10 Mai 2018
Um paradoxo acompanha de forma cada vez mais marcada os anos do pontificado do Papa Francisco: a exagerada cobertura da mídia alimentada ao redor do atual Sucessor de Pedro (e muitas vezes necessária) acaba por obscurecer a essência do que ele está sugerindo diariamente a todos.
A reportagem é de Gianni Valente, publicado por Vatican Insider, 08-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os radares descalibrados dos detratores antipapais a tempo integral e dos profissionais do entusiasmo "bergogliano" não interceptam as expressões cotidianas de suas palavras e de seus gestos de pastor. Seus sensores sintonizados dia e noite sobre as façanhas do "personagem" Bergoglio, com raras exceções, não relatam, testemunham ou contam o que ele diz, escreve e faz. Eles preferem interpretá-lo de acordo com suas próprias ideias preconcebidas. Peneiram com insistência maníaca os gestos e as palavras do Papa apenas para buscar a confirmação da caricatura de Bergoglio desenhada e propalada por eles mesmos – aquela do suposto tardo-modernista ultrapassado e a do "grande revolucionário" - que compartilham o espaço midiático. Eles colecionam e divulgam apenas os detalhes extrapolados que servem para dar-lhes razão, para confirmar suas interpretações enferrujadas.
Enquanto isso, aqueles que querem apenas caminhar na fé dos Apóstolos encontram - já encontraram - outros caminhos para atravessar esta temporada eclesial singular. Enquanto os círculos midiático-clericais dividem os papéis nas campanhas orquestradas em torno do personagem papal, muitos batizados não sobrecarregam as suas mochilas com o lastro de disputas doutrinais pseudo-doutrinais de teclado com que se entretêm muitos círculos midiático-clericais.
A rota de fuga escolhida pelo sensus fidei do povo de Deus é simples, eficaz e acessível para todos: seguir o magistério ordinário do Sucessor de Pedro. Justamente aquele obscurecido e removido pelos bloggers clericais, aquele que não conquista as manchetes dos jornais. Que não tem a obrigação de adquirir "visibilidade", de se destacar entre as chamadas do Google, que não pretende influenciar nem mesmo dirigir os "fluxos" da comunicação global. O magistério "elementar" do Papa, aquele que ele continua a expressar profusamente nas homilias de Santa Marta, nas catequeses da quarta-feira, no Ângelus do domingo, nas encíclicas e exortações apostólicas, nas visitas às paróquias, nos encontros quase cotidianos com o povo de Deus. Aquele onde o Papa Francisco aparece pelo que ele é: um pobre pecador abraçado por Jesus. Tão agradecido por esse abraço que não oculta e não se escandaliza por suas limitações e erros.
Quando se seleciona aleatoriamente alguns dias nos últimos meses, entre janeiro e abril, pode ser facilmente verificada a urdidura do magistério ordinário que o Bispo de Roma propõe em cada circunstância que chega ao seu alcance. Vamos tentar. Nos primeiros dias do ano, para as crianças romenas hospedadas em um orfanato mantido pela Avsi, o Papa disse que ir à igreja "Serve se no início, quando eu entro, posso dizer: ‘Eis-me aqui Senhor. Você me ama e eu sou um pecador. Tende piedade de nós. Jesus nos diz que se fizermos isso, voltamos para casa perdoados ... Então, pouco a pouco, Deus transforma nossos corações com a Sua misericórdia, e transforma até mesmo a nossa vida’" (4 de janeiro). Para os pais de recém-nascidos que estavam prestes a serem batizados na Capela Sistina, ele lembrou que "precisamos do Espírito Santo para transmitir a fé, sozinhos não podemos. Ser capaz de transmitir a fé é uma graça do Espírito Santo, a possibilidade de transmiti-la; e é por isso que vocês trazem seus filhos aqui, para que eles recebam o Espírito Santo" (7 de janeiro).
Quando ele participou da festa para a translação do ícone restaurado da Salus Populi Romani, para a Basílica de Santa Maria Maggiore, o Papa recordou que "Onde Nossa Senhora habita, o diabo não entra. Onde está a Mãe, a perturbação não prevalece, o medo não vence. Quem entre nós não precisa disso, quem entre nós não é muitas vezes perturbado ou agitado? (...). E precisamos dela como um andarilho precisa de descanso, como uma criança que ser levada no colo. É um grande perigo para a fé viver sem a Mãe, sem proteção, deixando-nos transportar na vida como folhas ao vento" (28 de janeiro).
Para os homens e mulheres consagrados, no Dia Mundial dedicado a eles, recordou que "Ter o Senhor em suas mãos é o antídoto contra o misticismo isolado e o ativismo desenfreado, porque o encontro real com Jesus endireita tanto os sentimentalistas devotos como os atarefados frenéticos" (2 de fevereiro).
Às crianças de Ponte Mammolo, em sua visita à paróquia romana de São Gelásio I, disse que, mesmo quando se vivem "tempos ruins" devemos "tomar a mão de Jesus, para que Jesus nos leve para frente pela mão" (25 de fevereiro). E, depois, durante a missa, comentando sobre o episódio evangélico da Transfiguração, ele lembrou que "Jesus sempre nos prepara para a prova. De uma forma ou de outra, ele sempre nos prepara. Isso nos dá a força para continuar em tempos de provação, e superá-los com sua força. Jesus não nos deixa sozinhos nas provações da vida: sempre nos prepara, nos ajuda, como preparou esses discípulos, com a visão de Sua glória" (25 de fevereiro).
Na Quaresma, durante a celebração da penitência que se realizou na Basílica de São Pedro, antes de se aproximar ao confessionário, o Papa lembrou a todos que "a condição de fraqueza e confusão em que nos coloca o pecado é mais uma razão pela qual Deus permaneça próximo de nós" (9 de março).
Em San Giovanni Rotondo, falando de Padre Pio, recordou que o santo de Pietrelcina "ofereceu a vida e inúmeros sofrimentos para que o Senhor fosse encontrado pelos irmãos", e que "o meio decisivo para encontrá-lo era a Confissão, o sacramento da Reconciliação. Aí começa e recomeça uma vida sábia, amada e perdoada, ali começa a cura do coração" (17 de março).
Na festa de São José, quando celebrou algumas ordenações episcopais, recordou que "através da sucessão ininterrupta dos bispos na tradição viva da Igreja, a obra do Salvador continua e se desenvolve até o nosso tempo", porque "É Cristo que no ministério do bispo continua a pregar o Evangelho da salvação e de santificação dos fiéis, através dos sacramentos da fé" (19 de março).
Na homilia do Domingo da Misericórdia, agradeceu ao apóstolo Tomé, "porque não ficou satisfeito em ouvir dos outros que Jesus estava vivo, e nem mesmo de vê-lo em carne e osso, mas queria ver dentro dele, tocar as suas feridas, os sinais de seu amor ... Para nós também não é o suficiente para saber que Deus existe: não preenche nossas vidas um Deus ressuscitado mas distante; não nos atrai um Deus distante, embora justo e santo. Nós também precisamos "ver Deus", tocar com nossa mão, saber que ressuscitou por nós. Como os discípulos: através de suas feridas." Depois, referindo-se ao sacramento da confissão, recordou que apesar das recaídas em pecado "não é verdade que tudo continua como antes", porque "a cada perdão somos reconfortados, incentivados, para nos sentirmos cada vez mais amados, mais abraçados pelo Pai. E quando, como amados, recaímos, sentimos mais dor que antes. É uma dor benéfica, que lentamente nos afasta do pecado. Descobrimos então que a força da vida é receber o perdão de Deus, é continuar em frente, de perdão em perdão. Assim segue a vida: de vergonha em vergonha, de perdão em perdão. Essa é a vida cristã" (8 de abril).
Há poucos dias, na homilia da Missa celebrada em Santa Marta, recordou que “caminhamos para um encontro: o encontro definitivo com Jesus”. Ele acrescentou que "o céu é o encontro com Jesus, e nós preparamos para esse encontro com os encontros que realizamos no caminho da vida com o Senhor." E enquanto nós caminhamos, "Jesus, enquanto isso," não fica "lá sentado esperando por nós, esperando por mim .... Jesus prepara um lugar, Jesus trabalha, neste momento, para nós" e "o trabalho de Jesus" é "a intercessão, a oração de intercessão". Jesus “reza por mim, para cada um de nós". Ele "é fiel e reza por mim, neste momento" (27 de abril).
Alguns dias antes, na audiência geral das quartas-feiras, falando de batismo, disse que aqueles que questionam a prática de batizar as crianças recém-nascidas mostram que não têm "nenhuma confiança no Espírito Santo, porque quando batizamos uma criança, naquela criança entra o Espírito Santo, e o Espírito Santo faz crescer nela, desde o início, aquelas virtudes cristãs que depois irão florescer" (11 de abril). Uma semana mais tarde, durante a audiência da quarta-feira, ele pediu a todos os adultos para "ensinar as crianças a fazer corretamente o sinal da cruz. Se o aprenderem como crianças, irão fazê-lo corretamente depois como adultos" (18 de abril).
Enquanto isso, com a Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, divulgada no último 09 de abril, lembrou a todos os batizados: "Todos nós somos chamados a ser santos vivendo com amor e oferecendo nosso próprio testemunho nas tarefas do dia-a-dia, onde quer que estejamos". E confessou que seu coração de sacerdote regozija-se quando vê "a santidade no povo de Deus paciente: nos pais que criam com tanto amor os seus filhos, nos homens e mulheres que trabalham para levar o pão para casa, nos doentes, nas idosas religiosas que continuam a sorrir. Nessa perseverança de continuar em frente dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante."
O zelo apostólico contínuo do Papa Francisco atesta todos os dias que o dinamismo próprio do acontecimento cristão tem a sua única fonte na graça de Cristo, no mistério da sua obra. Descrevendo a eficácia dos sacramentos, os gestos do Senhor, o atual Sucessor de Pedro atesta em cada ocasião a natureza sacramental da Igreja, a sua dependência da obra do Espírito Santo. O Papa Bergoglio coloca constantemente em guarda contra toda alegada "autossuficiência" humana, incluindo aquelas que alimentam os desejos de triunfo e de "destaque" no grupo eclesial. Em sua pregação ordinária, ele não fala de si mesmo. Como um dedo apontando para a lua, insistentemente sugere que apenas Cristo cura, redime e salva. E esse dado da realidade não é por ele reduzido a uma afirmação assumida como certa, ou considerada como um pressuposto a priori, mas é relatado e proposto como reconhecimento e certificação de uma experiência.
O Papa Francisco lembra a cada instante que Cristo se encontra na oração, nos sacramentos e nos seus prediletos, que são os pobres. Não foi ele que inventou a misericórdia, o perdão e a caridade. Mas nos repete a cada passo que essas são as principais características da novidade que entrou no mundo com Cristo. Essas são coisas que a Igreja sempre disse. Mas esse dado, indiscutido e indiscutível, não pode ser usado como pretexto para esconder ou suplantar outras evidências. Por exemplo, a insistência com que nas últimas temporadas muitos aparelhos eclesiais pareciam dispostos a construir a própria "relevância" e realizar por conta própria seu próprio protagonismo na história. Ou a diligência com que, em tempos não muito distantes, os pronunciamentos papais também eram purgados de todas as expressões sobre a preferência pelos pobres, por serem consideradas politicamente suspeitas e inoportunas.
As rações cotidianas de magistério "elementar" do atual Bispo de Roma também reforçam os únicos anticorpos eficazes para resistir às patologias e infecções de várias origens que afligem a temporada eclesial atual: os quadros que alimentam o mito do “Papa-justiceiro”, heroi solitário que irá libertar a Igreja de todo os maus e de todo o seu atraso; e aquele fomentado pelos censures das rodinhas midiático-clericais que o sujeitam diariamente a processos pseudodoutrinais.
No atual tempo eclesial, justamente a feroz e coordenada difamação midiático-clerical do Papa visa semear divisões e "dubia" no meio do que resta do povo de Deus, para depois dizer que o povo de Deus está dividido e inseguro. Tal fenômeno, sem precedentes em termos de dimensões e ferocidade, torna-se um fator objetivo de descristianização. Mais devastador do que aqueles relacionados aos condicionamentos culturais de matriz mundana (relativismo e niilismo incluídos). Sob a ostentação de rigor doutrinário, a rede dos fustigadores profissionais do Papa agride o que resta da memória cristã, sempre caracterizada por uma afeição profunda e instintiva com o Sucessor de Pedro e de seu ministério. Diante das campanhas orquestradas por alguns intitulados "ortodoxos da verdadeira doutrina", os bispos, junto com o Papa, são chamados a exercer na forma paradoxal aquela que o cardeal-teólogo Joseph Ratzinger definia como "a função verdadeiramente democrática" do magistério eclesial: a solicitude para proteger todos os irmãos e todo o povo de Deus das facções e dos 'cães' (São Paulo) que os desorientam e não têm escrúpulos em se aproveitar até mesmo do nome de Cristo por "inveja e espírito de disputa." Confiante de que o Povo de Deus, guiado por seu sensus fidei, já precede os pastores no caminho correto: "Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos"(Mt 11,25).
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Os presentes de um pobre Papa, bagagem leve para tempos difíceis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU