17 Abril 2017
A mente permanece lúcida, mas as forças, relatam aqueles que o veem habitualmente, são suficientes apenas para alguns passos acompanhados de um andador. Quando a situação não era essa, há pouco mais de quatro anos, Joseph Ratzinger, o primeiro papa emérito, deu o passo mais importante que o Vaticano consegue se lembrar. Desde então, vive no convento de freiras Mater Ecclesiae, a poucas centenas de metros do papa Francisco. Ambos vestem-se praticamente igual, mas Bento XVI retirou-se da vida pública, em silêncio e discreto, como prometeu. Neste domingo, completa 90 anos.
A reportagem é de Daniel Verdú e publicada por El País, 16-04-2017.
Joseph Ratzinger (Marktl am Inn, 1927) é um ancião com dificuldades físicas – inclusive de audição e visão –, que encara a última etapa de sua vida com discrição absoluta. Ele se entretém diariamente lendo dois jornais alemães, mas também o Osservatore Romano (periódico do Vaticano), L'Avvenire e uma revisão da imprensa preparada pela Secretaria de Estado. Todas as noites, assiste a um telejornal e, quando as mãos não lhe falham, ainda se senta ao piano para tocar algumas peças. Neste domingo, dia de seu aniversário, receberá a visita do irmão Georg (93 anos) e, na segunda-feira, para não interferir nos ritos do Domingo da Ressurreição, realizará uma pequena celebração no estilo bávaro, segundo contou ao La Repubblica seu secretário pessoal e braço direito, George Gänswein, na qual estará também o primeiro-ministro da Baviera, Horst Lorenz Seehofer. Está tudo desenhado para abastecer sua discreta felicidade.
Os últimos dias de Bento XVI na cadeira de Pedro, no entanto, foram muito mais complicados. Acuado pelos escândalos de pedofilia e a incessante cachoeira de indiscrições que emanavam do caso Vatileaks – fornecidas pela dolorosa traição de Paolo Gabriele, seu secretário pessoal –, foram abertas as discussões globais sobre os motivos de sua renúncia. "Um pastor rodeado por lobos", definiu o sempre contido L'Osservatore Romano. "As águas caíam agitadas, o vento soprava contra, e Deus parecia adormecido...", disse o mesmo, em sua despedida, recorrendo ao Evangelho. Esgotado fisicamente há meses, Ratzinger, o grande teólogo que às vezes parecia dar a impressão de estar mais ocupado com os assuntos do céu do que com os da terra, tomou silenciosamente a decisão mais mundana que se poderia imaginar. "Meu momento havia passado. Dei tudo que poderia dar", contou a Peter Seewald, nas conversas que deram origem, em 2016, ao livro/testamento Últimas conversas.
A renúncia, conhecida por apenas quatro pessoas, surgiu em agosto de 2012. Além do esgotamento físico evidente, falou-se, na ocasião, de pressões internas, de "corvos" à espreita e de um certo encurralamento. O padre Federico Lombardi, presidente da Fundação Vaticana Joseph Ratzinger e porta-voz do Vaticano durante o papado de Bento XVI e parte do de Francisco, rechaça essa ideia. "Isso de pressões não tem nenhum fundamento. Qualquer pessoa de bom senso percebe que, se ele sentia essa fadiga quatro anos atrás, ela agora pode apenas ser maior. Tomou livremente a decisão, diante de Deus, mas com considerações muito evidentes e razoáveis. Sentia-se cansado para fazer viagens, celebrações, audiências. E isso se confirmou com o passar do tempo. Foi uma decisão totalmente lógica, e o tempo não faz nada além de confirmá-la", insiste Lombardi, bom conhecedor do período de transição entre os dois papas.
Justamente, entre as visitas que Ratzinger frequentemente recebe – inclusive, nessa última semana, por causa do seu aniversário e da Páscoa – tem sido relativamente habitual a do papa Francisco, com quem manteve uma relação fluída nesses últimos quatro anos, apesar da insólita situação criada naquela noite de 28 de fevereiro, quando efetivou sua renúncia. Nunca antes dois Papas conviveram em tão poucos metros. Jorge Mario Bergoglio pede-lhe frequentemente que reze por ele e, inclusive, mostrou-lhe documentos importantes, como a controversa e avançada exortação apostólica Amoris Laetita. Ratzinger, muito mais inclinado à ortodoxia que seu sucessor, nunca opinou publicamente sobre nenhum desses assuntos, embora seja fácil colocá-lo no outro lado desse novo estilo de pensamento e administração do Vaticano.
No entanto, além dos motivos e do curso do seu papado, sua renúncia foi um moderno gesto que abriu uma nova via. "Causou muita repercussão porque era novo. Mas, com ele, abriu-se um caminho para tomar uma decisão desse tipo de forma muito natural, sem que seja extraordinária. Para seu sucessores, uma avaliação dessa possibilidade será mais fácil que para ele. O papa Bento XVI reza pela Igreja, todos gostam dele, mas não interfere em nada no Governo", afirma Lombardi. Um silêncio que estende até mesmo aos diários com reflexões pessoais que, segundo contou, também destruirá antes de morrer.
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O grande silêncio de Joseph Ratzinger - Instituto Humanitas Unisinos - IHU