08 Junho 2018
Papa Francisco tem lidado nos últimos meses com o que pareceu uma saga interminável da crise de abuso sexual do clero católico no Chile.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 06-05-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Depois de ser muito criticado ao dizer que as vítimas de abuso teriam proferido "calúnia" durante sua visita em janeiro ao Chile, o Papa admitiu ter cometido "erros graves", também se encontrou com vítimas chilenas em Roma, e recebeu a carta de demissão da maioria dos bispos do país após um encontro de três dias no Vaticano.
Mas se a resposta de Francisco aos abusos do clero no Chile tem parecido interminável, novos desenvolvimentos em todo o mundo indicam que a reavaliação na forma como a Igreja Católica global tem tratado — ou maltratado — casos de abuso sexual está apenas começando.
Estes desenvolvimentos incluem dois oficiais da Igreja processados na Austrália, um cardeal francês e o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé sendo levados a julgamento na corte francesa, uma batida policial na Chancelaria da diocese de Michigan.
Estes eventos levaram alguns que seguiram atentamente a resposta da Igreja aos abusos a especular que nós podemos estar entrando em uma nova fase desta crise histórica — aquela em que as autoridades locais e nacionais em países de todo o mundo mostram menos hesitação em investigar líderes da Igreja. "A investigação sobre membros da hierarquia que não teria acontecido há uma década indica que estamos numa nova era", disse Marci Hamilton, conhecida advogada e defensora dos direitos da criança.
"Antes de o escândalo se tornar público, procuradores muitas vezes assumiam que não seria benéfico processar padres ou outros membros da hierarquia", disse Hamilton, CEO da consultoria CHILD USA. "Mas, na medida em que mais os fatos vêm à tona... promotores estão mudando seu cálculo."
Marie Collins, uma irlandesa vítima de abuso que se demitiu da Comissão para a Tutela dos Menores em 2017 alegando frustração com os oficiais do Vaticano, disse simplesmente: "Estamos em um novo ponto."
"Quanto mais se é visto que a Igreja está recusando a responsabilidade por seus bispos, mais os poderes seculares vão se mexer", disse ela.
A figura mais alta na hierarquia a ser investigada vem da Austrália.
Cardeal George Pell, australiano nomeado por Francisco para liderar o novo escritório financeiro do Vaticano em 2014, retornou ao seu país natal em junho de 2017 após ser acusado de históricas alegações de abuso.
Neste 1º de maio, a magistrada Belinda Wallington ordenou Pell a ser julgado por acusações que o cardeal se havia se declarado inocente.
Arcebispo Philip Wilson, que lidera a Igreja na litoral de Adelaide na Austrália, foi considerado culpado no dia 22 de maio por não reportar abuso sexual por parte do clero quando era padre na década de 1970.
Wilson ficou fora da administração da sua arquidiocese no dia 25 de maio; o Papa nomeou um administrador apostólico para assumi-la em 3 de junho.
Francis Sullivan, que liderou a resposta da Igreja Católica australiana a um recente inquérito nacional de cinco anos sobre abuso infantil institucional, disse que em seu país, "a atmosfera ao redor do escrutínio da Igreja agora é muito mais rigorosa e há menos tolerância para as fraquezas da Igreja".
"Autoridades governamentais, polícia e outros, estão demonstrando uma maior atenção à responsabilidade da Igreja", disse Sullivan, antigo CEO do agora engavetado Truth, Justice and Healing Council.
Na França, o cardeal de Lyon Philippe Barbarin vai a julgamento em janeiro próximo ao lado do cardeal designado Luis Ladaria, chefe da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano e cinco outros oficiais da Igreja. Eles são acusados de não relatarem às autoridades o conhecimento de abuso por um padre.
Anne Barrett Doyle, codiretora do site de rastreamento de abuso BishopAccountability.org disse que os casos australiano e francês mostram que "mesmo os mais altos funcionários da Igreja estão sendo tratados como cidadãos".
"A separação entre Igreja e estado já não significa que as religiões possam fazer coisas com impunidade", disse ela. "Há uma noção de responsabilidade que eu acho que é realmente apropriada."
"Cada vez mais os promotores estão tratando bispos e outros líderes da Igreja como concidadãos, não uma espécie de intocáveis", acrescentou.
Além das investigações, vários governos instituíram comissões especiais para analisar como as instituições com alegações de abuso sexual estão tratando os casos. O mais notável também vem da Austrália, onde a Comissão Real, que começou em 2012, concluiu seus trabalhos em dezembro.
A Comissão finalizou com o lançamento de um relatório final com 17 volumes que incluía 189 recomendações para entender o abuso e manter as crianças seguras endereçadas a religiões e instituições sociais.
21 recomendações do grupo a Igreja Católica tocaram em uma vasta gama de assuntos, desde como os bispos são nomeados a maneira como o direito canônico designa a idade dos menores, passando pela prática da Igreja do celibato sacerdotal.
Sullivan, que serviu por 14 anos como CEO da Catholic Health Australia, antes de assumir o papel de liderar a resposta da Igreja à Comissão, disse que o inquérito queria indicar "áreas de preocupação" sobre a estrutura da Igreja Católica.
"Mais amplamente o que diz é que as questões estruturais-culturais da Igreja são onde o cerne do problema do abuso está", disse Sullivan. "Não é sobre as maçãs podres no balaio, é o fato de que o balaio tolere maçãs podres."
"Por que houve uma permissividade na cultura?" resumiu Sullivan sobre a linha de pensamento da Comissão de inquérito. "Por que tem havido uma espécie de hesitação, se não uma aversão, para examinar as profundezas do clericalismo?"
Barrett Doyle, cuja organização tem documentado registros de abuso nas dioceses em todo o mundo, chamou as recomendações da Comissão de "muito apropriadas".
"Acho que eles estão tentando manter a Igreja no seu devido lugar", disse ela. "As religiões são comunidades de crentes e sua conduta não deve fazer mal. E se eles têm certas tradições ou regras que prejudicam, a sociedade secular tem que se impor."
Dois outros inquéritos no país que podem vir a envolver questões sobre a maneira da Igreja Católica lidar com o abuso estão ocorrendo agora.
Na Inglaterra, relatórios sugeriram que o cardeal de Westminster, Vincent Nichols, pode ser chamado para dar testemunho ao Independent Inquiry into Child Sexual Abuse, que foi criado pelo governo britânico em 2014 após as revelações de abuso por Jimmy Savile, proeminente figura midiática.
Na Escócia, o arcebispo aposentado de Glasgow Mario Conti espera para testemunhar ao Scottish Child Abuse Inquiry, criado pelo Governo escocês em 2015.
Enquanto isso, nos EUA, a procuradoria-geral da Pensilvânia está concluindo uma investigação em seis das oito dioceses do estado. O relatório final do inquérito que se supõe chegar a 800 páginas é esperado para ser lançado dentro de semanas.
Hamilton, que também é professora da Universidade da Pensilvânia, disse que achava que a decisão das autoridades australianas em processar Pell influenciou os procuradores nos Estados Unidos a vigiarem oficiais da Igreja de forma mais agressiva.
"Eu honestamente acho que a acusação do cardeal Pell... mudou as mentes dos promotores aqui nos Estados Unidos no sentido de que não há perigo político em processar [bispos]," disse Hamilton.
"Mas também acho que é essa maré de entendimento" continuou. "Quanto mais as pessoas entendem a forma e a extensão da crise, mais existe disposição para promotores estenderem seus recursos e irem atrás da hierarquia".
Apontando para as revelações de abuso pelo ex-assistente de treinador de futebol Jerry Sandusky na Pennsylvania State University e o antigo médico da equipe de Ginástica dos EUA Larry Nassar na Michigan State University, Hamilton disse:
"Acho que a Igreja agora tem que ser entendida no contexto de qualquer outra organização com estes problemas. E ela precisa entender que realmente não é especial nesta área."
"Os dias da Igreja a investigar a si mesma são passado", disse Sullivan. "Porque ela não pode fazê-lo. Não consegue ter uma visão objetiva."
"Não é só sobre prevenção", disse ele. "Prevenção é apenas uma camada. É sobre a criação de uma cultura saudável. A Igreja precisa ter uma cultura saudável, onde as pessoas possam florescer."
Collins, que também é o fundador de uma Fundação no Reino Unido que ajuda vítimas de abuso e trabalha com agências para proteger as crianças, disse que a Igreja "não conseguiu perceber que o tempo e as atitudes estão mudando e em muitos países os seus líderes não são mais vistos com o direito a privilégios especiais."
"Não tomando medidas drásticas contra os homens que protegem os abusadores abriu caminho para que outros interviessem e fizessem isso por eles," disse.
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Investigação de bispos pode apontar para nova fase da crise de abuso sexual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU