquecido ou esvaziado. Trata-se de nossa identidade. A proclamação do Evangelho até o último confim é conatural ao nosso ser cristão. Certamente, a forma como a missão é realizada muda de acordo com os tempos e os lugares e, diante da tentação (infelizmente comum) de se impor seguindo lógicas mundanas, convém recordar que a Igreja de Cristo cresce por atração”. É o que Francisco repetiu constantemente sem perder ocasião, retomando ideias já expressas por Bento XVI.
Mas, perguntou-se o Papa: “em que consiste esta força de atração? Evidentemente, não em nossas ideias, estratégias ou programas. Não se acredita em Jesus Cristo mediante um acordo de vontades e o Povo de Deus não é redutível ao status de organização não-governamental. Não, a força da atração reside naquele dom sublime conquistado pelo apóstolo Paulo: ‘conhecê-lo [Cristo], e a força de sua ressurreição e a comunhão com seus sofrimentos’”.
Por isso, Francisco convidou a não reduzir “este tesouro ao valor de um humanismo puramente imanente, adaptável às modas do momento. E seríamos maus guardiões se quiséssemos apenas preservá-lo, enterrando-o por medo dos desafios do mundo”. Duas atitudes diferentes, mas igualmente nocivas, que são a representação de atitudes que podem ser encontradas hoje no mundo cristão: adaptar-se ao mundo ou o medo do mundo, o que leva a se fechar em uma fortaleza sentindo-se sitiado.
“Temos necessidade – destacou Francisco – de um novo impulso evangelizador. Somos chamados a ser um povo que vive e compartilha a alegria do Evangelho, que louva o Senhor e serve os irmãos em espírito que arde pelo desejo de abrir horizontes de bondade e de beleza insuspeitos para aqueles que ainda não tiveram a graça de conhecer verdadeiramente Jesus. Estou convencido de que, se aumentar a força missionária, crescerá também a unidade entre nós”. Redescobrir a missão significa a nova e indispensável fronteira do ecumenismo: “a evangelização marcará o florescimento de uma nova primavera ecumênica”.
Refletindo sobre o lema de sua viagem (“Caminhar – Rezar – Trabalhar juntos”), Francisco sugeriu, em relação à caminhada, “um duplo movimento: de entrada e de saída”. Para a oração, recordou que quando “dizemos ‘Pai Nosso’, ressoa dentro de nós a nossa filiação, mas também o nosso ser irmãos. A oração é o oxigênio do ecumenismo. Sem oração, a comunhão se asfixia e não avança, porque impedimos que o vento do Espírito a empurre para frente”.
Em seguida, o Papa enfatizou, em relação à ação comum, que “a credibilidade do Evangelho é posta à prova pela maneira como os cristãos respondem ao grito de todos aqueles que, injustamente, nos diferentes cantos da terra, são vítimas do trágico aumento da exclusão que, gerando pobreza, fomenta os conflitos. Os fracos são cada vez mais marginalizados, vendo-se sem pão, sem trabalho nem futuro, enquanto os ricos são sempre menos e sempre mais ricos”.
“Deixemo-nos interpelar pelo pranto dos que sofrem e sintamos compaixão, porque ‘o programa do cristão é um coração que vê’”, observou citando Bento XVI. “Vejamos o que é possível fazer concretamente, em vez de nos desencorajar pelo que não podemos fazer. Olhemos também para muitos dos nossos irmãos e irmãs que em várias partes do mundo, especialmente no Oriente Médio, sofrem porque são cristãos. Estejamos ao seu lado”.
Após recordar que “o nosso caminho ecumênico é precedido e acompanhado por um ecumenismo já realizado, o ecumenismo do sangue, que nos exorta a avançar”, Bergoglio convidou a “superar a tentação de absolutizar determinados paradigmas culturais e de nos deixar absorver por interesses pessoais”.
E exortou a nunca esquecer os pobres e descartados, aqueles que “ocupam um lugar demasiado marginal no âmbito da informação em grande escala. Não podemos desinteressar-nos, e devemos inquietar-nos quando alguns cristãos se mostram indiferentes em relação a quem passa necessidade. E mais triste ainda é a convicção de quantos consideram os seus benefícios como puros sinais de predileção divina, e não como apelo a servir responsavelmente a família humana e salvaguardar a Criação”. Uma alusão indireta à teoria calvinista da predestinação.
O Papa concluiu perguntando: “O que podemos fazer juntos? Se um serviço é possível, por que não projetá-lo e realizá-lo conjuntamente, começando a experimentar uma fraternidade mais intensa no exercício da caridade concreta?”
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Francisco. “Respondendo ao clamor dos pobres tornamos credível o Evangelho” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU